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Ongoing ou offgoing?

27 de Fevereiro de 2012


Menos de cinco meses depois de ter publicado uma dura entrevista com Nuno Vasconcellos, o jornal “Público” faz uma síntese do percurso da Ongoing e sugere que a empresa «entrou em agonia».
É uma longa e pormenorizada história, que ajuda a perceber as relações nem sempre claras entre a política, a economia e os grupos de media. Ou as guerras entres eles e de como uns se servem dos outros.
É de esperar que o “Público” faça o mesmo interessante trabalho em relação a outros grupos. Assim o deixa entender esta investigação a um grupo que não tem televisões, nem rádios, nem jornais de expansão nacional e, como diz, «entrou em agonia». (JAG)

Seis anos depois,

o grupo de Vasconcellos e Mora entrou em declínio?

Por Cristina Ferreira

O projecto de Rafael Mora e Nuno Vasconcellos para criar um grande grupo de telecomunicações, media e tecnologias pode ter entrado em agonia. A crise mundial pôs em evidência as fragilidades da Ongoing. A PT, que tem sido a sua bomba de oxigénio, já anunciou que será menos generosa com os accionistas. Mora, considerado o estratego, afastou-se dos holofotes. Vasconcellos continua a dar a cara pelo projecto, António Mexia, o homem forte da EDP, tem sido um dos grandes apoiantes de Vasconcellos e Mora, cujos serviços de consultoria procura desde que esteve na Galp nos anos 90. “Percebi que Mora é muito inteligente e competente.(…) Já pelo Nuno tenho apreço” pela tentativa de recuperar o grupo familiar, diz Eduardo Catroga. Joe Berardo é amigo dos dois sócios e diz sobre a Ongoing: “Tudo aquilo é um bocado estranho. O que eu sei é que o segredo dos negócios é sempre a informação.”

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Nuno Vasconcellos e Rafael Mora têm sido aves migratórias: ora estão em Lisboa, ora estão em São Paulo ou no Rio de Janeiro. A seguir rumam a Madrid. E já foram a Pequim. São o símbolo de uma época, marcada pelo culto da imagem e do dinheiro fácil, pela busca de influência. Os bastidores da actividade da Ongoing (que detém o Diário Económico) sempre despertaram curiosidade. Começou por ser um veículo do BES na Portugal Telecom mas, com o tempo, foi escapando à sua órbita. Nos últimos meses, surgiu envolvida em polémicas que juntam partidos, maçonaria e ex-espiões. Bem ao estilo de Mário Conde, que, nos anos 1980, “fascinou toda uma sociedade durante sete anos”, como se lê em O Banqueiro de Rapina, crónica secreta de Mário Conde, de Ernesto Ekaiser.

É verdade que as influências criam solidariedades, mas não resolvem os problemas. A ambição pode ser traiçoeira? Os amigos desvalorizam as críticas. Outros sorriem quando o tema é a Ongoing. Um financeiro considera: “A montanha pariu um rato.”

O estilo de actuação de Mora e Vasconcellos ou afasta ou aproxima. Quando estão em causa os seus interesses, fazem sair a artilharia pesada. Implacáveis.

Para este retrato da empresa, o PÚBLICO tentou várias vezes obter esclarecimentos de Nuno Vasconcellos e Rafael Mora, presidente e vice-presidente da Ongoing, que não se mostraram disponíveis.

Ao longo de vários meses, para compreender a sua ascendência meteórica, o PÚBLICO interrogou amigos, colaboradores, personalidades que, por diferentes razões, com eles se cruzaram. António Ramalho, José Galamba de Oliveira, Eduardo Catroga, Alípio Dias, Cunha Vaz, Carlos Barbosa, Filipe Pinhal, Joe Berardo, Alfredo Casimiro, Raul Mascarenhas, Miguel Relvas foram alguns dos que aceitaram prestar declarações. Houve quem declinasse. O padrinho de casamento de Mora, Luís Sá Couto, à frente da Andersen Consulting nos anos 1990, foi contactado, mas não atendeu o telefone. Outros não compareceram a encontros.

