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Porque é que o Corona Vírus não é comunista (nem socialista, vá)

31 de Março de 2020


Até podemos estar todos a viver numa espécie de prisão domiciliária, mas o modo como a vivencia o operário da construção civil ou o precário a recibos verdes é bem diversa da de um banqueiro com espírito, mesmo se santo. (Valdemar Cruz)

Ao que parece, na Índia, onde 1,3 mil milhões de pessoas estão a ser obrigadas ao confinamento, o Corona Vírus passou a ser apelidado de “Comuna Vírus”. A lógica é na aparência inatacável. É um vírus difundido a partir de um país que se diz comunista, na sua voragem infeciosa não distingue ricos de pobres e, de alguma forma, tem vindo a forçar alguns laços comunitários, não obstante o confinamento a que todos estamos submetidos.

Andei uns dias a matutar na bondade deste argumento, reforçado com as atitudes de Donald Trump e Jair Bolsonaro, dois aguerridos apóstolos do combate a tudo quanto possa ter o mais leve odor socializante. Ambos têm sido inultrapassáveis nas manifestações de desprezo e amesquinhamento do vírus e da sua hipotética importância. O problema é que, quando se trata destas duas excrescências, tudo quanto possa ser ditado pelo esboço de uma ideia ou por um qualquer arremedo de posicionamento ideológico, não o é. É mesmo só ignorância e boçalidade.

A pandemia é democrática, dizem outros, por afetar a todos por igual. Falta o contexto de cada um. O meu confinamento num apartamento na baixa do Porto, equipado com tudo quanto necessito para me distrair e comunicar, não é bem o mesmo que viver em precárias condições no apartamento minúsculo e sobrelotado de um bairro camarário, ou pior, na barraca de uma ilha, ou, extremo absoluto, ter a rua como dormitório. Não há fantasia de igualdade que resista, nem comparação possível com quem deambula numa casa pornograficamente recheada de assoalhadas e com jardim à vista e a perder de vista. Até podemos estar todos a viver numa espécie de prisão domiciliária, mas o modo como sente, a pode ou consegue vivenciar o operário da construção civil, o pescador de Matosinhos, a empregada de limpeza ou o precário a recibos verdes é bem diversa da de um banqueiro com espírito, mesmo se santo.

O Corona é até anticonstitucional, se estabelecermos um paralelismo com o postulado na nossa Constituição, segundo o qual a trabalho igual deve corresponder salário igual. Então, a doença igual deveria corresponder padecimento igual.

Não vemos nada disso. Pelo contrário, vemos a estrutura de classes em todo o seu esplendor, escancarada nas consequência de um vírus que, se algo socializa, é apenas a doença. Tudo isto somado parece evidente que o Corona Vírus nem eurocomunista é, e está longe de mostrar pergaminhos para se reclamar de socialista.

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