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O erro estratégico de António Costa (Domingos Lopes)

Costa, fazendo de Frei Tomás, trajado de primeiro-ministro, anunciou, em visita à Autoeuropa, em 13/05/2020, o apoio à candidatura presidencial de Marcelo [1]; o que supõe, em quem anda a virar frangos há muitos anos, que sabiam ambos ao que iam.

Bem pode clamar pelo dever de contenção que ele virou a esse nível uma incontinência, tanto em política, como em futebol. Costuma acontecer a quem navega à vista e descura os elementos estratégicos.

O PS é, neste momento, o partido com maior influência eleitoral, bem maior que a do PSD. O PS e a esquerda têm uma confortável maioria no país.

O PS tem a vocação de ir a todas, incluindo às mais pequenas freguesias. Cabe então a pergunta – por que desistiu Costa de ter um Presidente da República da área do PS, em vez do trambiqueiro da área do PSD [2]?

Não bate certo alegar que nunca dependerá no governo do PSD e ao mesmo tempo apoiar um homem que toda a sua vida se guiou pelo combate ao PS, ao SNS, ao Ensino Público e à Função Pública.

Dando o seu apoio ao candidato Marcelo apoiado pelo PSD e CDS, Costa abandona uma batalha entregando a vitória aos seus adversários, independentemente do papel que o cidadão Marcelo possa vir a ter. Certo, certo é o PS entrar na luta pelo mais alto cargo da República ao lado da direita, quando esta é francamente minoritária.

Uma estratégia consequente tem nos seus desenvolvimentos essenciais elementos que estão direcionados no mesmo sentido. Não será um bom estratego aquele que para governar diz querer apoiar-se na esquerda e, para o cargo de PR, apoia a direita ou centro direita, grosso modo. Baralha e desarma os que vão ao combate, pois, como é bom de ver, põe os socialistas ao lado do PSD e CDS nas presidenciais, e nas legislativas contra os mesmos partidos.

Costa pode ter uma fina perceção tática, mas como se sabe não basta para ter um rumo capaz de aglutinar uma mobilização para um combate tão difícil como é o atual em tempo de pandemia [3].

Teve a coragem de acordar com o BE, o PCP e o PEV quatro anos de legislatura, virando uma página na política portuguesa que durava desde 1976.

Mas tem dentro dele um pendor para que uma determinada perspetiva seja sempre balanceada por outra guinada que trava esse horizonte.

Os quatro anos da “gerigonça” permitiram ao PS reforçar as suas posições, o que nunca tinha sucedido após quatro anos de Governo.

O avanço precipitado de Costa de apoio a Marcelo deixou o PS em termos do cargo – PR – nas mãos de um homem que já mostrou ao país que é um verdadeiro catavento espalhafatoso, como um alfaiate, a alinhavar o cargo fazendo dele uma espécie de concorrência mediática com a sua amiga, a nova administradora da TVI.

Este segundo mandato (em que a conflitualidade social vai aumentar) será muito importante, tendo em conta as características do semipresidencialismo português.

Marcelo dá tudo e mais o que não tem para ser protagonista, veja-se a propósito do apoio de Costa a Vieira o que ele disse publicamente com ar contrito, que ia falar com ele [4]. O PR fala com o PM nas suas reuniões semanais às quintas, mas o veneno é servido como se fosse um copo de ginja, só que é em Belém. E aí está o erro de Costa.

Domingos Lopes – “Público” 15 setembro 2020