Antes de começar a desfiar as contas deste rosário, há que recuar até ao final da década de 1980. Só assim se pode traçar o perfil dos dois gestores. Com a adesão de Portugal à CEE, a economia liberalizou-se e o negócio das consultoras prosperou. A atmosfera era de forte pressão competitiva. Em 1989, Cavaco Silva, então primeiro-ministro, pôs em marcha o programa de privatizações, vendendo parte do Totta & Açores.

Em Espanha, o banqueiro Mário Conde era o homem do momento. Aos 39 anos já liderava o Banesto, em confronto com as famílias tradicionais. Os jovens idolatravam-no.

Foi nessa época que Vasconcellos, que hoje tem 47 anos, e Rafael Mora, alguns meses mais novo, se conheceram em Lisboa, na Andersen Consulting (AC), actual Accenture. Vasconcellos viveu na Bélgica e nos EUA, dos 11 aos 18 anos. Mora é licenciado em Economia e Gestão pela Universidade de Málaga, filho de um médico. Antes de aterrar em Lisboa, há menção a uma breve passagem pelos Açores, a prestar serviços na empresa de electricidade, a EDA, onde, apurou o PÚBLICO, não deixou marca. “Não era vulgar um espanhol pedir para vir trabalhar para Lisboa quando os negócios estavam em Madrid. Por isso nunca percebemos como chegou a Lisboa ou se a decisão partiu dele”, contou um ex-colega da AC, que vive no estrangeiro: “Mora destacava-se por ser arguto e mostrar uma inteligência fora do habitual. Como era espanhol, falava muito e muito alto. Era impossível não se dar por ele.” Já Vasconcellos “passava despercebido”.

A chegada de Mora a Lisboa coincidiu com a vontade de Madrid de incentivar os empresários locais a avançar para Portugal. Entre 1990 e 1993, Mário Conde comprou acções do Totta & Açores e, nos bastidores, disputou o controlo à revelia do Governo português. A meta era criar um grande banco ibérico.

Em 1992, Mora e Vasconcellos foram destacados para prestar serviços no Totta. Alípio Dias era o presidente: “Eram trabalhadores, tinham visão e davam sugestões. Eram baratinhos. Mas Mora era malandreco e picava o Nuno, que era até quem levantava muitas questões, mas não sobressaía.” O “Mora [chefe de Vasconcellos] era sagaz e tinha jogo de cintura, o que é importante neste mundo, enquanto o Nuno era mais puro”. O ex-CEO lembra que “tinham ânsia de progredir e iam sempre ao encontro do que o cliente lhes pedia. Se querem bónus, dão bónus”. Quinze anos após a Revolução, os dois distinguiam-se “por se apresentarem muito penteadinhos”, com o look molhado dos yuppies nova-iorquinos, estrelas em Wall Street. A Mora, nos corredores do Totta havia quem lhe chamasse “El Gominas” (“O Brilhantina”), inspirado em Mário Conde, que usava gel no cabelo.

O célebre banqueiro espanhol, hoje todos sabemos, navegava em águas turvas. Foi actor de uma novela que envolveu mulheres e conspirações, maçons, políticos e secretas, que usava para espiar os rivais e recolher informações sobre os negócios em que se envolvia. Na sua ânsia pelo poder, Conde (autor das “supercontas” que tanto furor fizeram) não dispensou a tomada de posições na comunicação social. Detido em 1994, por gestão danosa, saiu em liberdade em 1999.

Alípio Dias, aliado de Conde na luta pelo domínio do Totta, considera o banqueiro espanhol “um estratego brilhante” e dá como provável que tenha sido uma “inspiração” para os dois jovens quadros da AC. Hoje, vê “ingredientes comuns” na estratégia seguida pela Ongoing.

“Há um ano, cruzei-me com o Nuno na Quinta Patiño e disse-lhe: “Tiro-vos o chapéu. Vocês têm tido um percurso fantástico””, conta. E lamenta “não ter tido a argúcia de prever a influência que iam ter. Foi falha minha”.

Nos meses que antecederam a saída de Mora e de Vasconcellos da AC, “fomo-nos apercebendo de que eles estavam a preparar qualquer coisa, mas não sabíamos o quê. Apenas contaram que havia um nicho de mercado mal explorado e que iam apostar nele”. O actual presidente da Accenture em Portugal, José Galamba de Oliveira, acrescenta: “Tivemos pena, pois eram excelentes profissionais. Pessoalmente, gostei imenso de trabalhar com o Nuno, que se dedicava de corpo e alma ao trabalho. Com o Mora, trabalhei menos.”

