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A25A, Referencial e Almoços com História

25 de Abril de 2018


A ‘Associação 25 de Abril’, presidida desde o início pelo coronel Vasco Lourenço, é uma organização peculiar com uma actividade e um historial únicos a que os media, lamentavelmente, não prestam a atenção devida. Não sabendo o que perdem – em conhecimento da nossa História recente e em histórias de vida de militares a quem todos nós, individualmente e o País no seu todo, muito devemos.
Não é aqui o local para se fazer a história da A25A. Mas hoje, dia em que se comemora o 44º aniversário da data libertadora, é seguramente o tempo de para a A25A se chamar pública atenção recorrendo apenas a duas das suas múltiplas actividades: a revista trimestral “O Referencial” e os “Almoços com História”. (RC)

No que à revista respeita, há um pormenor que é obrigatório referir e destacar: com 26 anos de vida e 128 números publicados, ‘O Referencial’ teve até hoje apenas dois directores: o general Pezarat Correia, que se manteve no cargo, do qual saiu a seu pedido, durante 24 anos; e o almirante Martins Guerreiro desde Abril de 2016. De sublinhar igualmente que a revista tem melhorado continuamente de qualidade, quer no conteúdo, quer no grafismo. Factor a que não é alheio, seguramente, o editor José António Santos, experiente e competente jornalista, já retirado das lides, mas sempre pronto para ajudar causas justas.

No que toca aos Almoços com História: rubrica relativamente recente, consiste num almoço na sede da A25A onde, no final, há sempre um militar de Abril que conta a sua vida e depois responde às perguntas que a assistência, composta por camaradas de armas e civis que por norma enchem o restaurante da Associação. E não raro a discussão é quente, por vezes a escaldar… e onde, com regularidade, se ouvem histórias que nunca tinham sido contadas.

Escolhi, neste Abril de 2018, o texto que, sobre o almoço que se realizou em Novembro de 2017 tendo como orador o coronel Diamantino Gertrudes da Silva, escrevi e intitulei:

 

“Só quero ser um cidadão livre. SEMPRE”

 

Foi um sentido e extraordinário Almoço com História. Sala cheia a deitar por fora, ambiente prenhe de calor humano, camaradagem exemplar no ar, participação quente no final, com os presentes – muitos dos quais figuras públicas que desempenharam papel cimeiro na Revolução de Abril – a fazerem questão de dar o seu testemunho.

 Vindo de Viseu, onde reside, o coronel Diamantino Gertrudes da Silva, homem de origem humilde que quando menino andou a pastorear vacas pelos campos, cabelo branco, olhar sereno e frontal, voz suave mas firme, anunciou que tinha escrito um texto para ali o ler – mas à última hora, para ocupar menos tempo, decidira resumi-lo de viva voz e sem olhar para o papel.

 Esse seu testemunho de vida – que no final se transcreve na íntegra – causou tal impacto que quase todos quiseram, depois de o ouvir, dizer de sua justiça. E quem assistiu/participou nesse almoço pôde ficar a conhecer, melhor do que nunca, o espírito que uniu tantos homens fardados que em Abril, numa bandeja suada e arriscada, nos trouxeram a liberdade.

 Começo pelo fim, isto é, pelo resumo das reacções causadas pelo discurso frontal de Gertrudes da Silva. O privilégio único de ouvir, 43 anos depois, em palavras francas, as memórias e os sentimentos de alguns dos homens que, com as suas mãos, as suas armas e as suas ideias, tudo arriscando, fizeram uma das mais pacíficas revoluções que se conhecem. Mudando o rosto de um País – por sinal o nosso – e geografia política de uma parte significativa de um continente chamado África.

 

Testemunhos de viva voz

 

Coronel Aprígio Ramalho: Tivemos os nossos momentos de discórdia. Ele era o único que tinha perfil para general. Mas não o deixaram.

General Luís Sequeira: Estamos perante um homem que deu muito mais aos outros do que recebeu – e ainda aponta para o futuro.

Coronel Otelo: Na verdade entregámos a revolução cedo demais. Entregámos tudo aos políticos cedo demais. O que mostra que nós não éramos revolucionários. Não havia uma ideologia nos militares. Zeca Afonso: o povo é quem mais ordena. Nós éramos da classe burguesa.

