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Jornalismo paroquial

27 de Dezembro de 2020


Há uma tendência no jornalismo português para acrescentar à notícia uma espécie de moral da história, envolvendo juizos sobre o comportamento dos intervenientes.
É uma manifestação transversal, comum a todos os media e a todos os temas, e mais uma pedra na muralha de interrogações sobre o tipo de ensino do jornalismo que se pratica. (João Alferes Gonçalves)

Como factor agravante desse fenómeno abstruso, na maioria esmagadora dos casos o autor de tais juizos desconhece as circunstâncias do acontecimento noticiado e, maxime, revela uma ignorância total do quadro de referência que invoca.

Exemplo paradigmático dessa prática é uma notícia do “Correio da Manhã”, sempre muito dado ao jornalismo paroquial, onde se verbera o comportamento de um condutor que passou por um carro a arder numa autoestrada e «não parou para prestar auxílio».

O comentário do jornal, metade reprovação metade denúncia, lança sobre o condutor visado uma censura social, quase na fronteira da acusação criminosa.

Ora, vendo o video divulgado pelo condutor e publicado pelo “Correio da Manhã”, é óbvio que não havia qualquer hipótese de ajuda porque a viatura estava totalmente em chamas e o mais elementar cuidado aconselhava a manter uma distância segura, na eventualidade da explosão do depósito de combustível.

Mas o que torna o comentário do jornal realmente despropositado, infundado e revelador de crassa ignorância é que o condutor da notícia (como qualquer outro condutor) não poderia parar na autoestrada, nos termos do artigo 72.º do Código da Estrada, que estipula no seu número 2, alinea b), ser proibido, nas autoestradas:

Parar ou estacionar, ainda que fora das faixas de rodagem, salvo nos locais especialmente destinados a esse fim.

Proibição essa que é uma medida de segurança dos condutores.

Parafraseando o título da notícia do “Correio da Manhã”, é caso para dizer que o autor passou pela notícia e não parou para consultar o Código da Estrada.

João Alferes Gonçalves

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