A Andersen Consulting era, na época, a principal consultora, através da qual a dupla conhece muita gente. É aí que os futuros sócios começam a relacionar-se com os jovens quadros da Universidade Católica, que na década seguinte tomam o poder.

Em 1995, Mora faz as malas e vai para a Ray Bernelston, onde se mantém o tempo necessário para lançar a Heidrick & Struggles (H&S), filial da caçadora de cérebros norte-americana. Pouco depois, Vasconcellos junta-se ao ex-chefe.

O presidente da empresa Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, Raul Mascarenhas, ex-Andersen Consulting, evoca: “Fui chefe do Nuno e ele tinha todas as capacidades. Estava numa grande consultora a fazer currículo, para depois ir gerir os negócios da família. Já o Rafael tornou-se amigo do Nuno e acabou por ser o seu conselheiro.” Não é por acaso que o Jornal de Negócios considerou, em 2011, Mora o 17.º mais poderoso da economia portuguesa, deixando de fora da lista Vasconcellos.

Os dois sócios têm um pacto de sangue. Quem os conhece bem conta que se tratam por “irmãos” e cumprimentam-se com um beijo. Mora é o “Rafa” e o “Rafa” dirige-se, por vezes, ao sócio por “Nuninho”.

Raras vezes a conjugação de interesses terá unido duas pessoas com propósitos tão claros: ganhar força e notoriedade. O português é determinado e tem a ambição de replicar a história empreendedora do avô paterno, accionista da Sociedade Nacional de Sabões (SNS), João Rocha dos Santos. O espanhol é um corredor de fundo, dois passos à frente do interlocutor. Nuno tem umarede familiar e de amizades essencial nos negócios. Um auditor que em 1993 se cruzou com eles não tem dúvidas: “Mora é uma força da natureza com duas palavras-chave: tudo é uma questão de acesso e de influência.” Numa primeira fase, a meta era entrar no meio dos que fazem negócios usando um instrumento poderoso: a H&S. A partir daí, estariam criadas as condições para aceder às altas direcções das empresas.

Abril, 2002

Caça-líderes

António Guterres passa a pasta a Durão Barroso. Na viragem do século, o pequeno mundo da consultora começa a estender-se à esfera partidária, onde há margem de recrutamento de políticos com pouca ocupação. Jorge Coelho, ex-ministro das Obras Públicas de Guterres, está disponível, e aceita o convite para trabalhar na H&S “até 2006, 2007, não sei bem”. Coelho, que desempenhava um papel central no PS, salienta que “era muito amigo do pai do Nuno [Luís Vasconcellos, número dois da Impresa] e foi ele que criou as condições para eu ir trabalhar com eles”. “Pelo Nuno tenho estima, pois conheço bem. O Mora pior, mas tenho boa opinião”. “Nos últimos tempos não os tenho visto”, salienta, evitando pronunciar-se sobre as recentes polémicas. Em 2008, Coelho entrará na Mota Engil.

Em 2003, o ex-ministro de Guterres Pina Moura era deputado em regime de não-exclusividade. Sem posto de trabalho fora de São Bento, foi convidado para ser consultor da H&S e transitou para a Ongoing quando foi criada. Daí a um ano assumia a presidência da Iberdrola Portugal e um lugar na Media Capital, propriedade do grupo espanhol Prisa.

O ex-ministro Eduardo Catroga e Mora foram apresentados há seis anos. “Eu pertencia ao Conselho Geral e de Supervisão (CGS) da EDP e ele estava na H&S e percebi que é muito inteligente e competente.” O novo chairman da EDP, que participou em reuniões de quadro da Ongoing, avançou que conheceu o “Nuno no Expresso e, mais tarde, através da Isabel Rocha dos Santos, minha vizinha na Comporta. Por ele, tenho apreço, nomeadamente pela tentativa de recuperar a veia empreendedora dos antepassados”. Sobre as últimas controvérsias, diz: “É cedo para tirar conclusões, mas desejo todo o sucesso, a bem da economia portuguesa.”

