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Responsabilidade colectiva e afirmação democrática, precisam-se! (Vasco Lourenço)

18 de Fevereiro de 2021


A obrigatoriedade de me manter em casa permite-me acompanhar ao pormenor a evolução da situação, e o posicionamento dos diferentes agentes, no enfrentar desta crise. 

Lamentavelmente, a necessidade de unidade no combate à crise está substituída por lutas que o comum do cidadão tem dificuldade em compreender.  

O aproveitamento da crise pandémica para luta político-partidária, na sua mais baixa componente, tem sido o maior factor da minha indignação, da minha enorme desilusão ao ver o estado a que isto chegou, como disse Salgueiro Maia no Portugal de Abril! 

A falta de sentimento patriótico, a falta de sentido de Estado da generalidade das forças políticas têm sido assustadores. Mais que tudo, indigna ver que se colocam acima de tudo os interesses partidários, de grupo, olhando cada vez mais para o próprio umbigo. 

A comunicação social, com realce escandaloso para as várias estações de televisão, certamente capturada por interesses inconfessáveis, por isso não assumidos, tem-se distinguido por andar à procura do homem que mordeu o cão, porque essa é que é a notícia! Só sabe procurar o erro, a falha, o escândalo – que infelizmente acontecem mais do que o desejável e mesmo o admissível – para com isso fazer um alarido de todo o tamanho, escondendo o que é bem feito, desprezando os efeitos positivos que a sua divulgação poderia ter nos cidadãos. 

Cidadãos a quem procura instalar-se o medo, o pavor, o de que estamos perdidos, se não mudarmos de dirigentes políticos! 

Sejamos claros: se estas atitudes são expectáveis, por naturais, da parte de forças não democráticas, de forças que contestam o regime democrático e procuram levar-nos para novas ditaduras, de natureza neo-fascista, são inadmissíveis em forças que se assumem como democráticas, como defensoras dos valores de Abril!  

O facto é que não é necessário abdicar das posições próprias de cada um, da liberdade de criticar, para apontar erros no exercício do poder!  

Mas, num momento de emergência, como o que vivemos, o objectivo principal tem de ser o de vencer o inimigo e não o alcançar o poder, custe o que custar!  

Hoje, impõe-se enfrentar e vencer a pandemia!  

Amanhã, haverá tempo para enfrentar as suas consequências, sendo certo que nunca se poderá descuidar da defesa da Liberdade e da Democracia!  

Naturalmente, refiro-me aos democratas! Porque dos não democratas não podemos esperar tréguas… 

De igual modo, se essas atitudes são expectáveis em pasquins, em órgãos da comunicação social que vivem com base no escândalo, no crime e no sangue, são menos aceitáveis em órgãos de comunicação social que se querem respeitáveis e defensores dos valores democráticos.  

Não se pode continuar a assistir ao que se passa, incluindo nos órgãos estatizados, onde, na generalidade, os pivots dos telejornais e outros opinion makers exploram os entrevistados e comentadores, na detecção do que correu mal ou menos bem, sem qualquer preocupação de valorizar o que está bem, levando o público a confundir a árvore com a floresta.  

Surgiu entretanto a campanha a favor de um Governo de Salvação Nacional, um Governo de iniciativa presidencial! 

São sempre os mesmos, os que não rejeitariam uma Democracia Musculada, uma Democracia metida na gaveta, uma Democracia q. b.! Desde que se possa continuar a chamar-lhe Democracia!… 

Quer isto dizer que concordo com tudo o que o Governo tem feito Lamentavelmente, não! Penso mesmo que tem dado mais tiros nos pés do que os desejáveis. Tem cometido muitos erros, alguns do foro da decisão política, mas, infelizmente muitos outros da responsabilidade do aparelho administrativo do Estado!  

Há muitos anos que a Associação 25 de Abril vem chamando a atenção, vem clamando contra a destruição do aparelho de Estado.  

