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Os bandidos ao poder! (Pedro Pezarat Correia)

Já nem sei se o mundo, no seu processo histórico, alguma vez terá tido à frente dos grandes centros de decisão gente honesta e recomendável, mais preocupada com a gestão da res publica que de interesses próprios e de potentados económico-financeiros que, aliás, frequentemente se confundem. Exceções terá havido, certamente, a confirmarem a regra. Entretanto chegámos ao limite. Hoje alguns dos maiores decisores estão a deixar uma marca epocal – “os bandidos ao poder”! 

O 24 de maio pode vir a ficar assinalado como o dia em que o primeiro ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, se sentou no banco dos réus, acusado de crimes de corrupção: fraude, suborno e abuso de confiança. Sentado no banco dos réus” no seu sentido literal porque, apesar de sucessivas manobras dilatórias, não conseguiu que o Supremo Tribunal – honra lhe seja feita – o dispensasse do julgamento presencial. Em contrapartida consentiu que se mantivesse nas funções de primeiro-ministro, o que é inédito em Israel. Se fosse um mero ministro teria de se demitir. 

Este é um verdadeiro case study. Depois de um frustrado processo eleitoral em que se repetiram consultas populares sem que delas saísse uma solução governativa, os líderes partidários chegaram a um acordo para um governo de coligação entre o Likud, de Netanyahu e o Partido Azul e Branco, de Benny Gantz. Na solução a que chegaram, um governo de presidência bicéfala, mostraram estar bem um para o outro. Em pleno período pandémico refugiaram-se no argumento de que “não se vivem dias normais”. A pandemia tem as costas largas e vai continuar a ter. 

Gantz, que sempre jurara recusar uma coligação com Netanyahu enquanto este estivesse acusado criminalmente, acabou por trair o seu próprio partido e trair-se a si próprio, descendo ao nível do seu rival, que só quer manter-se no poder para beneficiar de um estatuto de imunidade. Nos finais de março, quando Gantz obtivera uma solução maioritária no Knesset para apresentar ao presidente da República, o presidente do parlamento, Yuli Edelstein, do Likud, suspendeu os trabalhos parlamentares invocando o coronavírus e bloqueando o processo. O presidente do Supremo Tribunal determinou a reabertura do Knesset, mas Edelstein não cumpriu. Netanyahu tenta nova negociação com Gantz que este recusa. Até que cedeu, aceita o governo de coligação de presidência bicéfala na condição de lhe caber a liderança do primeiro ciclo da rotação. Era pouco para Netanyahu que, com o julgamento à porta, precisava de se manter no cargo. O julgamento, que devia ter começado em meados de março é também adiado por causa do coronavírus. Com o Knesset suspenso Netanyahu passou a governar por decreto. Gantz acaba por ceder em toda a linha, contra o seu próprio partido, que se divide, e outros partidos como os árabes da Lista Unida e o Trabalhista que lhe tinham assegurado maioria no Knesset. Netanyahu chefiará o governo nos primeiros 18 meses. Há quem diga que, com os habituais truques em que é mestre, nunca haverá a segunda fase do governo. É tudo uma verdadeira farsa. Mas há mais.

O Público de ontem traz uma interessante entrevista com o professor e analista político israelita Gideon Rahat, que revela estarmos perante uma manobra da Internacional Populista, organização que considera muito forte. É a primeira vez que vejo tal designação, que me parece interessante e apropriada, para o Movimento Populista que tem Donald Trump como expoente máximo e o seu antigo assessor Steve Bannon como grande estratega. O objetivo de Netanyahu é ganhar tempo, no que é exímio, porque, segundo Rahat, o processo judicial arrastar-se-á por vários anos e, dentro de 14 meses, haverá eleições presidenciais às quais se candidatará e, se vencer, contará com uma imunidade de 7 anos, no mínimo! Benny Gantz deu-lhe a mão. 

Maquiavélico? Não surpreende se olharmos o mundo de hoje. Comparado com os tiranetes que por aí medram o pensador florentino é um menino de coro.

Como manobra de diversão Netanyahu vai-se entretendo a tentar anexar a Cisjordânia executando o “acordo do século”, ou melhor o “aborto do século” de Trump. Ou, se tanto for necessário, tem ali Gaza mesmo à mão para umas rápidas ações militares “preventivas” que garantam a segurança a que Israel tem direito. E aí Benny Gantz também não lhe negará apoio. 

Pedro Pezarat Correia – 25 maio 2020