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Atestados de imbecilidade

25 de Fevereiro de 2021


Há cerca de um mês, ali por meados de Janeiro, a minha sogra, já com uma idade avançada, teve um ligeiro achaque. Nada de especial, nada de grandes cuidados. Mas, à tabela, decidimos ligar para a linha Saúde 24. Confirmaram, do lado de lá, que a coisa não era grave, dispensava idas ao centro de saúde ou ao hospital. Gente atenta e simpática. À despedida, uma recomendação, veemente: “Não a deixem ver noticiários!” (Waldemar Abreu)

Sim, na realidade a coisa tende a enfartar. Agora dá-lhes para as mutações do vírus. Nada de certezas, tudo especulações, mas aquela tropa não tem quaisquer dúvidas em abrir os noticiários com conversa que, até ver, carece de confirmação científica.

Liga-se a pantalha à hora dos telejornais e a conversa é sempre a mesma. Pela centésima vez, a crise da restauração. Há dias dei por um conhecido empresário da restauração no Norte do País a reclamar apoio do Governo para a comparticipação com as despesas de alcool gel e de máscaras. Não tarda vamos vê-los a pedirem subsídios para lhes lavarem o rabo com água de rosas. Com jeitinho, lá chegaremos!

A restauração já cansa. Mas, depois, temos, pela enésima vez, a crise no sector empresarial, a crise na aviação e a crise na indústria aeronáutica. E por aí fora. Quase tudo baseado em inquéritos efectuados pelas associações do sector que ninguém tem o cuidado de confirmar, no terreno. Mamam e impingem-nos aquilo com a maior das facilidades. E sem se rirem…

Muitíssimo presente, também, a actividade no sector funerário, com especial destaque para a RTP 1. Primeiro dão-nos conta do número de mortes nos hospitais, já sem capacidade de armazenagem, depois são as funerárias, sem esquecer as morgues, que também já não aguentam. E claro, o número de mortes actual, sem paralelo nos últimos cem anos.

Temos de recuar aos tempos da troika para identificarmos falta de imaginação e acefalismo do mesmo calibre. Agora são as mortes, as mutações, as vacinas, as dificuldades do SNS. Na altura eram noticiários de hora e meia em que só se falava de economia, uma tristeza que devia ser objecto, urgente, de estudo, para nos dar a exacta medida da incapacidade editorial das tv’s. A EDP dava um espirro e era abertura de telejornais, a banca dava um peido e vomitavam-nos aquilo, o Passos Coelho, esse coveiro do País, pretendia carregar na malta da ferrugem com mais 6,7 por cento na TSU e era o máximo. Mas darem o homem, no minuto seguinte, a cantar e rir no Coliseu dos Recreios, isso já era demais para eles. As TV’s já não tinham tomates para tanto… Sem esquecer, claro, aquelas vergonhosas conferências de imprensa de uns tecnocratas estrangeiros de segunda que nos diziam como é que iriamos ser entalados e as tv’s se regalavam a transmitir em directo. Era bom que esse grande formador de especialistas em aeródromos regressasse. Para agregar a direita, Ventura incluido, obviamente. E, já agora, para agregar a esquerda…

Voltemos ao início e à recomendação da linha Saúde 24: “Não a deixem ver noticiários!” A mim isto soa-me a atestado de imbecilidade passado a responsáveis editoriais das tv’s a que temos direito. E estou certo que este atestado é passado centenas de vezes ao dia aos utentes da linha Saúde 24.

No Jornal da Noite (SIC) do passado dia 10 de Fevereiro, longo trabalho dedicado aos resgates de um cão e de um veado. Imaginei-me a ver o “Dr. Pol”, ou um qualquer daqueles programas dedicados à vida selvagem que passam, ao domingo, na SIC ou na RTP1, ao final da manhã. E dei comigo a pensar se não haverá alguém, na SIC, que se dê ao trabalho de conferir alguma dignidade àquele noticiário. Será que já lá nem existe um conselho de redacção?

Waldemar Abreu – “Jornal de Barcelos”

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