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Black vote matters (Pedro Pezarat Correia)

12 de Novembro de 2020


Make America normal again, foi a ideia-força que mais me atraiu nas manifestações de regozijo por todos os EUA, como réplica ao make America great again de Donald Trump, aliás inteiramente ajustada aos 4 anos de permanente, sistemática, intencional, por vezes mesmo grotesca mentira que marcou o seu mandato. Porque, exatamente ao contrário, nunca, desde que no início do século XX os EUA iniciaram a sua caminhada para o estatuto de hiperpotência global, o mundo viu o seu poder, a sua influência, o seu prestígio e a sua credibilidade na cena internacional, descerem a um patamar tão baixo como este quando Trump abandona a Casa Branca. 

É visível uma sensação geral de alívio. Pela minha parte festejo a derrota de Trump, não tanto a vitória de Biden que não era o “meu” candidato. Tenho dúvidas de que, num prazo razoável, desencadeie uma dinâmica que reverta as maiores perversões políticas do seu antecessor. Talvez seja mais lesto no plano interno em que se trata de “higienizar” a política, corrigir as “trumpolinices” que confundiram o cargo com os interesses privados, que incentivaram o sectarismo social e religioso, que alimentaram o racismo, que ignorou a pandemia, que deixaram implícito o apelo à violência. Mas no plano externo não lhe vejo a coragem política indispensável para reverter as saídas do Acordo de Paris sobre o clima, do Acordo sobre o nuclear com o Irão, do entendimento com Cuba, da OMS, da hostilidade à UE. Para rever toda a política no Médio Oriente, nomeadamente a cobertura a Netanyahu na Palestina e a aliança preferencial com a Arábia Saudita. Políticas contra as quais os democratas levantaram as suas vozes e que foram marcos da política externa de Obama e do próprio Biden, então vice-presidente.   

Empanturrei-me com noticiários e análises para todos os gostos e até tive de “gramar” os desconsolados apoiantes de Trump, os Vasco Rato e Nogueira Pinto que se esforçavam por convencer as audiências que afinal o homem era um mal compreendido, que nem violara a constituição nem os princípios fundamentais da democracia. Para quem já tanto elogiara Salazar, Savimbi e as mentiras de W. Bush na guerra contra o Iraque, Trump nem fica mal na fotografia. 

A generalidade dos analistas nacionais (e agora refiro-me aos respeitáveis que também os houve) procuraram explicar os resultados com dois fatores decisivos, a pandemia e a economia, que até estão relacionados. A nenhum ouvi salientar aquele que, para mim, foi o fator determinante para o resultado final. Refiro-me ao assassinato brutal e sádico do afro-americano George Floyd por agentes policiais de Minneapolis.  

A onda de indignação e protesto contra este ato bárbaro, do qual Trump não quis, ou não soube demarcar-se e nunca condenou nos termos que devia, foi a mola impulsionadora da campanha centrada na ideia de que o voto era a arma de que a comunidade afro-americana necessitava para fazer valer os seus direitos. Foi o grande impulsionador do movimento black lives matter que cresceu, alastrou, se impôs. Líderes esclarecidos fizeram vingar a convicção de que a via não era a violência gratuita mas o voto. Resultado, uma comunidade que até aqui primava pela abstenção nas eleições acordou, compareceu em força. Foi ela que fez a diferença. É certo que a sociedade “wasp” também pressentiu a vaga e se mobilizou, Daí o record de votantes. Mas a black lives matters foi mais forte, gerou o black vote matters e este ditou o resultado final. 

Biden não era o “meu” candidato, Mas entre alguém de quem posso discordar politicamente mas julgo uma pessoa decente, e um crápula, não há lugar para dúvidas. Sinto-me confortado com o resultado.  

Para a História, como imagem de marca do mandato de Trump, talvez fique a de um presidente que, numa conferência de imprensa por si convocada para a Casa Branca, vê o seu discurso, logo no início, interrompido pelas principais cadeias generalistas de televisão, ABC, CBS e NBC, acusando-o de estar a “fazer falsas declarações”. Isto não se passou num qualquer “Estado falhado”, numa qualquer “república das bananas”. Passou-se nos Estados Unidos da América, no dia 5 de Novembro de 2020. 

Pedro Pezarat Correia
9 de Novembro de 2020 

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