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Direcção de informação da RTP em terreno minado

5 de Dezembro de 2019


Na audição parlamentar sobre o programa Sexta às 9 houve muitas respostas, mas faltaram perguntas cruciais. Depois da celeuma em torno da suspensão do programa e da reportagem das (eventuais) minas de lítio, esperar-se-ia que a audição contribuisse para clarificar o que aconteceu. Em vez disso, surgiram novas dúvidas e a direcção de informação vê alastrar a contestação na redacção e caminha em terreno minado. Uma rigorosa e bem organizada informação de Maria Lopes no “Público”, a seguir transcrita, deixa perceber que a história ainda não chegou ao fim. (João Alferes Gonçalves)

Sandra Felgueiras desmente direcção de Informação da RTP

A jornalista da RTP Sandra Felgueiras desmentiu nesta terça-feira a direcção de Informação (DI) da televisão pública garantindo que era possível emitir a reportagem sobre o negócio de concessão do lítio em Montalegre a 13 de Setembro e que esta até estava prevista desde Julho. Tratava-se do seguimento da investigação de uma reportagem que fora emitida em Abril. “Se me perguntam directamente se era possível ter o programa Sexta às 9 durante o mês de Setembro com o lítio, eu digo que sim, era possível”, afirmou a jornalista no Parlamento quando confrontada pelos deputados da Comissão de Cultura com o teor do comunicado de 30 de Outubro em que a DI argumentava que a reportagem não estava pronta para emissão no dia 13.

O programa de investigação Sexta às 9 devia ter regressado à antena da RTP1 a 13 de Setembro, mas só voltou a 11 de Outubro. A DI argumentou que a mudança se deveu a ajustes por causa da campanha eleitoral e que a reportagem também não estava pronta para ser emitida em Setembro. O PSD tem feito do tema um cavalo de batalha – no debate do programa do Governo e nos debates quinzenais – e chamou os responsáveis da televisão pública ao Parlamento.

“Não havia ainda notícia pronta”

A coordenadora do programa contou que no final de Julho, quando o Sexta às 9 foi suspenso para férias, se previa que regressasse em Setembro, no dia 13. Mas, a 23 de Agosto, Sandra Felgueiras teve reunião com a directora de Informação, Maria Flor Pedroso, e a adjunta, Cândida Pinto, na qual foi informada de que o programa só voltaria a 11 de Outubro por causa de “ajustes em função da campanha eleitoral” das legislativas na programação decorrentes de entrevistas e debates.

Questionada pelos deputados, a jornalista contou que fez depois uma exposição por escrito à direcção sobre esta decisão e que houve uma “nota de repúdio” da equipa do programa ao comunicado da DI, de 30 de Outubro, vincando que era “inteiramente falso” que a reportagem não estivesse pronta. Sandra Felgueiras disse que nunca fez queixas nem à administração nem à ERC por ter um “comportamento de lealdade absoluta com a hierarquia”. Mas vincou que, desde que foi criado, em 2012, o programa nunca tinha sido “suspenso em [tempo de] campanha eleitoral”.

Quando foi questionada pelos deputados, na audição a seguir, Maria Flor Pedroso disse que a decisão de adiar o Sexta às 9 não foi tomada antes mas na própria reunião de Agosto. “Foi resultado da conversa e de várias coisas; não teve nada a ver com o tema do lítio”, afirmou, insistindo na questão da “cobertura da campanha eleitoral de forma exaustiva”. Sobre a correspondência trocada entre a DI e Sandra Felgueiras, a directora disse tratar-se de um “mail privado”, de que não deu conhecimento à administração e recusou-se a divulgá-lo aos deputados.

