Home » Zoom

A PT sempre foi a “vaca leiteira” do BES (Pedro Santos Guerreiro)

11 de Julho de 2014


O silêncio é um pano cru onde cada pessoa pode bordar as especulações mais imaginárias. Assim é a forma como a Portugal Telecom está a gerir a crise da dívida do Grupo Espírito Santo: com silêncio. Gerando especulação. Deixando afundar as cotações. É estranho. E gera um círculo vicioso que prejudica o próprio GES, que no fundo sempre foi feliz na PT, uma “vaca leiteira”(“cash cow”) de dividendos durante mais de uma década.

Desde que, há 15 dias, o Expresso Diário revelou que a PT tinha €900 milhões do papel comercial tóxico do Grupo Espírito Santo, a administração da empresa falou uma vez, em comunicado, para clarificar o que chamou de mera aplicação de tesouraria. Entretanto, as ações desvalorizaram-se 30%. Em parte, assumindo que a PT vai perder os €900 milhões. Mas também por causa de danos reputacionais e das consequências com a justiça e na fusão com a Oi. Tanto que as ações estão a ser violentamente “shortadas” (já lá vamos).

Este silêncio é completamente atípico na PT, cuja reputação nos mercados sempre foi excelente, com inúmeros prémios internacionais de relações com os investidores. Confirma que o desfecho ainda está em aberto. E revela que quem está a gerir o processo já não são só os gestores, são os advogados. Tudo o que disserem poderá e será usado contra eles – assim preveem os chamados Direitos de Miranda, lidos nos Estados Unidos a suspeitos. E é dos Estados Unidos que se espera o pior.

Sobre o escandaloso financiamento da PT ao seu maior acionista já não é preciso dizer mais. Mas ainda é surpreendente como foi possível começar uma história que vai acabar mal. A PT desvaloriza-se por causa do GES, que se desvaloriza também por causa da PT. É uma ironia triste, de uma relação que sempre foi umbilical e lucrativa.

A Portugal Telecom foi durante uma década uma “vaca leiteira” de dividendos. Começou com Miguel Horta e Costa, com os programas de “share buyback” (recompra de ações). Acelerou com Zeinal Bava e Henrique Granadeiro após a OPA da Sonae, derrotada em 2007. E teve um brinde especial com a venda da Vivo.

Durante estes anos, a PT entregou aos seus acionistas mais de oito mil milhões de euros em dividendos: quatro vezes o que ela vale hoje em Bolsa.

Os acionistas foram muito felizes na PT. Todos. Mas o Grupo Espírito Santo mais do que qualquer outro – incluindo a sua invenção chamada Ongoing, que sempre viveu das ações na PT para se endividar e dos dividendos para pagar essa dívida. A influência do BES na PT estava consagrada num acordo de parceria de 2000 e alargava-se ainda às comissões do BES Investimento em todas as Fusões & Aquisições feitas. Quando a Vivo foi vendida, mais de quatro mil milhões de euros foram depositados durante meses no BES e na Caixa, também acionista, como em tempos o foi o BPI. Quando Fernando Ulrich e Jorge Bleck saíram da administração da PT, a notícia era de que o haviam feito em reação ao poder hegemónico do GES.

Esse poder alargava-se agora com a Oi: depois da fusão, a concluir em Setembro, o BES ficaria com mais de 5% da PT/Oi, tornando-se o maior acionista individual e tendo peso na administração. É agora isto que está em causa. O GES deixou de receber dividendos chorudos da PT desde 2012, que só sendo desmamada poderia continuar a pagá-los; e já não vai ter a preponderância almejada na fusão. Henrique Granadeiro, que seria vice-chairman, dificilmente poderá sê-lo. Foi na prática “despedido” ontem pelo acionista estatal BNDES.

É preciso estancar esta sangria, que tem efeitos devastadores. A PT estará a tentar ter garantias para o papel comercial, mas não há muito mais no GES a dar como garantia além das ações do próprio BES: o resto do grupo está quase tudo ou insolvente ou à venda. E é também por isso que há ataques de “short selling”.

Os abutres à volta da fogueira

Imagine que tem uma ação, que está cotada hoje em Bolsa por €10. Eu peço-lhe a ação emprestada durante dois dias, pago-lhe €0,1 pelo empréstimo, e vendo já a ação que me emprestou em Bolsa pelos €10. Daqui a dois dias, as ações caem e valem €9. Eu compro então uma ação por €9 e entrego-lha, liquidando o empréstimo. Resultado: você continua a ter uma ação e ganhou €0,1 pelo empréstimo; e eu ganhei €0,9 (porque vendi por €10 o que comprei depois por €9, pagando-lhe uma comissão de €0,1). Confuso? Leia outra vez porque isto acontece todos os dias. Chama-se “short selling”, vendas de ações a descoberto. Se feitas em parcimónia, são uma estratégia de diluição de risco na carteira de investidores profissionais. Se feitas como “ataque” para beneficiar do aniquilamento de uma empresa, são práticas de fundos abutres. É o que está a acontecer na PT.

Na semana passada, a Gotham City Research, uma casa americana de análise, descreveu como “uma farsa” a espanhola Gowex, que era a menina dos olhos da Bolsa espanhola. A Gowex foi ao charco quase de uma dia para o outro. E a Gotham City recebeu muito mais do que um agradecimento: antes de denunciar o caso, terá “shortado” as ações da Gowex e assim lucrado com a sua desvalorização.

Como o Negócios revelou há dias, a Elliot Management, de Paul Singer (o famoso “fundo abutre” que está a empurrar a Argentina para um novo default), tem mais de 5% de capital da PT em posições curtas – e outros quatro investidores têm posições curtas de pelo menos 0,5% do capital da PT. Isto confirma que muita gente não só espera como deseja que a PT afunde em Bolsa. Na verdade, a PT já perdeu em Bolsa quase os €700 milhões e a Oi ainda mais do que isso, por causa do receio de atraso da fusão. O jogo dos “short-sellers” passa por saber qual das duas empresas vai ficar com a perda, sendo a perceção de que ela ficará na PT. Infelizmente, está a ser possível satisfazer este apetite necrófago. E só quando a empresa divulgar o saldo final das perdas e confirmar o desfecho da fusão, os seus termos e poderes, é que as ações acalmarão. Ontem já era tarde.

Pedro Santos Guerreiro – “Expresso” diário 09 julho 2014

Imprima esta página Imprima esta página

Comente esta notícia.

Escreva o seu comentário, ou linque para a notícia do seu site. Pode também subscrever os comentários subscrever comentários via RSS.

Agradecemos que o seu comentário esteja em consonância com o tema. Os comentários serão filtrados, antes de serem aprovados, apenas para evitar problemas relacionados com SPAM.