Fevereiro, 2004

Compromisso Portugal

A 10 de Fevereiro de 2004, no Convento do Beato, em Lisboa, cerca de mil quadros, entre gestores, empresários, advogados, políticos, juntaram-se para assistir à primeira convenção do Compromisso Portugal. Entre os que, naquela manhã, pisaram a passadeira vermelha, estiveram Mora e Vasconcellos. Um dos oradores reconhece que “havia o desejo de cortar com as gerações no poder e facilitar a subida dos que estavam na casa dos 40”.

Não é claro em que contexto a H&S passou a liderar os contactos com os promotores do Compromisso Portugal, mas o movimento permitia reforçar a ligação aos futuros dirigentes.

O certo é que, dias depois da conferência do Beato, a H&S entrou em campo. De lá vão partir, nos meses seguintes, dezenas de emails a dar conta de novas iniciativas.

Junho, 2004

Acesso às grandes empresas

Durão Barroso estava de partida para Bruxelas, Santana Lopes assumia o poder e convida António Mexia para ministro das Obras Públicas. Mora e Vasconcellos sabem cultivar as relações que interessam. Mexia, que à frente da Galp, entre 2001 e 2004, usou os serviços da H&S, manter-se-á fiel e abrir-lhes-á as portas de grandes empresas tuteladas pelo Estado. Em 2009, uma iniciativa do Diário Económico com a H&S, elegeu-o como o “CEO em destaque” e, recentemente, na qualidade de consultor da EDP, Mora veio defender o actual modelo de remuneração, que atribui a Mexia um salário anual que pode ir até 4,2 milhões de euros/ano.

Antes do final do ano, Jorge Sampaio convoca os eleitores. Era urgente lançar o novo primeiro-ministro. É nesse momento que Mora se torna mais interventivo a promover as acções do Compromisso Portugal e, a 27 de Outubro de 2004, através do seu email pessoal, aborda mesmo, com os promotores, detalhes logísticos relacionados com um almoço-debate programado para o Restaurante Girassol, no Hotel Altis, em Lisboa.

Em 2005, Mora enfrenta um acontecimento trágico: de viagem para o Algarve, ao volante, tem um acidente com uma vítima mortal e, desde aí, quase não conduz. Sentado ao lado ia o empresário Alfredo Casimiro, proprietário do Grupo Urbanos, considerado pela H&S, em 2010, a melhor empresa para trabalhar em Portugal: “É verdade que anda de motorista, mas para quem tem uma vida agitada, significa ganhar 20% do tempo.”

Março, 2005

Polémica com CTT

José Sócrates ganhou as eleições. A onda era, agora, favorável aos socialistas. Os dois sócios lançam os braços ao PS, onde, aliás, já têm pontes: Pina Moura e Jorge Coelho. Nos anos seguintes, privam com o círculo de Sócrates e têm ligações especiais a Mário Lino, ministro das Obras Públicas, que confirmará e ampliará contratos assinados por Mexia. Em meados da década, a H&S estava presente na TAP, ANA, PT, EDP, Águas de Portugal, CTT, Carris, Estradas de Portugal.

Quanto mais negócios ganham, maior é o escrutínio. Vasconcellos e Mora vão ser acusados de actuarem, por vezes, em conflito de interesses: escolhem os quadros para as empresas, que depois os contratam para trabalhar como consultores, entregando-lhes a definição da política de vencimentos.

Mas a vitória do PS abriu também as portas à mudança de cadeiras. Nos CTT, Carlos Horta e Costa é substituído por Luís Nazaré. Pouco depois, Raul Mascarenhas, da equipa de Nazaré, tropeça num contrato “faraónico” assinado com a H&S, e que previa uma avença mensal superior a 150 mil euros. Isto, além das remunerações extras. A factura total ascendia a 3,2 milhões de euros. “Considerámos que os serviços não eram necessários e rescindimos”, contou Mascarenhas, que conhecia os dois sócios da H&S. Uma auditoria da Inspecção-Geral da Obras Públicas (IGOP) aos CTT não deixou dúvidas: “Existem fortes indícios” de facturação paga à H&S, entre 2002 e 2005, por trabalhos nunca prestados.

A meio da década, Ricardo Salgado, presidente do BES, está por todo o lado. O banqueiro construíra à sua volta uma aura de gravidade que ajudava a completar a imagem de poderoso, herdeiro de uma família de banqueiros na quarta geração.

