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Liberdade de expressão, dois exemplos americanos

18 de Setembro de 2010


Aproveitamos a maré constitucional para rumarmos aos EUA onde, este ano, o Supremo Tribunal de Justiça decidirá dois interessantes casos que se prendem com a liberdade de expressão.

Liberdade de expressão, dois exemplos americanos

A revisão constitucional ainda está a dar os primeiros passos e convém esperar que a “poeira assente” antes de nos debruçarmos sobre as propostas que vão surgindo.

Aproveitamos, ainda assim, a maré constitucional para rumarmos aos EUA onde, este ano, o Supremo Tribunal de Justiça decidirá dois interessantes casos que se prendem com a liberdade de expressão. Liberdade de expressão que, convém lembrar, é garantida pela Primeira Emenda à Constituição norte-americana, que reza assim: “É vedado ao Congresso legislar no sentido de estabelecer qualquer religião do Estado ou de proibir o exercício de qualquer culto ou de restringir a liberdade de expressão ou de imprensa, ou o direito de as pessoas se reunirem pacificamente e o de apresentarem petições ao Governo para a reparação de injustiças”.

Sucede que, em 2005, a Califórnia aprovou uma lei que proíbe a venda ou aluguer de jogos de vídeo violentos a menores de 18 anos, impondo uma multa de 1000 dólares aos estabelecimentos que violem essa proibição. A lei obriga também que a embalagem desses jogos tenha um autocolante com o número “18” em grande evidência. A lei define como jogos violentos aqueles em que as opções disponíveis para um jogador incluem “matar, mutilar, desmembrar ou abusar sexualmente, a imagem de um ser humano” de uma forma “claramente chocante”, apelando aos “interesses desviantes ou mórbidos” dos menores e que não têm “um valor literário, artístico, político ou científico sério”.

Esta lei foi considerada inválida pelo tribunal de primeira instância do Distrito Norte da Califórnia, numa acção que foi intentada por diversas associações de empresas que produzem, distribuem e comercializam jogos vídeo. Entendeu o tribunal que a lei violava, na parte da proibição de venda ou aluguer a menores, a liberdade de expressão, consagrada na Primeira Emenda e, na parte que obriga à colocação de um autocolante, a proibição de os estados federados aprovarem leis restringindo os privilégios ou as imunidades dos cidadãos dos Estados Unidos, consagrada na Décima Quarta Emenda à Constituição.

Arnold Schwarzenegger, na sua qualidade de governador do estado da Califórnia, recorreu para o Tribunal de Recursos do 9.º Circuito, mas não teve sorte, já que este tribunal, em 20 de Fevereiro de 2009, confirmou a decisão da 1.ª instância. No seu entender, a lei em causa violava os direitos protegidos pela Primeira Emenda, não tendo o estado demonstrado um interesse imperativo (“compelling interest”) na existência da mesma. Mais entendeu que a redacção da lei não se limitava ao estritamente necessário para proteger esse interesse imperativo, existindo formas menos restritivas da liberdade de expressão que poderiam servir o interesse do estado. Além disso, entendeu o tribunal de recurso que a exigência da rotulagem com o número “18” constituía uma obrigação inconstitucional, porque não impunha a divulgação de informações meramente factuais, mas obrigava a transmitir uma opinião controversa do estado.

Schwarzenegger, pouco habituado a desistir dos combates em que se envolve, recorreu para o Supremo Tribunal federal e este aceitou apreciar o caso, o que fará durante este ano judicial. O Supremo Tribunal terá de responder a duas questões essenciais: se a liberdade de expressão, consagrada na Primeira Emenda, impede um estado de impor restrições à venda de videojogos violentos a menores e se o estado tem ou não de demonstrar a existência de uma relação causal directa entre os videojogos violentos e quaisquer danos (físicos e/ou psicológicos) em menores, para poder proibir a sua venda.

O outro caso em que serão discutidos e definidos os limites da liberdade de expressão é o caso Snyder contra Phelps, que é um daqueles casos que só existem nos EUA… A Igreja Batista Westboro e o seu dirigente Fred Phelps constituem uma seita extremista, que defende que a morte dos soldados norte-americanos no Iraque ou no Afeganistão é um castigo de Deus pelos pecados da homossexualidade. Promovem manifestações com cartazes com frases como “Deus odeia os Bichas”, “A Sida Cura os Paneleiros” ou “Obrigado, Deus, pela Sida”. Os seguidores desta igreja viajam pelos EUA, manifestando-se junto de cemitérios, em funerais de militares, com cartazes com frases como “Obrigado, Deus, pelos Soldados mortos” ou “Deus Rebentou com as Tropas”.

Alguns deles compareceram e manifestaram-se no enterro de um militar, Matthew Snyder, em 2006, tendo os pais deste intentado uma acção judicial considerando que tinham sido violados os seus direitos de privacidade e de luto. Inicialmente, a Igreja Batista Westboro foi condenada no pagamento de elevadas indemnizações, na ordem dos dez milhões de dólares, à família de Snyder, mas em recurso foi absolvida porque o tribunal considerou que as manifestações dos seus membros estavam protegidas pela liberdade de expressão.

A família Snyder recorreu para o Supremo Tribunal e as questões que se colocam são as seguintes: por um lado, a de saber se a proibição de atribuir indemnizações a figuras públicas por danos morais causados por expressões proferidas por terceiros se aplica igualmente quando estão em causa pessoas e questões privadas e, por outro lado, se uma pessoa que está no funeral de um familiar se pode considerar enquadrada na figura de “ouvintes obrigados a ouvir o que não querem” (“captive audience”), o que lhe daria direito a protecção do Estado contra comunicações indesejadas.

Dois casos interessantes que não serão fáceis de decidir pelo Supremo Tribunal norte-americano.

Francisco Teixeira da Mota, Advogado – “Público” 18 Set 2010

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