Coronel Carlos Matos Gomes: Esta foi uma oportunidade única para falar da personalidade do Gertrudes, uma personalidade marcante da nossa geração e do nosso processo.
Mas, hoje e aqui, perdemo-la, levantando apenas questões menores, banais.
Portugal teve a sorte de ter esta geração no comando do 25 de Abril. A sorte de ter pessoas com a terra enraizada em si. Nas entrelinhas percebemos tudo o que estava por trás das coisas. Conseguimos perceber o que era a sociedade portuguesa. As contradições e pulsões tremendas do Portugal no 25 de Abril. A necessidade de acabar com a guerra. A necessidade de melhor distribuição da riqueza. A necessidade de ouvir o povo de uma forma qualquer.
Sim, a intervenção do Gertrudes foi brilhantíssima. Como foi a sua vida. Estivemos na presença de alguém excepcional. Era isto que eu gostava de dizer.

General Pezarat Correia: Intervenção magnífica, hoje. Tarde singular. Matos Gomes tem razão: personalidade excepcional, o Diamantino Gertrudes. Obriga-me, obriga-nos, a pensar. A razão nunca está apenas de um lado. Eu não aceito que possamos ter estado em barricadas diferentes. Se estivemos, tenho que me equacionar a mim próprio. Ou me enganei nas alianças que fiz, ou fui enganado. Há que pensar.

 Almirante Martins Guerreiro: Estamos perante uma pessoa extraordinária. Rara. Coerente, sempre. Os processos revolucionários são como são. A História não se faz de ‘ses’. Foi assim. Como sempre é mais fácil a unidade no anti do que no pró. De registar e sublinhar também que o MFA nunca teve nenhum projecto de Poder depois do 25 de Abril. Pelo contrário: não teve nem queria ter. E havia divisões. É da História e de todas as Revoluções. Mas ao pensar nos Governos pós Abril, devo concluir que fomos ingénuos ao julgar que não iríamos intervir mais. O próprio primeiro Governo Provisório era já um pouco conservador. Foi com o movimento popular nas ruas que tudo mudou. E o nosso projecto era entregar o Poder ao povo, havendo no ar uma vontade que as pessoas participassem seguindo uma via socializante. Mas o jogo das forças internacionais teve a parte de leão no rumo que as coisas tiveram no nosso país. As forças externas determinaram mais a nossa evolução do que as forças internas. A verdade é que não tínhamos projectos de futuro – foram aparecendo, uns mais revolucionários, outros mais só de democracia representativa, e outros até em que não havia problema de maior se se voltasse à direita… Tenho para mim que se o MFA tivesse concorrido às eleições ganhava. Mas votámos na democracia dita socializante…

 Coronel Vasco Lourenço: Nunca fomos revolucionários. Abrimos uma garrafa de champagne e permitimos que o champagne corresse livremente. E estou-me a lembrar do fogo no rabo que o Otelo trouxe de Cuba… Quanto ao Diamantino Gertrudes da Silva: homem justo, honesto e convicto que estava ao serviço da verdade e do que era mais correcto. Pode ver-se ao espelho todas as manhãs.

Gertrudes da Silva, a terminar: Estou emocionado. Agradeço muito a todos. Só quero ser um cidadão livre. Sempre.

 

Bilhete de Identidade

Diamantino Gertrudes da Silva nasceu no concelho de Moimenta da Beira em 20 de Fevereiro de 1943. Em 1963 ingressou na Academia Militar e fez a sua carreira militar na Arma de Infantaria, tendo passado à reserva no posto de coronel.

Cumpriu duas comissões por imposição na Guerra Colonial – a 1ª em Angola e a 2ª na Guiné. À margem das suas ocupações profissionais militares, em 1980 concluiu a Licenciatura em História na Universidade de Coimbra.

Para além das condecorações geralmente atribuídas aos oficiais com um normal desempenho, foi ainda agraciado com a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade pela sua participação no Movimento do 25 de Abril de 1974. Ou, como ele gosta de dizer, no MFA, que traz orgulhosamente no coração, considerando-se, acima de tudo, um Capitão de Abril.

Com base na sua experiência militar e cívica escreveu e publicou quatro livros: entre 2003 e 2007, uma trilogia  que percorre a Guerra Colonial e a Revolução do 25 de Abril, com os títulos “Deus, Pátria e… a vida”, “A Pátria ou a Vida” e “Quatro Estações em Abril”; em 2011, “Tempos sem Remição”. Livros significativos para se poder perceber uma parte da nossa História recente.

