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Para avivar a memória

29 de Novembro de 2017


1.       A questão da memória colectiva é, para mim e desde há muito, uma questão central. Quase obsessiva. Por uma razão: por aí passa a anestesia dos povos, construída, civilizadamente, ao pormenor, por quem detém o Poder: político, económico e informativo. Com esta trilogia tudo é possível: num golpe de mágica a mentira pode transformar-se em verdade. Como abundantemente acontece.

2.       Recentemente, na apresentação do livro “Caderno de Memórias”, do coronel Nuno Pinto de Soares – um dos capitães mais puros e genuínos de Abril – ouvi Manuela Cruzeiro, respeitada estudiosa da Revolução dos Cravos, sublinhar que ‘a memória não é um processo natural e muito menos pacífico. É sim uma batalha permanente entre os que não querem lembrar e os que não podem esquecer’. Estou no grupo dos que não podem esquecer. E também no pequeno grupo dos que querem lembrar.

3.       Esta manhã ouvi, na Antena 1, Júlio Machado Vaz dizer que uma árvore, entre outros motivos por doença ou falta de água, vai mirrando, vai deixando de ser árvore para ser um mero tronco – uma coisa já sem vida mas que durante um certo tempo se mantém de pé. Até cair.

4.       Machado Vaz, na sequência, comparou esse fenómeno das árvores com os seres humanos que são apanhados pelo Alzheimer. Ficam sem memória, deixam de conhecer o seu passado, deixam de saber quem são, vão mirrando e, apesar de ainda de pé, são já outra coisa.

5.       Ao ouvi-lo, disse para mim: metáfora perfeita, esta. É exactamente isso o que acontece com as chamadas democracias: nascem com vigor, às vezes até com revoluções, fazem coisas justas e pouco antes impensáveis, mas depois vão amolecendo, vão sendo corroídas por doenças várias, a que muitos chamam interesses e corrupção, passam por uma fase de euforia e perdem a memória, continuam a pensar que são democracias fantásticas onde uns são mais iguais que outros e de repente, graças ao alzheimer e sem perceberem bem com, zás, viram ditaduras, umas mais duras, outras mais moles.

6.       Dito isto: este livro nasceu na minha cabeça quando dei conta que em Portugal vivemos  envoltos em alzheimer. Quase ninguém tem memória. Desconhecem o passado e estão longe de conhecer bem o presente. Mas isso não é para aqui.

7.       Vivi por dentro o 25 de Novembro de há 42 anos. O meu problema é que houve vários 25 de Novembros e nunca sei, quando sobre o tema falo com amigos e adversários, de qual 25 de Novembro estamos a falar. O que é surrealista.

8.       Em contrapartida, os media e alguns especialistas sabem: e todos os anos repetem o mesmo. Não procuram novas pistas, novos testemunhos. Com algumas excepções, pequenas, claro.

9.       Por isso, e porque os media não cavam a História, raramente investigam o passado, nunca descobrem/confessam os erros voluntários ou não, fui desenterrar a história, do meu ponto vista até hoje muito mal contada, dos 152 injustiçados dos media. Mas desde há muito há numerosa documentação disponível. Sentenças de Tribunais. E testemunhos vivos que contam o que viveram e o que sofreram. Que nunca interessaram a ninguém

10.   Contudo, mais importante do que os números, já de si impressionantes, são as vidas desses injustiçados de Novembro. Vidas que nunca ninguém se interessou em conhecer e divulgar. E o silêncio quando há injustiças e indignidades é insuportável. Ontem como hoje.

11.   Ora, hoje e aqui, entre nós, estão alguns desses injustiçados.  E o que hoje publico não esgota esses depoimentos.

12.   Finalmente: outro objectivo que me moveu, talvez ingénuo, foi também o de, com este trabalho, incentivar jornalistas de hoje a seguirem o exemplo dos arqueólogos: cavar o passado para perceberem o presente. Dá trabalho, mas é obrigatório. Nada perceberão do presente se não conhecerem o passado.

Ribeiro Cardoso

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