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Jornalistas contestam competência do provedor do “Público” e pedem parecer ao Conselho Deontológico

30 de Julho de 2021


Os jornalistas Cláudia Marques Santos e Paulo Pena pediram o parecer do Conselho Deontológico sobre eventuais violações de regras deontológicas contidas num trabalho seu que foi analisado pelo provedor dos leitores do jornal “Público”. O provedor acusou os jornalistas de “violação” do ponto 1 do Código Deontológico dos Jornalistas, mas não os ouviu antes de publicar a sua opinião. Siga o ‘link’ e leia, na íntegra, o bem fundamentado pedido de parecer.

Caras e caros membros do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas,

Vimos solicitar ao Conselho Deontológico um parecer sobre eventuais violações de regras deontológicas contidas no trabalho jornalístico por nós elaborado e publicado a 4 de Julho (https://www.publico.pt/2021/07/04/sociedade/investigacao/homicidio-albufeira-sentenca-condenou-menos-1968908)  no Jornal Público, o qual foi analisado pelo provedor dos leitores do referido jornal, nas suas crónicas de 17 (https://www.publico.pt/2021/07/17/opiniao/opiniao/direito-bom-nome-19706399) e 24 de Julho (https://www.publico.pt/2021/07/24/opiniao/opiniao/lado-escola-1971562). Nessa apreciação, o provedor acusa-nos de “violação” do ponto 1 do Código Deontológico dos Jornalistas, o que é uma acusação grave e inédita nas nossas carreiras, que não aceitamos sem proporcionarmos o trabalho à vossa análise técnica.

Em resumo:

O provedor escreve, na sua crónica, que a “violação” deontológica acontece porque: “Ouviram um lado. Não ouviram o outro. Deviam ter ouvido.”. Presume-se que o provedor, ao referir-se ao “outro lado”, pretende que o coletivo de juízes que proferiu sentença de primeira instância, desconstruída e analisada no nosso texto, deveria ter sido ouvido, presume-se ainda que assim entende o provedor porque considera que o Coletivo de Juízes é a parte visada ou o objeto de análise do trabalho jornalístico em questão. O provedor chegou a esta conclusão sem ter, uma única vez, questionado os jornalistas.

A nossa posição é a seguinte: 

(1) O coletivo de juízes esgota o seu pronunciamento na sentença proferida e sustentada, a qual analisámos criticamente, não só em si própria, como na revisão de toda a prova contida no processo, inclusive, tendo nós ouvido as gravações de prova testemunhal e tendo confrontado técnicos com as violações de regras de produção de prova que detetámos e apontámos suportando a análise.

(2) A sentença é pública e, portanto, pode e deve ser objeto de análise, à luz do princípio do in dubio pro reo, que defendemos no nosso projeto, como dele resulta claro. Os juízes de um caso que ainda não transitou em julgado estão obrigados ao dever de reserva, não podendo legalmente pronunciar-se sobre as suas decisões.

(3) Portanto, num trabalho desta natureza, que segue as linhas de outros, publicados pela imprensa internacional, e que está descrito no site do American Press Institute (https://www.americanpressinstitute.org/journalism-essentials/verification-accuracy/protess-method-verification/), a lógica dos “dois lados” que o provedor pretende impor é redutora, uma vez que, se um cidadão é condenado sem provas suficientes, entendemos ser dever do jornalista que se propõe ponderar a decisão apontar as falhas detetadas e as dificuldades ou erros de um sistema que permitiu uma condenação sem provas ou com provas fracas, em cumprimento da função jornalística de controlo dos poderes.

(4) Entendemos ainda que “os lados” no caso em apreciação são vários, porque na investigação prévia ao julgamento também foram cometidos erros essenciais de depreciação de prova que condicionaram os erros cometidos no julgamento e depois na sentença, como, de resto, o Supremo Tribunal de Justiça o apontou e vem citado no trabalho; mas também foram cometidos erros graves, que relatamos com detalhe, pelos condenados, pelos arguidos absolvidos e pelos que nem chegaram a ser acusados, todos eles apontados no nosso trabalho.

(5) Para os objetivos deste nosso trabalho, o de reanálise de sentenças condenatórias em processos criminais, que apuramos merecerem crítica, as contrapartes são todos os que sofreram com os erros cometidos pela justiça, neste caso, a família da vítima e as testemunhas oculares, também elas, na sua maioria, vítimas de agressões na noite do homicídio. E nós ouvimos todos esses intervenientes, com interesses atendíveis no trabalho que apresentámos para publicação e que para tal foi aceite pela editoria do jornal Público, aliás, também visada, entendemos que de forma humilhante nas apreciações do provedor, como poderá ser por esse Conselho constatado.

Ficamos ao vosso dispor para qualquer esclarecimento que julguem necessário.

O Projecto Inocência foi criado em 2020, depois de uma candidatura que a jornalista Cláudia Marques Santos apresentou a uma bolsa de jornalismo de investigação da Fundação Calouste Gulbenkian. Fazem parte do projecto, trabalhando sempre em regime pro-bono o jornalista Paulo Pena e a advogada Isabel Duarte. Encontram-se neste momento em formação as estudantes de jornalismo Ana Patrícia Silva, Inês Fajardo Silva, Letícia Carvalho e Lisleine Uchôa do Lago. A bolsa que financiou o trabalho das estudantes de jornalismo terminou em 2020 e, desde então, as únicas receitas do projecto são as que provêm da publicação, pelo PÚBLICO, dos dois trabalhos realizados (ao longo de mais de um ano).

Cláudia Marques Santos

Paulo Pena 

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