Entrei no JN quando as máquinas de escrever falavam. Na altura, também os jornalistas falavam. Além disso, conversavam, discutiam, contavam anedotas. Quase sempre em voz alta. As direcções e as chefias participavam no frenesim do nascimento diário do jornal. Os colaboradores, os tipógrafos, os funcionários administrativos, os contínuos também integravam o coro. A Redacção era um campo aberto. Comecei a aprender que era essencial ter voz para escrever.
Descobri que falar era pensar alto e redundava num compromisso público. Com a Empresa, a Sociedade, a Língua. Consequentemente, prenúncio de acção. Mas o matraqueado da máquina de escrever ficou como marcador ambiental. A Redacção assemelhava-se, a certas horas de ponta, a um pavilhão fabril e febril, a um concerto de teclados. Não é que tenha saudades das velhas máquinas. Digo-vos. Tenho saudades do ruído de fundo.
Ouvi dizer que o silêncio se impôs, pouco a pouco, de Sul para Norte. Os computadores não falam, já se sabia. Os jornalistas pouco falam ou falam de nada, foi duro de saber. Dizem-me que pensar é o que está dito, que agir é interdito. Também consta que os leitores dão mostras de impaciência com a quietude das redacções. A voz da rua não se reconhece. Já ninguém diz o meu jornal, o nosso jornal, a não ser algum accionista, governante ou banqueiro.
Convidaram-me a visitar uma plataforma logística multimédia. Perguntei se era algum armazém de sucata CO2. Juraram-me que era uma antiga redacção. Já sabia que os computadores trabalhavam pela calada. Preveniram-me que os jornalistas tapavam a boca por causa da gripe que afecta a classe, desde que o poder das redacções foi esvaziado na Lei de Imprensa; desde que privatizaram o Sector de Comunicação Social do Estado; desde que iniciaram a limpeza da geração das conquistas democráticas; desde que as entidades patronais deixaram cair o princípio de negociação; desde que se concedeu Carteira Profissional a todos os que assinavam o nome; desde que encerraram a Caixa de Previdência, mandando os beneficiários e os seus descontos para as filas de espera.
Mas hoje sinto a falta de ruído. A última máquina foi uma Messa. Se a interrogarem, fará saltar a tecla C: este tipo é Camarada. Se fizeram a mesma pergunta a um computador, é capaz também de fazer saltar a tecla C: este tipo é um Chip. É certo que sempre houve de tudo. É certo que também hoje há profissionais competentes e leais. Mas que tal a convocatória de um plenário contra o silêncio? A partir de 2010, nem que seja para comemorar o Centenário da República.
César Príncipe