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Se Rita Rato incomodou muita gente, ser comunista incomodou muito mais (Teresa Teixeira Lopo)

13 de Julho de 2020


O problema maior da nomeação de Rita Rato é ser comunista. E, como se não bastasse, a nomeação é para a direcção de um museu que tem inscrito no seu nome Resistência e Liberdade. Parece que assim se reconhece aos comunistas papel grande nessa luta, e tiveram-no, ou uma superioridade moral, que bem podem reclamar.

Se Rita Rato incomodou muita gente, ser comunista incomodou muito mais

Não sou comunista. Não conheço a Rita Rato. O único lugar-comum das nossas vidas é termos sido alunas na mesma faculdade, ainda que em tempos e cursos diferentes, mas incomoda-me o alarde criado à volta da sua nomeação para a direcção do Museu do Aljube Resistência e Liberdade pelos que estão contra — e pelas razões que têm invocado.

De que se faz esse argumentário? Não ter Rita Rato formação nem em História, nem em Museologia, nem em Curadoria? A presidente do Conselho de Administração da EGEAC – a empresa responsável pela gestão de vários equipamentos culturais do município de Lisboa, entre os quais o Museu do Aljube – não tem formação nem em Administração, nem em Gestão, nem em História, nem em Museologia, nem em Curadoria. Tem, na verdade, uma parte da formação de base de Rita Rato: uma licenciatura em Relações Internacionais. Chegaram ambas aos lugares por favor? A primeira por ser ex-deputada do PCP na Assembleia da República e a segunda por ser filha de uma ex-deputada do PS no Parlamento Europeu? Das duas, uma: ou o processo que conduziu à nomeação de ambas não foi sério, havendo nesse caso procedimentos administrativos ou jurídicos para o resolver, ou chegaram lá, face a outras candidaturas, por uma avaliação insuspeita do seu mérito.

Acresce, no caso de Rita Rato, que terá sido o seu projecto de programação e de dinamização das actividades do museu, e a visão integrada que apresentou, a ditar a sua selecção. Se assim foi, Rita Rato apresentou mais do que a ministra da Cultura tem sido capaz, geralmente ideias vagas, promessas, ou anúncios desastrosos, como este.

Um outro argumento, talvez o mais enfatizado: o que disse Rita Rato quando um jornalista lhe perguntou, em 2009, como encarava “os campos de trabalhos forçados, denominados gulags, nos quais morreram milhares de pessoas”. Rita Rato não respondeu.“Em concreto, nunca estudei nem li nada sobre isso”, alegou. E, perante a insistência do jornalista, admitiu “que possa ter acontecido essa experiência”. Rui Tavares defendeu que para compreender tais declarações não servem explicações e interpretações dadas por terceiros, e que é de Rita Rato que devemos ouvir se nega ou reconhece a realidade histórica do gulag.

Recordo que Rita Rato não estava a responder a perguntas num exame oral de História ou de Ciência Política. Estava a responder, na condição de “cara nova no Parlamento”, a perguntas de um jornalista do Correio da Manhã. Diria, arriscando mais um exercício interpretativo, que Rita Rato tomou nessa entrevista a mesma decisão que Joacine Katar Moreira, na altura também ela uma recém-eleita deputada do Livre, no voto apresentado pelo PCP de condenação da nova agressão israelita a Gaza: absteve-se. Se Joacine não o terá feito, como parece ter sido o caso, por desconhecimento do programa eleitoral, ou do historial do posicionamento do partido nessa matéria, mas para provocar controvérsia política, em particular, com a direcção do seu próprio partido, Rita não terá sido capaz, porventura, de condenar a ditadura de Estaline numa resposta que fosse incontroversa para o PCP.

Finalmente, para muitos, ainda que nem todos o verbalizem, o problema maior da nomeação de Rita Rato é ser comunista. E, como se não bastasse, a nomeação é para a direcção de um museu que tem inscrito no seu nome Resistência e Liberdade. Parece que assim se reconhece aos comunistas papel grande nessa luta, e tiveram-no, ou uma superioridade moral, que bem podem reclamar, por tantos dos seus homens e mulheres, que da maior parte não conhecemos nem rostos, nem nomes, terem resistido com sofrimento – o da prisão, da tortura, do desterro e da morte – sem disso recolherem louros ou benesses, ou sobre isso apregoarem na praça pública. Esta realidade histórica também não pode ser negada, digam o que disserem deputados comunistas, autarcas, ou até o secretário-geral do PCP sobre a “democracia” no país de Kim Jong-un, o massacre de Tiananmen, ou os gulag de Kolyma. A missão do Museu do Aljube é lembrar como foi a ditadura em Portugal. E agora, felizmente, o país inteiro sabe que ele existe.

Teresa Teixeira Lopo, Socióloga e investigadora bolseira

“Público” 13 julho 2020

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