A alteração da ocupação de cargos de chefia, não apenas dos directores gerais, mas também de outros, por decisão política e não de competência, apontava inevitavelmente para um descalabro, no dia em que surgisse uma crise e a estrutura tivesse de tomar decisões e executar acções.  

O então chamado de bloco central de interesses legou-nos essa herança.  
Não tenhamos dúvidas, sem um serviço público, sem uma administração pública capaz, eficiente e responsável, não há governo, não há País que consiga seguir em frente!  

De uma verdade continuo convicto: o Governo comete, tem cometido erros! Mas, isso não lhe retira a legitimidade democrática, obriga-o sim a rever procedimentos e a emendar atitudes… Acabamos de assistir à tomada de medidas que apontam para um emendar da mão: refiro-me à chamada de militares e à criação de um Estado Maior que possa assessorar o Governo na área do planeamento e da execução.  

Estou certo que, apesar do enorme desinvestimento que, de há muito se vem fazendo nas Forças Armadas, apesar de lhes terem retirado capacidades, a sua intervenção, no cumprimento de uma das suas missões, não principal mas igualmente importante, irá melhorar fortemente a possibilidade de uma resposta correcta ao combate em que estamos envolvidos.  

Só quem tem um espírito de anti-militar – e, infelizmente, ele continua a existir em mais sectores da política do que seria desejável – é que não percebe que as Forças Armadas possuem capacidades, resultantes da sua natureza, mas também da sua formação e experiência, que não existem em nenhum outro sector da sociedade!  

Daí que, o vermos que, tarde mas ainda a tempo, se decidiu envolver as Forças Armadas faça aumentar as nossas esperanças no sucesso desta batalha. 

O Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa foi bem claro, no seu discurso de consumação da reeleição: ao falar no 50* Aniversário do 25 de Abril (que já não é cedo, para se começar a organizar) deixou claro que com ele não acabará a Democracia!  

Foi essa a leitura de muitos, é essa a minha leitura, que me conforta e sossega.  

Quis agora o Presidente da República, reforçado com o poder que a reeleição lhe conferiu, numa intervenção que considero de muita elevada qualidade, voltar a ser muito claro: não contem com ele para aventuras inconstitucionais, não contem com ele para soluções que provoquem crises políticas.  

Felicitamo-lo e estamos com ele, nas linhas gerais que definiu e anunciou ao País!  

Confiamos que as forças políticas, sindicais e empresariais, bem como o quinto poder da comunicação, o ouçam e, arregaçando as mangas, dêem as mãos, numa luta contra um inimigo comum!  

Temos necessidade de tréguas, num combate político normal em democracia, mas não normal em situações de emergência! 

Esta atitude pode desagradar a alguns? É expectável que venham acusações, do tipo o Presidente continua a ser a muleta do Governo! É expectável que a horda de comentadores, com realce para os políticos travestidos nessa função, bem como a enorme quantidade de escribas que proliferam no País continue a lutar pelo quanto pior melhor. 

A vitória só será viável, só será possível e alcançável, só teremos  sucesso, se todos – Presidente da República, Assembleia da República, Governo, Instituições nacionais, oposição democrática, comunicação social e demais componentes da sociedade – se unirem, no inevitável combate!  

Só isso permitirá envolver a população neste combate. 

Porque, não nos iludamos: se a população será, naturalmente, a primeira beneficiária da vitória, ela terá de ser também a primeira combatente, na luta em que estamos envolvidos!  

Por último, permitam-me que, enquanto um dos que devolveram a Liberdade aos portugueses, faça um apelo: Tendo presente que a Liberdade de cada um termina onde começa a Liberdade do outro; tendo presente que esta luta é colectiva; usufruam da vossa Liberdade, mas não a conspurquem! Os símbolos do 25 de Abril e da Liberdade não podem ser utilizados para atacar a Liberdade colectiva!  

Vasco Lourenço – “Público” 17 fevereiro 2021

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