Ribeiro Cardoso

 

******************

 

Que mais haverá para dizer?

Diamantino Gertrudes da Silva entregou à Revista ‘O Referencial’ o texto que escrevera mas não leu. Intitula-se “25 de Abril – Que mais haverá para dizer’ e reza assim:

 

“Que mais se poderá dizer para além de tanto o que já foi dito e escrito, ficando ainda assim a ideia de que nada está formulado em termos de uma teoria sobre o 25 de Abril. Que ele decorreu quase directamente do impasse a que tinha chegado a Guerra Colonial e das conjunturas tanto nacional como internacional, se bem que verdadeira, tal afirmação não passa de uma espécie de lugar-comum de todas as revoluções de que há memória. Originalidades, podemos descobrir-lhe muitas. Mas isso não chega para estabelecermos uma teoria definidora do 25 de Abril que, porventura se vai fazendo, estando ainda muito longe de se lá chegar.

Há quem tenha afirmado que o 25 de Abril, daquela ou de outra maneira, teria mesmo que acontecer. Mas, um genuíno marxista logo  retrucaria que, para que factos históricos desta natureza revolucionária ocorram, é necessário que se verifique a confluência, num determinado tempo e num específico lugar de dois tipos de condições: umas, de natureza objectiva, outras de natureza subjectiva, afastando com a exigência das segundas o determinismo histórico que com alguma frequência e muita ligeireza lhe é atribuído, quando considera o homem como o verdadeiro motor da história, seja ele camponês ou operário ou, mais genericamente, o explorado relativamente ao seu explorador, e opressor.

Na falta de um corpo teórico definidor, vamo-nos valendo dos testemunhos individuais, quer dos seus actores quer dos observadores, tentando assim ultrapassar os obstáculos a uma efectiva objectividade com as narrativas pessoais, sempre com a cuidada ressalva de que aquilo que dizemos ou escrevemos acerca deste tema é “a nossa verdade”, nela nos entrincheirando no confronto com outras verdades, mesmo sabendo que a verdade verdadeira jamais estará ao nosso alcance. E é assim, com este fundamental pressuposto, que eu me proponho, mais uma vez, falar sobre o 25 de Abril, sem me atrever, sequer, a afirmar que esta é a minha verdade.

Nada de heroísmos, muito menos de épico. Passados que foram já todos estes anos, do que posso falar é dos registos da minha memória, mantendo-me sempre alerta para as partidas, quantas vezes traições, até, que ela por vezes nos prega.

Na minha intervenção pessoal no 25 de Abril, pousadas já grande parte das poeiras, não vejo nada de heroísmos, muito menos de épico. Quando muito, posso apontar a meu favor, como aos que mais directamente me acompanharam, um inegável destemor, face ao pleno desconhecimento do desenlace final da empresa em que nos íamos meter; e um arreigado espírito de missão, essa espécie de vírus, não necessariamente malfazejo, que nos foi instilado nos bancos da Academia e, já antes disso, na educação das escolas do Estado Novo. Tendo bem presente que estávamos a envolver-nos num acto de subversão, se não mesmo de “alta traição”; a partir do momento em que abraçámos a missão e recebemos as instruções para a executar, não tivemos quaisquer dúvidas de nela nos empenharmos como em tantas outras que nos foram cometidas, nomeadamente, na Guerra Colonial, mesmo que atrapalhados com tantas incertezas sobre a sua legitimidade, o que não era o caso desta, agora, disso, sim, estávamos profundamente convictos.

Correu-nos bem, é o que se pode dizer, no nosso caso, em particular, não se proporcionando nenhuma situação que exigisse especiais dotes de valentia nem de heroísmo que, bem sabemos, é quase sempre fruto das circunstâncias. Fiquemo-nos, então, pelo destemor e pelo imenso orgulho de termos participado num acto a todos os títulos glorioso, num feito histórico com pesadas e radicais consequências, a nível nacional como, e algumas assinaláveis, quando não mesmo irreversíveis, decorrências internacionais, a maior das quais traduzida na independência dos povos até aí sujeitos ao nosso domínio colonial.

