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Discurso de Vicente Jorge Silva

Vicente

Vicente Jorge Silva (Foto José Frade)

Vivemos hoje tempos sombrios, com ameaças crescentes às liberdades democráticas e, em particular, à liberdade de imprensa.

Habituámo-nos a conviver com essas liberdades como um património essencial, intocável, das sociedades moldadas pelos valores da democracia. E, porventura instalados e adormecidos nesse hábito, alheámo-nos da vigilância sobre os sinais de perigo que foram despontando um pouco por toda a parte até atingirem, como hoje acontece, uma dimensão alarmante.

É um aviso para todos os cidadãos que se deixaram adormecer e, muito em especial, para aqueles que deveriam ser os porta vozes da inquietação e do inconformismo – os jornalistas. Não é por acaso que agora se fala tanto do risco de nos termos encerrado numa bolha, olhando-nos ao espelho das nossas certezas, enquanto o mundo à nossa volta vai perdendo as antigas referências, os valores supostamente adquiridos e mergulha na desordem e no caos, sem que disso se extraiam todas as consequências.

É preciso acordar antes que seja tarde. É preciso voltar às raízes da inquietação e inconformismo do verdadeiro jornalismo, pelo menos nas sociedades onde os poderes ditatoriais ainda não o asfixiaram. E é preciso denunciar activamente, incansavelmente, esses poderes liberticidas que crescem na Turquia, na Rússia, na Hungria e tantos outros lugares.

O verdadeiro jornalismo não é nem um exercício aristocrático e sobranceiro virado para o umbigo, nem um mero produto dirigido à satisfação dos apetites mais primitivos, seja nos jornais, na televisão ou na internet. Num tempo propício à ansiedade, à angústia e à desorientação, como ainda agora vimos nos Estados Unidos, é preciso que o jornalismo desperte da sua letargia auto-satisfeita ou da complacência com os instintos rudimentares do populismo.

A pedagogia da verdade dos factos, a objectividade possível para além das fixações ideológicas, a paixão do civismo que faz os homens melhores e as sociedades mais esclarecidas, a libertação das garras do baixo comércio das vulgaridades, tudo isso é essencial para o jornalismo encontrar novas razões urgentes de existir neste planeta tão perturbado.

A aversão ou até o ódio aos jornalistas tornaram-se também uma válvula de escape das crispações políticas e frustrações sociais num mundo traumatizado pela globalização sem regras. Aí temos uma razão suplementar para promover o sobressalto cívico do verdadeiro jornalismo, contrapoder indispensável e esteio das liberdades e da democracia contra as tentações autoritárias.