A directora negou saber então que a reportagem pudesse ser emitida em Setembro. “Não tenho certeza absoluta, mas não creio que a equipa do Sexta já tivesse conhecimento do alegado envolvimento do ex-secretário de Estado nesta questão.” Mais tarde haveria de dizer que a DI “já sabia que [o tema do programa] era o do lítio, a questão era se havia alguma coisa nova.” Até argumentou que a entrevista a João Galamba só foi feita na véspera da emissão, em Outubro. “Qual é a dúvida de que não havia ainda notícia para ir para o ar [em Setembro]”, perguntou Flor Pedroso aos deputados. E garantiu que, “havendo notícia, ela iria para o ar”, mesmo que noutro formato, por exemplo, numa reportagem de dez minutos no Telejornal.

O telefonema do gabinete de Galamba

Sandra Felgueiras contou que a regra é que as investigações para o programa “estão concluídas” muito antes da data de emissão, mas “as reportagens só são editadas na véspera ou no próprio dia”. “Não se confronta um arguido dois meses antes da emissão da reportagem”, defendeu a jornalista para exemplificar que só confrontou o ex-secretário de Estado Jorge Costa Oliveira na semana em que teve a certeza que o programa ia para o ar. “Não pode ser feito de outra forma, sob pena de os intervenientes concertarem posições”, acrescentou.

Sobre o trabalho que estava preparado para Setembro e só chegou à antena em Outubro, Sandra Felgueiras contou que questionou várias vezes o gabinete do secretário de Estado João Galamba mas que este recusou sempre responder. “No programa seguinte, já depois de ter respondido que não tinha nada para responder, fez um contacto via assessores à direcção de Informação e esta disse-me para o trazer ao programa. Eu não recuso contraditório”, afirmou a jornalista.

Nenhum deputado pegou nesta questão. Preferiram questões mais abertas sobre eventuais “interferências” e “pressões” do Governo. O que deu azo a respostas da DI de claro repúdio. “Não, esta DI não foi sujeita a pressões do Governo ou de qualquer pessoa. Não houve qualquer tentativa nem se permite que haja alguém a pensar nisso”, disse Maria Flor Pedroso. E o adjunto António José Teixeira garantiu ser “impossível que a RTP tivesse uma notícia na gaveta sobre o lítio. Não houve qualquer reportagem que estivesse pronta para ir para o ar que ficasse guardada”, realçando que “quase tudo o que se conhece sobre o negócio do lítio foi pela RTP” que se soube.

Falta de meios e de tempo

A jornalista também se queixou de falta de recursos até por comparação com outros programas de informação, nomeadamente o Linha da Frente. A equipa que coordena tem quatro pessoas, uma delas com vínculo precário, e já há um ano pediu o seu reforço de seis repórteres, mas isso tem sido adiado. Três dias antes das eleições de Outubro, Sandra Felgueiras comunicou à direcção que, “a partir do Natal, ou tinha outros recursos ou era impensável continuar a fazer o programa”.

“É impossível fazer um trabalho com tanta responsabilidade civil e penal sem pessoas”, sobretudo sem jornalistas qualificados, com experiência em investigação. Agora, diz, tem uma equipa nova, com apenas um elemento que ficou da equipa antes das férias e são maioritariamente sem experiência de investigação, o que levanta dificuldades quando se trata de uma equipa que trata de questões criminais e judiciais. “Podemos ter processos-crime, porque todos os dias pomos o dedo na ferida. E em oito anos não tivemos nenhum”, afirmou, para justificar a seriedade e factualidade das reportagens.

Para além da falta de meios humanos e da recusa de gastos com viagens para reportagens, a coordenadora admitiu que o tempo de duração do programa também tem sido reduzido – era de 50 minutos, passou para 40 e agora é de 34 – e que está a “ser conduzido para uma morte lenta”.

Questionada pelo PS, Sandra Felgueiras defendeu que na sua equipa e no seu programa “não há nenhum processo de intenção contra ninguém”, mas antes a “defesa intransigente do serviço público” e o “máximo rigor” na informação. Afirmou que desde 2012 o programa fez “inúmeros trabalhos de escrutínio aos vários governos”. “Não temos princípios persecutórios contra ninguém; temos a missão de escrutinar o poder e considero que quem assume funções governativas está no topo da tabela.”

Maria Lopes – “Público” – 3 dezembro 2019

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