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Homenagem a Max Stahl no cemitério de Santa Cruz

17 de Dezembro de 2021


Decorreram esta sexta-feira, 17 de dezembro, em Timor-Leste, as cerimónias fúnebres do jornalista Max Stahl. As suas cinzas ficam agora entre as campas das vítimas que revelou ao mundo, numa reportagem que viria a ser determinante para a independência daquele país. António Sampaio, da Agência Lusa, leu nesta cerimónia o texto que aqui reproduzimos, em homenagem ao jornalista que nasceu britânico mas morreu timorense:

“Timor-Leste homenageia hoje um homem maior, um jornalista, um humanista, um pilar de determinação que num dos momentos mais difíceis da história do país, e com a sua câmara e a sua coragem mostrou ao mundo o drama da ocupação indonésia.

E como os homens maiores e os heróis verdadeiros, a sua aclamação não é apenas dos líderes nacionais, ou de personalidades relevantes em vários países. A sua aclamação é feita pela alma de todo o povo timorense que hoje, como o fez quando a sua morte foi conhecida a 28 de outubro, chora a perda de Max Stahl.

O jornalista e realizador morreu praticamente 30 anos depois de recolher aqui, em Santa Cruz, as imagens do massacre que contribuiriam para mudar para sempre o percurso da luta pela independência do país. Por triste coincidência, faleceu no mesmo dia em que morreu, em 1991, Sebastião Gomes, o jovem que veio a enterrar em Santa Cruz e cuja morte suscitou o protesto que acabaria por terminar no agora conhecido Massacre de Santa Cruz.

As suas cinzas vão ficar aqui, neste local de tragédia, mas que foi também de esperança, no fecho de um ciclo, continuando vivo nos corações e mentes de muitos, e vincadamente na história de Timor-Leste.

Nascido a 06 de dezembro de 1954 no Reino Unido e cidadão timorense desde 2019, o jornalista regressa para perto das campas onde, escondido, filmou o massacre. Condecorado com o Colar da Ordem de Timor-Leste, a mais alta condecoração dada a cidadãos estrangeiros no país, com o Prémio Rory Peck e vários outros galardões, Max Stahl deixa como legado um dos principais arquivos de imagens dos últimos anos da ocupação indonésia do país e do período imediatamente antes e depois do referendo de independência.

O Centro Audiovisual Max Stahl em Timor-Leste (CAMSTL) contém milhares de horas de vídeo, incluindo entrevistas alargadas com os principais atores da luta timorense pela independência. Stahl criou o arquivo para, nas suas palavras, contar a história do nascimento da nação, incluindo imagens históricas e material filmado. Já foi reconhecido pela UNESCO como Registo da Memória do Mundo.

Descendente de uma família de diplomatas, repórter de guerra – chegou a ser ferido nos Balcãs – Max estudou literatura na Universidade de Oxford e era um poliglota, dominando várias línguas, incluindo as duas oficiais de Timor-Leste, o português e o tétum.

Ainda antes de adotar o nome com que hoje todos hoje o conhecem, Christopher Wenner chegou mesmo a apresentar um programa de televisão para crianças, o Blue Peter da BBC, na altura o mais famoso dos programas infantis.

Mas foi em campos de batalha, em palcos de caos e de drama humano que o maior contributo de Stahl, o seu legado, se construiu. Ajudando a mostrar ao mundo conflitos ou dramas esquecidos e longe dos olhares da comunidade internacional. As primeiras reportagens vieram da sua experiência de vida, no estrangeiro, com a família, em concreto em El Salvador (onde o pai era embaixador) e de onde enviou reportagens durante a guerra civil entre 1979 e 1992.

Entre outros conflitos acompanhou os da Geórgia, do Kosovo e da Chechnya e, a partir de 30 de agosto 1991, de Timor-Leste, onde chegou, como “turista”, a convite de quadros da resistência. Fazia parte de uma equipa de reportagem da televisão britânica, ‘escondida’ como turistas para não revelar o seu verdadeiro objetivo: documentar a ocupação indonésia. Ao longo da sua longa ligação a Timor-Leste, onde vivia até ter que viajar para a Austrália para tratamento médico, entrevistou algum dos líderes históricos da resistência como Nino Konis Santana, David Alex e outros.

Seria Santa Cruz, e o massacre de 12 de novembro de 1991 que tornaria o nome de Max Stahl conhecido internacionalmente, com as imagens a serem das primeiras a atestar a barbárie da ocupação indonésia.

Em Portugal as imagens acabaram por ter um impacto especial, tanto pela dureza da violência como pelo facto dos sobreviventes se terem reunido na pequena capela de Santa Cruz a rezar, em português, enquanto se ouviam as balas dos militares e policias indonésios. Regressaria ao país alguns anos depois, para recolher mais entrevistas.

O referendo de 1999 levou Max Stahl a regressar a Timor-Leste, onde acompanhou quer a violência antes do referendo quer depois do anúncio da vitória da independência, tendo acompanhado famílias em fuga para as montanhas.

Max Stahl é sobrevivido pela sua mulher, Ingrid, pelos dois filhos do casal, Leo e Malin, e por dois filhos, mais velhos, do primeiro casamento, Ben e Barnaby.

E será lembrado por todos os outros irmãos timorenses que hoje o abraçam e homenageiam, honrando a memória de quem dedicou uma parte importante da sua vida ao país onde não nasceu, mas que para sempre será seu.”

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