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ERC dá 24 horas à TVI para passar direitos de resposta da IURD

28 de Fevereiro de 2020


Braço-de-ferro envolveu TVI, IURD, Entidade Reguladora para a Comunicação Social e ainda o Supremo Tribunal Administrativo. Entidade Reguladora viu-se obrigada a recuar numa decisão antes favorável à TVI. Agora ordena que a estação transmita um total de 18 direitos de resposta a favor da igreja acusada de adopções ilegais.

A série, que reúne nove reportagens sobre casos de adopções alegadamente ilegais de crianças, foi para o ar em Dezembro de 2017. A IURD alega que não foi ouvida para expor a sua versão dos acontecimentos, embora a TVI – que denuncia “uma rede ilegal” – diga que contactou a igreja.

O impasse sobre a emissão dos direitos de resposta na TVI, e nos termos exigidos pela IURD, arrastou-se nestes dois últimos anos. Agora, numa deliberação de 5 de Fevereiro deste ano, a que o PÚBLICO teve acesso, a ERC dá 24 horas à TVI (a partir do momento em que for notificada) para começar a transmitir os direitos de resposta exigidos pela IURD desde Dezembro de 2017. A ERC já enviou a notificação

São nove textos, cada um dos quais terá de ser lido duas vezes por dia – uma primeira vez no Jornal das 8 e uma segunda vez no programa 21ª Hora na TVI 24, que transmitiu emissões sobre esta série, apresentada como uma grande aposta da TVI.

Contactada pelo PÚBLICO, a TVI diz que “só se pode pronunciar quando for notificada e ainda não o foi”. Depois disso, a decisão da TVI “será de emitir os direitos de resposta ou de impugnar a deliberação num tribunal administrativo”, diz a mesma fonte, argumentando que as sentenças dos tribunais administrativos até agora visaram a ERC e não a TVI.

Segundo fonte oficial da ERC, a decisão judicial é vinculativa bem como a deliberação da ERC que emana da sentença do tribunal superior que condenou a entidade reguladora. 

Na deliberação, a ERC determina que “os textos das respostas devem seguir a ordem de exibição das reportagens” transmitidas entre 11 e 15 de Dezembro de 2017 e ainda entre 18 e 21 de Dezembro de 2017. E acaba por “reconhecer a titularidade do direito de resposta da IURD” e a transmissão gratuita. A deliberação é subscrita pelos cinco membros do Conselho Regulador da ERC – o seu presidente, Sebastião Póvoas, Mário Mesquita, Francisco Azevedo e Silva, Fátima Resende e João Pedro Figueiredo – e anula a anterior de Abril de 2018. A deliberação, de Fevereiro deste ano anula a de Abril de 2018. 

Recurso para tribunal superior

Entre uma deliberação e outra, a ERC recorreu duas vezes para os tribunais. Uma primeira vez: a sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa, de 23 de Outubro de 2018, foi favorável à IURD. Apesar disso, a ERC não alterou a sua posição. Em vez disso, recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo que confirmou a primeira decisão judicial. Qualquer uma das sentenças condenatórias, embora visando directamente a ERC, refere “as consequências” específicas decorrentes para a TVI. 

Na primeira deliberação, a ERC invocava “o dever dos órgãos de comunicação social de participar às autoridades e de proceder à investigação” de “actos gravemente lesivos ou atentatórios dos direitos das crianças e adolescentes”. Essa deliberação dividiu os membros do Conselho Regulador. Foi defendida pelo presidente da ERC e ex-vice-presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Sebastião Póvoas, mas teve o voto contra do vice-presidente Mário Mesquita e do vogal João Pedro Figueiredo.

Na sua declaração de voto vencido, Mário Mesquita considerou sobre deliberação que não faria “história por se inscrever numa lógica contrária à reflexão jurídica e deontológica desenvolvida em Portugal nas últimas décadas”.

João Pedro Figueiredo, por sua vez, comparou a deliberação aprovada a uma “inversão perigosa da doutrina e da jurisdição prevalentes (…) potenciando o incumprimento do direito de resposta pelos órgãos de comunicação social em situações futuras”. No conjunto dos “17 pedidos de direito de resposta submetidos pela IURD”, analisados à luz da lei, considerou legítimo o exercício de direito de resposta em “três situações distintas”.

E justificou: “A IURD, sendo uma pessoa colectiva religiosa em actividade, tem direito à reputação” e não pode ver inviabilizado “o exercício do direito de resposta quando referenciada pela participação em situações que podem configurar práticas ilícitas”.

Adopções no Parlamento

Os casos expostos de adopções alegadamente ilegais por membros da IURD, segundo a investigação da TVI, suscitaram um debate sobre a forma como as crianças tinham sido retiradas aos pais e acolhidas e instituições, nos anos 1990, e de como essas decisões tinham sido validadas nos tribunais – entre as instituições em causa estava, por exemplo, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Levantaram-se vozes a denunciar casos mais recentes de “retiradas abusivas” ou a apelar a um maior rigor na fiscalização da legalidade das retiradas de crianças aos pais e a sua colocação em centros de acolhimento para futura adopção.

A Comissão Parlamentar dos Assuntos Constitucionais chegou a requerer a audição da procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal (a pedido do PS), do ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, José António Vieira da Silva, do provedor da SCML, Edmundo Martinho, e de um representante do Conselho Superior da Magistratura (estes três a pedido do PSD). Essas audições nunca chegaram a realizar-se.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) abriu um inquérito para esclarecer as supostas irregularidades nas adopções de crianças por parte dos líderes da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), denunciadas nessa investigação da TVI. Sob escrutínio estava a actuação do Ministério Público (MP) na década de 1990.

O MP arquivou o processo em Maio do ano passado, referindo que os eventuais crimes em investigação já tinham prescrito, e que as mães biológicas das crianças envolvidas não tinham mantido a versão denunciada, 18 meses antes, à TVI.

Também em Maio de 2019, o inquérito interno do Conselho Superior do Ministério Público concluiu que não tinham sido encontrados indícios de “condutas negligentes” ou “dolosas” por parte dos procuradores do MP junto do Tribunal de Família e de Menores de Lisboa à data das adopções. Joana Marques Vidal, exerceu funções de coordenadora dos serviços do MP junto deste tribunal, entre 1994 e 2002.

Ana Dias Cordeiro – “Público” 27 fevereiro 2020

https://www.publico.pt/2020/02/27/sociedade/noticia/erc-24-horas-tvi-passar-direitos-resposta-iurd-1905714


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