Paixão e consciência de classe. A seguir ao vitorioso levantamento militar – agora passo a falar por mim – abracei com paixão e muito afinco a revolução que dali emergiu por vontade e pressão das massas populares, movimento imparável e com inédita vitalidade e força, especialmente, nos principais centros urbanos, mas que logo, logo se espalhou até aos lugares mais recônditos, uma espécie de sobressalto no despertar de um país, aparentemente devotado ao marasmo. Com paixão, dizia eu, porque tudo aquilo para que a revolução parecia apontar correspondia ao que se pode chamar de consciência de “classe”, a que, apesar da minha ascensão, eu me julgava pertencer, a dos mais desfavorecidos, quando não, por isso mesmo, humilhados, fruto de recalcamentos sociais que por essa via fui acumulando até essa altura da minha vida, e que já muito depois, sem ser de propósito, vim a descarregar, em parte, ao longo das páginas dos quatro livros que entretanto escrevi, aceitando sem reservas a anotação de catarse que alguns dos meus amigos ali viram.

Depois, o que se seguiu, é também fruto das circunstâncias. Passado pouco tempo do 25 de Abril, os meus companheiros de aventura foram novamente mobilizados para o que ainda restava – e que era o osso mais duro – da Guerra Colonial, ficando eu praticamente sozinho, tendo que tudo decidir, face a uma irremediavelmente enfraquecida cadeia de comando. Fruto das circunstâncias. Nada que eu tenha pedido ou reclamado, e muito menos usurpado. E faz-me isto lembrar a forma como na Assembleia do MFA na Manutenção Militar empurrámos o Otelo para o comando do COPCON, e como depois o abandonámos quando as coisas começaram a andar para trás. Que foi o mesmo que também fizemos a Vasco Gonçalves e a tantos outros e, já agora, coisa de menor importância, é certo, eu incluído.

Claro que naquelas circunstâncias cometi alguns erros e excessos. Mas sempre no quadro das orientações e instruções superiores emanadas da nova cadeia de comando. Fui Gonçalvista? Fui, sim senhor. E erros, nesse excepcional contexto, só não os cometeu, costumo dizer, quem, face à revolução, ficou parado a ver no que aquilo iria dar. E quando começou a viragem, todos esses erros e alguns excessos foram hipervalorizados, pena que não tenha sido só pelos reaccionários e contrarrevolucionários.

Paguei bem caro, como é comum dizer-se, com língua de palmo. Conforme nos inícios da revolução era fácil apelidar qualquer um de fascista, quando o projecto avançou para a construção de uma sociedade socialista, que veio a ter acolhimento expresso na nova Constituição, aprovada por todos os partidos com assento na Assembleia Constituinte menos um, também fácil se tornou apodar de comunistas todos os que mais declaradamente resistiam ao avanço da direita, um estigma que já não deixava nada a dever ao de fascista, ao ponto de algumas facções da extrema-esquerda – e como isso soava tão bem aos ouvidos da direita – afirmarem que tais epítetos eram uma e mesma coisa: Estaline e Hitler em tudo eram iguais,

O tempo de todas as desforras. E com o 25 de Novembro chega o tempo de todas as desforras. E foi aí que eu, sem de nada de concreto me acusarem para além do “labéu” de comunista, iniciei a minha travessia do deserto. Podia, até, abandonar o barco, como alguns fizeram, e assim livrar-me dos numerosos sapos vivos que tive que passar a engolir, desamparado da quase totalidade dos meus anteriores companheiros.

Mas pensava – e ainda hoje continuo a pensar – que fiz bem em ficar e continuar, nem que fosse só a resistir. Também na altura não tinha muito mais por onde escolher: uma família para cuidar, e sem poder contar com um amigo empreiteiro, um sogro camiseiro ou um pai empresário. Alguns, foi por aqui que se escaparam; mas sem propriamente baterem com a porta – sabia-se lá …, claro que à excepção de raros casos que será justo também assinalar, como o de um amigo e camarada que saiu, arriscando quase tudo, para esgravatar outra alternativa profissional.

A seguir ao 25 de Novembro, com a sensação de quem está a sair dum filme de que não apanhou o sentido, agarrei com as duas mãos a oportunidade de me envolver no Curso de História, também com alguma intenção de por esta via arranjar uma possível tábua de salvação no caso de a minha vida profissional vir a ter um desenlace que os desenvolvimentos que se seguiram ao “stop da revolução” deixavam pairar no ar.

