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Tribunal Europeu condena Portugal a indemnizar Emídio Rangel sete anos após a sua morte

O jornalista tinha sido condenado por difamar a Associação Sindical dos Juízes e o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público. Mas, para o Tribunal Europeus dos Direitos Humanos, as declarações de Rangel foram opiniões e críticas próprias de uma sociedade democrática.

Sete anos após a sua morte, Emídio Rangel irá ser indemnizado pelo Estado português em 31 500 euros. O fundador da TSF e primeiro diretor-geral da SIC tem ainda a receber 19 874 euros de despesas judiciais relacionadas com um processo no qual, em Portugal, foi condenado a pagar avultadas indemnizações à Associação Sindical dos Juízes Portugueses e ao Sindicato dos Magistrados do Ministério Público.

O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos considerou, agora, que essa condenação, que havia sido confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa e pelo Supremo Tribunal de Justiça, foi “totalmente desproporcionada” e “não respeitou os direitos de livre expressão” do jornalista.

O caso começou em abril de 2010, quando Emídio Rangel prestou declarações na Comissão Parlamentar de Ética e acusou juízes e procuradores de violarem o segredo de justiça, com objetivos políticos e o intuito de condicionar decisões judiciais.

“A Associação Sindical dos Juízes e o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público entraram na onda de descredibilização do jornalismo e obtêm processos para os jornalistas publicarem, trocam esses documentos nos cafés, às escâncaras”, disse então. Perante os deputados, Rangel defendeu, também, que o tema não ia “acabar bem” se não se voltasse “a um tempo com regras que impedem o poder judicial de se envolver na política”.

Três tribunais condenaram

De imediato, a Associação Sindical dos Juízes Portugueses e ao Sindicato dos Magistrados do Ministério Público apresentaram queixa e, em 2012, Emídio Rangel foi condenado, por difamação, ao pagamento de uma indemnização de 50 mil euros a cada um dos queixosos. Foi, igualmente, punido com uma multa de 6 mil euros e recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa.

Os juízes desembargadores mantiveram a condenação, mas baixaram o valor da indemnização para 10 mil euros. Decisão que não foi bem aceite pela Associação Sindical dos Juízes Portugueses e Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, que recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça.

Em 2013, os juízes conselheiros deram como provado que o jornalista tinha efetivamente cometido o crime de difamação e fixaram o montante indemnizatório em 25 mil euros para cada uma das associações.

Valor que o fundador da TSF pagou à Associação Sindical dos Juízes Portugueses, mas não ao Sindicato dos Magistrados do Ministério Público. À morte de Emídio Rangel, em 2014, quando tinha 66 anos, a dívida passou para os herdeiros do jornalista.

Criticada atuação dos tribunais nacionais

Nesta altura, o caso já tinha chegado ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Rangel apresentou uma queixa, justificada com a violação do artigo 10 da Convenção Europeia: direito à liberdade de expressão.
Sete anos depois, os juízes europeus deram-lhe razão e condenaram o Estado português a pagar uma indemnização de 31 500 euros, mais quase 20 mil euros por despesas judiciais.

“O Tribunal considerou que as questões sobre as quais o requerente [Emídio Rangel] tinha falado na Comissão Parlamentar – a partilha de informações confidenciais com jornalistas para alcançar objetivos políticos – era de interesse para o público”, lê-se na decisão conhecida nesta terça-feira.

Para o Tribunal Europeu, “embora a redação possa ter sido infeliz, os comentários poderiam ser interpretados como uma ilustração de uma crítica mais ampla da sociedade, em relação à intervenção inadequada do poder judiciário na política e nos meios de comunicação social”.

Assim, os juízes europeus não têm dúvidas que os tribunais portugueses basearam-se “unicamente nos direitos das associações profissionais, em vez de os equilibrarem” com os direitos do jornalista. Os tribunais portugueses tiveram uma “interferência desnecessária numa sociedade democrática”, conclui a instituição europeia.

(Roberto Bessa Moreira – “Jornal de Notícias” , 11 janeiro 2022)