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Um lugar comum do jornalismo português

5 de Dezembro de 2016


Do congresso realizado em Almada sai um reforçado Jerónimo de Sousa, cujo curto discurso final reafirma a vontade de aprofundar aquelas que são as bases teóricas que suportam o trabalho político do PCP. Um dos lugares comuns do jornalismo português é diminuir a importância destes congressos com a alegação da ausência de novidades, como se o que é novo fosse em si mesmo um valor absoluto. (Valdemar Cruz)

E la nave va (?)

Há dias assim. Tão recheados de informação importante, que se torna difícil destacar um só tema e acondicionar tudo quanto há para dizer num Expresso que se pretende Curto. Mais anormal ainda é uma situação como esta ocorrer numa segunda-feira, quando se impõe a derrota da extrema-direita na Áustria com a vitória do candidato independente apoiado pelos Verdes, a derrota de Matteo Renzi no referendo sobre a reforma constitucional em Itália, o XX Congresso dio PCP, ou quando ecoam ainda as notícias sobre o final da odisseia em que se transformou o funeral de Fidel Castro, ou as revelações do Expresso sobre o dinheiro escondido de grandes nomes do futebol, como José Mourinho ou Cristiano Ronaldo.

Comecemos com Renzi. Parece uma reedição de James Cameron. Com muita arrogância à mistura, apostou no tudo ou nada, avançou com um referendo polémico, e teve uma derrota de tal ordem estrondosa que nem precisou de aguardar pelos resultados finais para apresentar a sua demissão, como garantiu que faria caso não vencesse. Até podem vir a revelar-se exageradas as notícias propaladas ao longo da semana, segundo as quais a vitória do “Não”, defendido pelos populistas de Beppe Grillo, pela extrema-direita da Liga Norte, pelos apoiantes de Berlusconi e também por algumas formações de esquerda, poderá desencadear um caos institucional em Itália com graves repercussões na Europa. Depende do que faça agora o Presidente da República, Sergio Matarella, que até pode vir a manter Renzi no cargo, nem que seja provisoriamente.

O primeiro-ministro italiano defendia, em nome da governabilidade, uma reforma da lei eleitoral que penalizava os partidos mais pequenos. A um partido que obtivesse 40% dos votos ser-lhe-ia atribuído o equivalente a 54% dos lugares (340 em 630) no Parlamento. Além disso, retirava importância ao Senado (Câmara Alta do Parlamento), que deixava de ter poderes legislativos similares aos da Câmara dos Deputados. A oposição acusava Renzi de pretender perpetuar-se no poder e obteve a concordância de parte muito substancial do eleitorado. Matteo chegou ao poder sem ter ido a votos – após ter substituído o seu correligionário Enrico Letta – e acaba afastado do poder através da expressão do voto democrático dos cidadãos. Às 7 horas da manhã o “Sim” contabilizava 40,9% dos votos, enquanto o “Não” recolhia 59,1%, numa votação expressiva na qual participaram 62,8% dos eleitores inscritos.

Num país habituado à sistemática mudança de governos, Itália pode estar confrontada agora com uma questão nova passível de gerar ondas de choque na União Europeia. Desde logo pelas posições muito rígidas sobre a política de acolhimento de refugiados defendida por Beppe Grilo, mas sobretudo porque, tem vindo a colocar em cima da mesa a vontade de avançar com o referendo sobre a permanência do país na União Europeia. A concretizar-se, constituiria uma terrível dor de cabeça para o equilíbrio da EU, com consequências imprevisíveis, em particular após a vitória do “Brexit” em Inglaterra.
Na Áustria passou o susto. Pelo menos de momento. Norbert Hofer ameaçava ser o primeiro Presidente de extrema-direita eleito num país Europeu após a II Guerra Mundial. Por uma margem confortável, a vitória foi para Alexander Van der Bellen (72 anos), o candidato apoiado pelos Verdes que vencera já a segunda volta em maio passado. Apesar da vitória de um progressista, convém não esquecer que, a propósito de uma hipotética vitória de Hofer falou-se por estes dias de implicações nos equilíbrios da Europa Central, com a ascensão dos populismos e dos nacionalismos, alimentados por um eleitorado que se diz estar cansado dos partidos do sistema. Há uma pergunta que, teme-se, continuará a ser repetida até a exaustão: o que vai mudar na Europa para que seja travada esta escalada? E ainda outra, parodiando o título de um filme de Fellini, de 1983, intitulado “E la nave va”, sobre o mundo da ópera e as lutas pelo poder nos princípios do século XX. Para já, o navio ainda navega. Mas conseguirá aguentar as sucessivas tempestades? Até quando?

