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Os Ossos dos Granadeiros (Nuno Santa Clara)

30 de Junho de 2020


Os Ossos dos Granadeiros
A referência aos ossos de um granadeiro tem século e meio, e foi feita por um homem que marcou a sua época e que, para além da fundação do II Império Alemão, ficou ligado a vários ditos dignos de registo para a posteridade.

Esse homem era Otto von Bismarck (1815-1898), um caso típico da pequena nobreza prussiana (os chamados junker) que ascendeu na carreira pública, tendo sido sucessivamente nomeado conde, duque e até príncipe, à data da sua retirada definitiva. Dele é também o dito lapidar “em política, o que parece, é”. Não se pode ser mais sucinto, para descrever o que está por detrás das cortinas de fumo.

Decorria o Congresso de Berlim, em 1878, para (mais uma vez) redesenhar o mapa da Europa, em particular o das Balcãs, após a derrota da Turquia às mãos da Rússia. Bismark era o paladino do equilíbrio, e não desejava que alguma potência se tornasse dominante (além da Alemanha, claro). Para que não houvesse dúvidas sobre o desinteresse da Alemanha por aquela ainda hoje conturbada região, Bismarck declarou liminarmente que “as Balcãs não valiam os ossos de um granadeiro da Pomerânia”. Ou seja, não se iria imiscuir num conflito na região.
 
A frase ficou para a História, tendo sido várias vezes adaptada, como por exemplo em “o Quebeque não vale os ossos de um único granadeiro francês”

Parênteses: não confundir a Congresso de Berlim, de 1878, com a Conferência de Berlim, de 1884-1885, em que se fez a partilha de África, com os resultados que hoje conhecemos.

Mas Bismarck não poupou ossos de granadeiros nas três guerras que travou, e ganhou. 

Um século depois da sua morte, deu-se a I Guerra do Golfo, motivada pela invasão do Koweit pelo Iraque. Foi uma guerra consensual, aprovada pela ONU, com uma coligação alargada, o que justificava o dispêndio de ossos de granadeiros (desta vez, granadeiros mecanizados). De acordo com a Carta das Nações Unidas e o Direito Internacional, ficava assente, de manu militari, o fim do direito de conquista.

De outras guerras naquela conturbada região do Globo resultou a ocupação de território palestiniano por Israel. Algo difícil de resolver, uma vez que havia quem defendesse a integração pura e simples dos territórios ocupados – só que isso representa precisamente o direito de conquista, que se julgava banido das nossas instituições.

Mas parece que é isso que vai acontecer, sem que nada se lhe oponha, além de boas palavras. 

Ou seja, não há quem ofereça ossos de granadeiros pela causa do povo palestino. 

Três coisas concorrem para essa falta de generosidade: 
1. Uma guerra é sempre de evitar; não só como princípio, mas também porque todo o diálogo de vontades, expresso pela violência, tem um resultado que quase nunca é o esperado; 
2. As três guerras travadas por Israel resultaram em outras derrotas dos adversários; o que até se compreende, porque os israelitas estão “costas contra a parede” e não têm Plano B; 
3. Falta por ali um cheirinho de petróleo. 

Pelo que iremos continuar a ver proliferar ossos de palestinianos e de israelitas, na proporção de dez para um, ou mais. 
Mas ossos de granadeiros, nenhum. 

Nuno Santa Clara 

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