6 de Fevereiro de 2006

OPA da PT, a grande oportunidade

O ano vai começar com um mau presságio para o BES. A Sonae avança sobre a PT e põe em causa interesses instalados. Na operadora, a convivência com os Governos revelava-se estruturante. O que se passou nas horas seguintes é premonitório: na administração da PT partem-se cadeiras – literalmente. O empresário Patrick Monteiro de Barros exige ao BES a execução do contrato de put option de 2% da PT (venda das acções ao preço pré-fixado). Para substituir Monteiro de Barros, Salgado chama Vasconcellos que, pouco depois, aparece com 2% da ESFH (20 milhões) e 2% da PT (200 milhões).

A escolha da família Espírito Santo era natural. Vasconcellos é cunhado do secretário-geral do BES, Bernardo Espírito Santo, e o padrasto, militar de carreira, James Risso-Gill, trabalhou na área imobiliária do GES. Foi ele quem sugeriu a Vasconcellos que frequentasse, nos EUA, um colégio militar, de dois marines.

Data, portanto, do início de 2006 o discurso: “Sou o herdeiro de uma família muito rica ligada à Sociedade Nacional de Sabões.”

Um gestor que trabalhou com o avô Rocha dos Santos confessa como ficou surpreendido: “Começámos a estranhar, pois a família não era maioritária na SNS e quem mandava eram os Beirão da Veiga, o que não quer dizer que não tivessem dinheiro, mas não chegava para investir na PT.” Mais tarde, soube-se que a Societé des Banques Suisse (SBS), no início, o BES e o BCP financiaram as várias tomadas de posição na PT.

Na baixa lisboeta, a poucos quilómetros da sede da PT, havia outra guerra por travar. Desde o Outono de 2005 que Mora colaborava com o presidente do BCP, Teixeira Pinto, na refundação do grupo. Um mês depois do “ataque” da Sonae à PT, era, agora, a vez do BCP se atirar ao BPI.

BPI na mira do BCP

No banco de Fernando Ulrich, Mora e Vasconcellos não eram desconhecidos, pois, em 2000, a H&S reorganizara serviços do BPI. Mora é casado com Alexandra Barbosa, actual directora do banco, a quem os colegas não poupam elogios: “Ela esteve a lutar contra a OPA do BCP com o mesmo empenho que nós”, diz um alto quadro. Por seu turno, Vasconcellos é marido da “Xandinha”, Alexandra Mascarenhas Vasconcellos, que passou também pelo BPI.

No Tagus Park, Teixeira Pinto e Mora apostavam num novo modelo de governação dualista (que agora vai ser anulado), que se revelou o gatilho que mostrou divisões entre accionistas e dentro da administração. Estavam criadas as condições para a OPA ao BPI falhar (Maio de 2007). Entretanto, a OPA à PT ainda rolava e os episódios multiplicavam-se. Um deles com vários protagonistas. António Cunha Vaz, na altura assessor da Sonae, conta: “Estava a almoçar e ouvi, noutra mesa, o Luís Ribeiro Vaz contar que uma parte do dia estava no gabinete de Mário Lino, de quem era chefe de gabinete, e a outra com a Ongoing a montar a estratégia contra a OPA. Como sou fiel ao meu cliente, contei-lhe que o adjunto do ministro, com quem Paulo Azevedo discutia os detalhes da OPA, era o mesmo que tinha encontros diários com a Ongoing para se opor à Sonae.”

Cunha Vaz garante que só conheceu Mário Lino a meio da OPA da PT. A cena podia ser tirada de um filme: “Um dia, ao sair do duche, no ginásio, cruzei-me com o ministro que estava vestido apenas de boxers a despachar com o assessor. Dirigi-me a ele e disse-lhe que era melhor não tratar daqueles assuntos ali, pois eu tinha ligações à comunicação social e estava a ouvir.”

Hoje, Cunha Vaz, que passou a trabalhar com a Ongoing em 2008, já não poupa elogios aos actuais clientes: “Estão a ser alvo de ignorância e má-fé, quando deviam ser de orgulho. À boa maneira portuguesa são motivo de crítica e inveja.”

