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Integração europeia e descolonização (Pedro Pezarat Correia)

12 de Maio de 2020


Quem tenha lido o meu livro …da descolonização – do protonacionalismo ao pós-colonialismo sabe que um dos pilares da minha argumentação, na linha que há muito defendo, é que a independência dum povo sujeito a regime colonial nunca é da iniciativa nem dádiva do colonizador, mas árdua conquista que culmina uma longa luta do colonizado. É uma evidência que acabou por se impor ao observador atento e sem preconceitos, mas ainda incomoda os saudosistas de um passado que sustenta mitos de grandeza imperial sem os quais se sentem perdidos.

Vem isto a propósito de um livro de 2014, de Stefan Jonsson e Peo Hansen (que desconhecia mas não deixarei de ler), Eurafrica: the untold history of european integration and colonialism (Bloomsbury Publishing), sobre o qual Miguel Bandeira Jerónimo e José Pedro Monteiro fazem, no Ipsilon, suplemento cultural do Público de 8 de Maio, uma excelente recensão na sequência de entrevista a Peo Hansen.

O livro denuncia o equívoco do sentido humanista e anticolonialista que estaria na base do projeto da unificação europeia. Pelo contrário, na sua origem visava preservar o domínio colonial em África através da França e da Bélgica. Os autores localizam as suas raízes no período inter-guerras, quando surgiu um Movimento Pan-Europeu que acreditava que a integração europeia teria de começar por uma exploração conjunta das colónias africanas, que seria o instrumento gerador da confiança para uma cooperação pacífica. Citam o seu líder, Richard Coudenhove-Kadergi, que em 1929 dizia: «África poderá fornecer à Europa matérias-primas para a sua indústria, alimentação para a sua população, terra para o seu excedente populacional, trabalho para os seus desempregados e mercados para seus produtos.» Era o quadro exato do modelo colonial da época e que continuaria a inspirar o Tratado de Roma fundador da CEE antecessora da UE. Segundo Hansen. neste «ecoa um dos mais importantes objetivos do projeto Pan-Europeu, a anexação à Comunidade Europeia das colónias africanas dos Estados-membros […] perspetivou-se um vasto regime de associação económica e geopolítica que dava pelo nome de Euráfrica, do Báltico ao Congo.»

Este projeto tinha antecedentes. Em primeiro lugar o próprio nome remete para a teoria das Pan-Regiões da Escola de Munique, que entendia a Euráfrica como um conjunto no qual o continente africano se subordinava à Europa ocidental tendo Berlim como pólo dominante (quando da independência do Ghana, no mesmo ano de 1957 da fundação da CEE, o presidente Kwame Nkrumah associara o Tratado de Roma à Conferência de Berlim de 1885, da qual saiu a partilha colonial da África Subsariana pelas potências europeias). Hansen recorda que em maio de 1950 (passam agora 70 anos), quando nascia a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço considerado o momento fundador da UE, o ministro dos estrangeiros francês Robert Schuman declarava tratar-se de um projeto moldado pela persistência de ambições coloniais. Note-se que três dos seis Estados fundadores, França, Bélgica e Holanda, eram ainda potências coloniais, a França estava envolvida na Guerra da Indochina e a Europa procurava ignorar os movimentos de libertação já ativos nas colónias asiáticas e africanas. A Conferência de Bandung (1955) ainda vinha longe! Para os autores na altura da declaração de Schuman achou-se que, para o projeto europeu, «a França daria África como dote».

Considera Hansen que o Tratado de Roma tornou a Eurásia uma realidade codificando a CEE como uma entidade política colonial. E lembra que nas negociações os delegados dos Estados fundadores sublinhavam que a incorporação da África era necessária para o equilíbrio a longo prazo da economia europeia. A França e a Bélgica ainda estavam, então, longe de reconhecer o direito das suas colónias africanas à independência e a França estava mergulhada no pântano da Guerra da Argélia.

Em suma, o projeto europeu não era movido por qualquer sentido humanista e libertador dos povos oprimidos pela própria Europa. Os povos das colónias libertaram-se porque triunfaram na luta que travaram contra os colonizadores. Quando muito terá contribuído para sensibilizar os responsáveis para a inevitabilidade da descolonização.

O mesmo se passou em Portugal, com duas décadas de atraso, quando alguns viram no 25 de Abril o ato legitimador de um regime colonial agora com cobertura democrática – na metrópole e só na metrópole, entenda-se. Mais uma vez venceram os que lutaram pela sua própria liberdade e contaram, no movimento libertador português, com os que compreenderam o processo histórico e com eles se identificaram.

É isso que confere uma das marcas decisivas a esse ato singular que foi o 25 de Abril de 1974.

Pedro Pezarat Correia

11 de Maio de 2020

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