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O Bunker (Nuno Santa Clara)

Esta palavra entrou no léxico corrente durante a I Guerra Mundial, e referia-se a uma estrutura fortificada, construída parcialmente ou totalmente debaixo da terra, concebida para resistir aos projéteis de alto explosivo que eram então utlizados, em escala industrial.

Não era um conceito novo: a partir do século XVI, com o desenvolvimento da artilharia pirobalística e o emprego de projéteis explosivos, lançados por morteiros ou obuses, com trajetória curva, as muralhas das fortificações deixaram de ser suficientes para proteger as guarnições. A ameaça vinha agora de cima, e não de frente, e criaram-se abrigos capazes de se opor a este novo desafio.

Foram então feitas construções enterradas ou semi-enterradas, com coberturas abobadadas e camadas de terra, capazes de absorver o impacto de um projétil explosivo vindo das alturas. Chamaram-se na altura casamatas, expressão que foi caindo em desuso, passando a usar-se o neologismo bunker.

Ainda recentemente, no âmbito das comemorações da vitória dos Aliados na II Guerra Mundial, tornaram a ver-se imagens de Hitler no bunker construído sob a Chancelaria do III Reich – o tal que era para durar mil anos, e durou uma dúzia.

Durante os bombardeamentos das cidades, de um e outro lado, foram construídos abrigos contra as bombas. Conta-se que Winston Churchill usou o seu apenas uma vez, preferindo ir para o telhado assistir à batalha; não se sentia vocacionado para morrer como um rato.

A palavra bunker também foi usada em sentido figurado: nos últimos anos de Franco no poder, era assim denominado o círculo restrito de colaboradores, que controlava o acesso ao Caudilho.

A Guerra Fria desencadeou um processo frenético de construção de bunkers, desta vez à prova (?) da bomba atómica. Como o construído sob a Casa Branca.

O Mundo dá muitas voltas, e eis que uma multidão de manifestantes se dirigiu à residência oficial do Presidente dos EUA. Também aqui nada de novo: demonstrações deste tipo são, por assim dizer, típicas de um país democrático.

Só que desta vez o Presidente não gostou, e ameaçou, através do Twitter (esquecendo agravos anteriores) lançar contra os manifestantes cães maus e armas terríveis. Relembrando outra vez as comemorações do fim da II Grande Guerra, um tanto no espírito de Hitler e das  suas Vergeltungswaffe, as armas de vingança, como as V-1 e V-2. Só que, desta vez, não eram contra o inimigo externo, mas contra os seus conterrâneos.

Ao que parece, a ameaça não resultou, e Donald Trump refugiou-se no bunker da Casa Branca, seguindo sábios conselhos dos seguranças. Churchill só havia um, aquele e mais nenhum…

Se fosse dado a meditações, o Presidente teria ficado agradecido aos soviéticos: se não fossem eles, não haveria bunker, e onde estaria a segurança?

Mas a ameaça não parece ter sido tão grave, uma vez que, mediante de uma operação de tipo militar, foi no dia seguinte aberto um caminho até à Catedral de St. Johns, danificada durante os distúrbios, tendo aí Trump feito declarações e posado com uma Bíblia. À revelia da bispa da arquidiocese, que, segundo a CNN, não gostou do aproveitamento da situação.

Resta saber o que se irá passar nos próximos dias. A nova ameaça de utilização das Forças Armadas para repor a ordem não caiu bem no meio castrense – os EUA são um país que não tem (felizmente!) tradição de intervenção dos militares na política. Já aquando do envio de soldados para a fronteira do México se ouviram resmungos, e tratava-se de uma zona de fronteira.

Entretanto, já se viram polícias a pactuar com os manifestantes, em alguns confrontos pacíficos.

Não será de descartar uma crise institucional, nos próximos dias.

Se assim for, qual será o próximo bunker?

Nuno Santa Clara