Não me livrei, com a minha resistência, daquele estigmatizante pré-juízo que me colaram à pele e que aí se manteve até ao fim da minha carreira. Mas uma coisa penso ter conseguido: afirmar uma razoável e reconhecida competência profissional e voltar a granjear o meu quinhão de prestígio junto de uma boa parte dos meus camaradas, nomeadamente, os do meu Curso de Infantaria, prestígio alicerçado, segundo penso, não em especiais dotes profissionais, mas no cunho de seriedade com que sempre procurei carimbar os actos da minha vida, mesmo nos momentos mais controversos do processo revolucionário, enquanto este durou. Isto sem ceder em nada, até hoje, nas minhas legítimas convicções, querendo crer que ninguém, honestamente, pode pôr em causa o meu profundo empenho e apego aos ideais do 25 de Abril, a nossa e a minha utopia, que ainda hoje serve de alimento à minha alma, seja lá isso o que for, tanto a alma como a utopia.

Instrumentalizados? Isso penso que todos fomos de alguma maneira, excepto os que, como já referi, ao longo de todo o processo se mantiveram parados: nem para um nem para outro lado, sempre a ver aonde é que as coisas iriam parar. No fim, parece que foi a estes que o tempo veio a dar razão.

E quando emprego o termo “instrumentalizados”, quero com isso significar que em alguma fase do processo se valeram de nós para a consecução de determinados objectivos, uns políticos outros pessoais, o que aliás ainda hoje continua a acontecer, sejam os convites das câmaras municipais, de associações e, até, de partidos políticos, tanta gente a querer arvorar-se dos ideais de Abril, produto, valha-nos isso, com ainda assinalável cotação na bolsa de valores, com todos estes cada vez mais a escassearem, assim é a voz corrente, que pessoalmente me recuso a subscrever.

E isto aconteceu, inevitavelmente, porque se divididos já começámos, continuámos a dividir-nos logo no dia 25 de Abril – para cada um a sua revolução, assim costuma acontecer – , no dia 26 e por aí adiante, até à primeira grande e decisiva cisão, primeiro em spinolistas, não spinolistas e outras correntes mais radicais e extremistas, culminando com os resultados eleitorais para a Assembleia Constituinte, onde os partidos radicalizaram, e nós com eles, as suas posições: dum lado os que reclamavam a legitimidade assente na vontade popular manifestada nas urnas, do outro os que, perdendo nas urnas, se recusavam a deitar assim a perder todos os esforços e resultados da revolução; em suma: democratas contra revolucionários, e aí estava o mote e a razão para o “Verão Quente”, que depois, e de repente, a muitos de nós deixou gelados em 25 de Novembro.

Que fazer? A questão que, verdadeiramente, se calhar, nunca nos pusemos e que por isso parece ter toda a acuidade, é a de saber o que fazer, pesem as ressonâncias ainda muito incómodas para alguns com a célebre questão formulada por Lenine: “Que fazer?”

E, na falta de uma melhor resposta, vamos seguindo a táctica comum à generalidade dos nossos governantes após o decreto do fim da nossa revolução: navegar à vista, seguindo o princípio de que entre não fazer nada e fazer alguma coisa, pois que se faça alguma coisa, para chegar aonde, logo se verá. Falta-nos, como tem faltado à nossa governação, a definição de uma estratégia, o que prossupõe a eleição de objectivos a atingir.

Quando chegou a altura disso, limitámo-nos a recuar, que não é, necessariamente, o mesmo que andar para trás, até nos fixarmos nesta trincheira, dispostos a defender o templo sagrado evocativo da nossa revolução, numa matriz em quase tudo idêntica à dos Republicanos da Revolução de 5 de Outubro. De passo em passo, nada para estranhar, e pela mão de alguns que ficaram sempre a invejar-nos o feito, fomos perdendo toda a nossa parcela de poder, numa acção semelhante à que levaram a cabo em relação ao Presidente da República, restando-nos ainda, mas menos do que a este, algum poder de influência, pouco mais que um esforço para manter a chama do nosso memorial.

O 25 de Abril deixou de ser, e se calhar ainda bem, uma coisa nossa, elevando-se nas alturas até se transformar num mito, a forma mais sublime de sobrevivência e a face mais linda da nossa utopia.

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