OUTRAS NOTÍCIAS
Agora o PCP. Do congresso realizado em Almada sai um reforçado Jerónimo de Sousa, cujo curto discurso final reafirma a vontade de aprofundar aquelas que são as bases teóricas que suportam o trabalho político do PCP. Um dos lugares comuns do jornalismo português é diminuir a importância destes congressos com a alegação da ausência de novidades, como se o que é novo fosse em si mesmo um valor absoluto. Recorro, por isso, à expressão latina “Non nova, sed nove”, para sublinhar algo de muito importante ocorrido durante o encontro dos comunistas que, não sendo uma novidade absoluta, é novo pelo peso e pela acutilância com que as questões foram colocadas: a renegociação da dívida e a presença no Euro. Dois temas abordados em profundidade por Carlos Carvalhas, anterior secretário-geral do PCP. Convém, como o faz a Helena Pereira, recordar que o PCP anda há anos e anos a alertar para os riscos da moeda única. Carvalhas foi muito claro: Portugal deve começar a preparar a saída do euro como forma de recuperar a soberania. Até porque, sublinhou, nos últimos anos pagou 82 mil milhões de euros de juros, o que dá 8 mil milhões por ano. Só esta verba seria bastante, dizem os comunistas, para pagar todo o Serviço Nacional de Saúde. Não se tenha a ilusão, afirmou Carvalhas, “que a positiva política de combate às medidas de austeridade e uma política expansionista só por si resolve os problemas, se não se encarar de frente a questão da dívida e os desequilíbrios colocados pelo Euro. As ilusões pagam-se caras e não será grande consolo virem depois dizer que o PCP tinha razão”. São palavras com destinatário inequívoco: o PS, que continua a manifestar-se indisponível para travar esta batalha na Europa.

Porque é que tudo isto, sem ser novo, é particularmente importante neste momento? É preciso recuar uns dias até a entrevista de Jerónimo de Sousa ao Público quando, ao falar do entendimento com o PS, porque era fundamental afastar PSD e CDS do poder, afirma: “(…) com tanta vida desgraçada, as pessoas perderam o emprego, perderam a sua própria casa, perderam tudo – isso é força de combate. O desespero, a falta de visão de saída da situação das suas vidas e da situação do país não levavam á mobilização, levavam à desmobilização”. E agora, de novo um salto para o Congresso, quando João Oliveira, líder da bancada parlamentar, afirma que o PCP não está comprometido com o Governo, nem está condicionado por qualquer acordo de incidência parlamentar, nem é força de suporte ao Governo. Ou seja, pode ter havido uma pausa necessária na luta, mas o combate é o de sempre, como seguramente se verá na discussão do Orçamento para 2018, durante a qual todas estas diferenças e contradições se avolumarão. Será uma peocupação para o Governo do PS? Veremos, até porque tudo dependerá da correlação de forças então existente. Já agora, e mesmo depois do Congresso, continua a valer a pena dar uma olhada ao 2:59 apresentado por Marim Silva, com Guião da Rosa Pedroso Lima. Começa com uma constatação: “ao longo dos anos as notícias sobre a morte dos comunistas têm-se revelado manifestamente exageradas”. Perceba porquê.
Terminou o homérico funeral de Fidel Castro. Sobre a odisseia em que se transformou esta peregrinação de Havana a Santiago de Cuba, para o corpo ser enterrado, em cerimónia privada, no cemitério de Santa Ifigenia, vale a pena ler os excelentes trabalhos escritos pela Cristina Margato ao longo da semana.
Do fim-de-semana vem o longo do trabalho publicado pelo Expresso sobre os esquemas de “offshores” de clientes de Jorge Mendes para não pagar impostos. Cristiano Ronaldo está a ser investigado pelo fisco espanhol por, desde 2009, alegadamente por não ter declarado mais de €60 milhões relativos a direitos de imagem. José Mourinho, também apanhado na rede, já pagou o que evitara pagar. É uma longa investigação aos negócios do futebol desencadeada pelo consórcio European Investigative Collaborations, liderado neste caso pela revista alemã “Spiegel”. Na Tribuna Expresso o Pedro Candeias, que trabalhou com Miguel Prado, explica-lhe os detalhes.

Valdemar Cruz – Expresso curto 5 dezembro 2016

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