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Suspendam a hipocrisia

“Todos os governos têm a tentação de controlar a informação”. A confissão feita em 2004 por Álvaro Barreto, ex-ministro da Economia do governo de Santana Lopes, é recordada com todo o propósito por estes dias em que o País ‘chora’, de diferentes formas e feitios, o facto de a Media Capital ter cancelado o ‘Jornal Nacional de Sexta’, e em que muitos desconfiam do peso do poder socialista naquilo que uns classificam de censura e outros de mera gestão de recursos.

A obsessão pela suspensão das liberdades é, aliás, marca de um Portugal democrático, com tiques bolivarianos mais acentuados sempre que se aproximam eleições. E neste negro capítulo das interferências ou ingerências, nalguns casos grosseiras e ilegais, os políticos de vários quadrantes parecem ter sido separados à nascença. Manuela Ferreira Leite já quis suspender a democracia por seis meses. José Sócrates, que não gosta de ser notícia dita negativa, condicionou debates a terrenos neutros e até deu cabo de um negócio entre a PT e a mal amada TVI. E, chegados à Madeira, deparamo-nos com uma fartura de episódios iguais ou mais graves, a maior parte dos quais patrocinados pelo Governo Regional.

Vamos por partes. O opinativo ‘Jornal’ da TVI gabava-se de incomodar os políticos, os mesmos que obrigaram o professor Marcelo a procurar outro ecrã ou que criticaram “o jornalismo travestido” e de “caça ao homem”. Mas ninguém assume que fez por aniquilá-lo. Só um “estúpido” o admitiria, sobretudo perante estragos de grande monta para a actual maioria. O problema é que há memória, “atmosfera” e “histórico”, com gestos e palavras que comprometem a liberdade de expressão, minam a reflexão sobre o território que devia ser preservado, o da informação, e mostram quão hipócrita é a classe política. Hipócrita porque o tal “histórico” vale e bem para colar ao socialismo a pressão constante sobre a comunicação social não alinhada, mas é ignorado e mal noutros contextos, porventura mais ultraperiféricos como o nosso, mas onde o PSD local tem reivindicado atentados, ao ordenar perseguição ao jornalismo independente e o corte de assinaturas, ao lançar ameaças de expropriação e de recomendação empresarial ao boicote publicitário, ao caluniar profissionais e sobretudo ao fomentar a concorrências desleal com o objectivo de silenciar quem incomoda.

Sobre esta estratégia com rosto e objectivos nefastos, cujos estragos continuamos a pagar com dor, nem um pingo de indignação nacional, nem uma palavra de atenção por parte do preocupado Presidente da República ou da atenta ERC. É que para além da sabotagem ainda há a fuga a debates televisivos, a inviabilização do contraditório, os cartoons ou as petas publicadas em papel de jornal, a nomeação de apanha-bolas de ténis para comissários políticos em nome da vigilância à linha editorial, o boicote ao pluralismo de opinião no jornal pago pelos contribuintes e o silenciamento de um jornalista forçado administrativamente a deixar o ‘Dossier de Imprensa’, tudo casos bem mais gritantes do que a ‘novela’ Manuela Moura Guedes.

No meio da tempestade quase perfeita foram muitas as reacções, entre as quais a sugestão jardinista de uma nova lei para evitar a “promiscuidade” entre poder e comunicação social. Que assim seja para que o seu jornal possa assim libertar-se da óbvia “asfixia democrática”.

Não nos surpreende que a classe política nacional, apanhada em falso pelos ‘media’ demasiadas vezes nos últimos tempos, sinta necessidade de reagir para não sair de cena, ou seja, para que não lhe aconteça o mesmo que tanto procura: afastar quem estorva. Nos próximo actos eleitorais será o povo a administrar a imagem de que tanto precisam os políticos, mas que anda a dar cabo das boas intenções. Por culpa própria, já que, entre outros disparates, pressionam sem medir consequências, e até pedem explicações públicas à gestão privada.

A televisão nacional, que ainda não foi capaz de eleger um Presidente da República, pode estar à beira de evitar a reeleição de um primeiro-ministro. Tudo à custa de um noticiário que fez por exibir o Portugal real, “tal qual ele é”, mas que o ‘circo’ montado em torno da suspensão previsível do formato e estilo polémico, concebido familiarmente para Moura Guedes dar a cara, apenas serve para esconder o País tal qual ele está.

Ricardo Miguel Oliveira – “Diário de Notícias – Madeira” 06 Set 09