Na Maia, sede da Sonae, a equipa de Paulo Azevedo faz saberque a Ongoing é o cavalo de Tróia do BES para não deixar fugir o controlo da PT. Jorge Neto, deputado do PSD, surge a liderar uma associação de pequenos investidores e pede a António Lobo Xavier, da Sonae, que clarifique a proposta. Lobo Xavier responde: “Sim, mas antes a Sonae terá de entrar para a associação, pois é um pequeno investidor da PT.” O deputado declina. O segredo era de polichinelo. Já depois de a OPA falhar, o líder da CMVM, Carlos Tavares, acusa Jorge Neto de “representar vergonhosamente apenas um grande accionista da PT – a Ongoing”. O deputado considerou Tavares “imparcial” e, anos depois, no quadro do inquérito parlamentar ao caso PT/TVI, entusiasmou-se: “O Nuno vai ser a grande referência empresarial do século XXI, um dos maiores empresários dos próximos 30 anos.”

2 de Março de 2007

O estrelato

Era expectável. Com a ajuda do Estado, a OPA sobre a PT não chegou ao mercado. Há fotografias dos dois sócios a saírem da assembleia-geral da PT triunfantes. Como recompensa, o BES apoia a ida de Vasconcellos para a administração da PT, para onde viria também a entrar Mora.

Não é fácil definir com exactidão em que momento das suas vidas Vasconcellos e Mora começaram a delinear um projecto com a intenção de ganhar força e notoriedade. Mas pode dizer-se que até à OPA da PT – que os catapultou para o estrelato -, o percurso profissional foi feito à margem dos holofotes. A partir deste momento, Vasconcellos passou a falar em nome da empresa: punha o dinheiro, conduzia a locomotiva. Mora definia a táctica. É uma época em que o espanhol frequentava regularmente a Embaixada de Espanha.

A história da Ongoing é, assim, a de dois amigos unidos pela vontade de singrar. Nos três anos seguintes ganhou vida própria e escapou, em parte, à órbita do BES. Um amigo fez esta avaliação: “O Nuno faz o papel do Salgado que é defender os interesses do clã, do qual ele se considera o chefe.” E, salienta, “começaram a copiar o estilo do Salgado numa versão modernizada.” Menos discreta, com mais carros e espiões. E sem o Banco de Portugal a vigiar as suas acções.

2006

Loja Mozart

Em Portugal há cerca de 5000 maçons, entre eles Vasconcellos e Mora, este último ligado à maçonaria espanhola. Em 2006 os dois amigos decidiram ajudar a dinamizar a loja Mozart n.º49, da Grande Loja Regular de Portugal (GLRP). Jorge Silva Carvalho assumiu as funções de “venerável mestre” até 2008, quando foi substituído por Nuno Vasconcellos. Nessa época, Luís Montenegro, hoje presidente da bancada do PSD, filiou-se na Mozart.

Vasconcellos é sincero. À revista Sábado disse: “Não vale a pena dizer” que a maçonaria “não tem poder”, mas “há clubes de futebol com mais influência”. Fora de questão é confirmar a pertença à Mozart. “Só quem tem funções oficiais o deve fazer.”

Os acontecimentos recentes, com a publicação já este ano, pelo PÚBLICO, de um email a convocar os irmãos para um debate com o mundo profano, expuseram a simbiose de interesses articulados através da Mozart, onde estão empresários, espiões, polícias, políticos, jornalistas. Numa linguagem maçónica, os “irmãos”, onde se incluíam sete quadros da Ongoing, são convocados para um debate com o “mundo profano”. A Ongoing reagiu logo: “A Ongoing não é a maçonaria.”

As relações entre filiados vão mais longe. As estratégias de poder não dispensam ligações a fóruns informais. Vasconcellos, por exemplo, está no Instituto Luso-Àrabe e na Associação Portugal Marrocos. E, a 9 e 10 de Junho de 2008, Neto da Silva, Vasconcellos, Nuno Manalvo, Vasco Rato, Álvaro Covões, todos da Mozart, viajaram até Washington para participarem nas celebrações do Dia de Portugal, em nome da Associação de Amizade Portugal/EUA. No site da organização, a EDP aparece como exclusive sponsor.

(O “Público” reservou aos assinantes o acesso a este texto na edição online.
Dado que se trata de um trabalho de investigação exclusivo do jornal, reproduzimos apenas cerca de metade.
Veja o resto da história no “Público” de 26 de Fevereiro de 2012)

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