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O homem que as armas atraiçoaram (Pedro Pezarat Correia)

2 de Junho de 2020


Donald Trump. Tem de se tropeçar nele nos dias que correm.  
O homem instala o caos em tudo o que toca. Uma verificação óbvia quando o coronavírus é uma presença obsessiva, Trump é, ele próprio, um vírus. 
Nas relações internacionais sabotou todos os tratados que marcavam avanços civilizacionais, fomentou conflitos em todas as latitudes e longitudes, rompeu com organizações internacionais humanitárias, isolou o país, reduziu os líderes seus amigos a uma seita nada recomendável, Netanyahu, Mohammad bin Salman, Bolsonaro, Johnson, Orban. Não há uma única marca do seu mandato que constitua um contributo a favor da paz, do progresso, do bem-estar e da harmonia global.  
Internamente fomentou a instabilidade sistemática no seu gabinete e assessorias, entre os quais não emerge nem uma figura de estadista fiável. Incapaz de articular um argumento consome o seu vocabulário primário em insultos gratuitos a adversários políticos, senadores, deputados, governadores, autarcas, cientistas, jornalistas. Desprovido do mínimo sentido estratégico reage casuisticamente, avança e recua face a fantasmas que a sua visão escatológica do mundo inventa. Mentiroso compulsivo em permanente conflito com a realidade carece de qualquer credibilidade.   
Era inevitável, o caos acabaria por se virar contra si. O caráter perverso e amoral de Trump, vazio de quaisquer valores políticos, culturais, éticos, humanistas, inibe-o de enfrentar uma situação em que se confundem a crise pandémica, a crise social, a crise económica, a crise civilizacional. Todas elas se encarregou de fomentar alimentando ódios, racismo, segregações de género, confrontos entre nós e eles. Depois da China, da União Europeia, da Venezuela, da Bolívia, do Irão, da OMS, dos democratas, de Barack Obama, de Joe Biden, dos grandes media, descobriu o novo satanás, a ANTIFA. Desenterrou uma sigla esquecida que surgira nos EUA nos anos 20 e 30 do passado século para designar a associação de tendências de esquerda, anarquistas, socialistas, comunistas, que se propunham conjugar esforços na luta contra o avanço da extrema-direita wasp, fascista, racista e xenófoba. Nem se dá conta que, ao atribuir as insurreições e a indignação popular que alastram por dezenas de grandes cidades americanas e o visam a si e à sua política à ANTIFA, está a assumir-se ele próprio como fascista, racista e xenófobo. 
Trump está a colher as tempestades dos ventos que semeou durante 4 anos. Temos em Portugal, na nossa vox populi muitos ditos populares para caraterizar estes fenómenos, o efeito boomerang, o efeito ricochete, o feitiço contra o feiticeiro, o tiro no próprio pé, muitos mais porque a imaginação portuguesa é fértil. Na minha juventude, quando andava pelas Índias, li um livro de ficção – ainda está, amarelecido e gasto pelo tempo, nas minhas estantes –, de que recordo as suas linhas gerais. Do húngaro Lajos Zilahy chama-se O Homem que as Armas Atraiçoaram (tradução portuguesa da Editorial Século dos anos 50) e o drama andava à volta de um grande industrial de fábricas de armamentos que fez fortuna com conflitos armados, internos e externos, para os quais contribuía. Eram bons mercados. Quando os ventos lhe foram menos favoráveis acabou preso e fuzilado. Nos momentos finais, ao encarar o pelotão de fuzilamento, ainda pôde constatar que as armas que lhe estavam apontadas e o iam matar tinham saído das suas próprias fábricas e eram produto de negócios que ele próprio promovera.  
Também Donald Trump está a ser traído pelas armas e o ódio que ele próprio criou e fomentou. 
O caos parece estar a estender-se ao Brasil. Naturalmente, porque o “bolsonarismo” é a versão rasca do “trumpismo”. Carlos Matos Gomes acertava em cheio quando dizia, com a sua ironia cáustica, que Bolsonaro é Trump sem a 4.ª classe.  
Urge que apareça quem, nos EUA e no Brasil, ainda possa travar a tragédia que ameaça, não apenas os dois países, mas o mundo inteiro. 

Pedro Pezarat Correia – 1 de Junho de 2020 

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