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Dos jovens desmiolados e seniores queixinhas (Rosa Montero)

Dos jovens desmiolados e seniores queixinhas (Rosa Montero)

« (…) É verdade que a nova geração de “nativos digitais” tem, pela primeira vez na história (ou pelo menos na história que controlamos), um QI inferior ao des seus pais. Isso é o que o neurocientista Michel Desmurget nos diz  noseu recente livro “The Digital Cretin Factory”(La fábrica de cretinos digitales [1], em espanhol).

Os seus dados são assustadores e são conincidentes com outros estudos que demonstram o impacto das novas tecnologias no cérebro humano. A única parte boa de tudo isso é que agora nós, o velhos, podemos criticar as novas gerações finalmente tendo uma certa base científica. Embora, pensando melhor, como a tecnologia também está fustigar a cabeça dos idosos, continuamos a manter a mesma proporção de estupidez em relação aos mais jovens.

Não, não acho que sejam piores do que nós. O problema é que, embora o cérebro pare de crescer entre os 11 e 14 anos, leva muito mais tempo para amadurecer. Por exemplo, o córtex cerebral pré-frontal não amadurece até aos 24 anos e é uma área essencial porque regula o humor, a atenção, o controlo dos impulsos e o pensamento abstrato, o que, entre outras coisas, permite antecipar as consequências dos nossos atos.

É por isso que até essa idade as pessoas cometem (e nós cometemos) tantas estupidezes incomensuráveis. A diferença é que, antes, os adultos eram mais exigentes e as famílias geralmente exerciam mais controlo sobre os adolescentes imaturos, que tinham partes boas e partes muito ruins. Nada a objetar quando os pais, respeitando os seus filhos, educam-nos na responsabilidade pessoal; muito a lamentar, sim, são famílias cujos  adolescentes crescem sem limtes, seja porque são mimados em excesso, seja porque são ignorados de todo e deixados à própria sorte.

Conhecemos os argumentos destes pais ausentes: eu trabalho tantas horas, estou tão exausto que não tenho tempo; e há as famílias monoparentais que reclamarão ainda mais, e provavelmente com razão; e os professores clamando  não podem fazer milagres face à negligência de alguns pais; e os especialistas  explicando que as redes sociais amplificam os “maus exemplos” e que o contágio do absurdo se multiplica.

O certo é que todos nós temos responsabilidades e todos nós também podemos ter desculpas. Mas é melhor começarmos a remar contra esta maré, antes que a tradicional e enfadonha reclamação dos mais velhos contra os jovens acabe em verdade insuperável.»

Rosa Montero, “El Pais”, 18 julho 2021