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“Prós e Contras”, uma monumental lavandaria

24 de Março de 2010


Na noite de segunda feira assisti a um dos mais lamentáveis programas do serviço público de televisão. Refiro-me aos “Prós e Contras”, de Fátima de Campos Ferreira, sobre … não sei bem o quê.

Feito e emitido a partir do Funchal, supunha eu que ia assistir a um bom programa de debate, com prós e contras, sobre o actual problema-mor da Madeira: o depois da calamidade ambiental que, no dia 20 de Fevereiro, se abateu sobre algumas zonas da ilha, causando mais de 50 mortos e enormes prejuízos materiais.

Ingenuidade dupla, a minha: o que ali se passou não foi um programa de debate e muito menos de prós e contras.

Em termos de opinião, na prática só havia prós. Mesmo dois ou três técnicos especialistas em questões ambientais que ali estavam – e cujas opiniões críticas são conhecidas, com relevo para Raimundo Quintal – puderam apenas dizer algumas coisas, mas nunca tiveram espaço para um debate sério, de resto como um deles sublinhou já no final: “Isto não é um programa de ‘Prós e Contras, mas de Prós e Prós’ “.

Na verdade, o que a RTP nos proporcionou mais pareceu um encontro da LAJ – Liga dos Apoderados de Jardim, com alguns penetras pelo meio, com direito a dizer baixinho o que lhes ia na alma, mas sem terem oportunidade de fazer uma pega de caras.

Ou então, uma espécie de uma festa de caridade ou uma feira de vaidades, num feérico cenário ao ar livre, com os “inertes” junto ao mar iluminados e enormes paquetes de luxo ancorados ou a sair do porto cheios de luzes.

Na tenda, montada de propósito e cujos custos desconheço, viam-se oficiais de polícia, militares com farda nº 1, dez presidentes das câmaras municipais da região (um dos quais teve direito a uns minutos de fama), bombeiros, técnicos da administração regional e uma famosa dama madeirense vestida com glamour, especialista em moda. E, não se sabe a que propósito, o ineviitável comendador Berardo, que já anunciou uma fantástica ajuda às vítimas: uma percentagem sobre as vendas de um vinho que é sua produção. Quanto mais vender, mais ajuda… Ah, é verdade, também estavam presentes vítimas da catástrofe.

Fátima, excedendo-se a si própria, sublinhou repetidamente a coragem e a determinação do povo da Madeira (só lhe faltou chamar povo superior, como o soba da ilha o classifica), mostrou imagens já mil vezes vistas, anunciou que a RTP já tinha conseguido arrecadar mais de um milhão de euros para ajudar os madeirenses, insistiu na necessidade da unidade com o Continente, perdeu-se em comentários que nada tinham a ver com jornalismo. Um festim lamechas e sem sentido.

E de debate, nada. Troca de argumentos, a favor e contra, sobre a política ambiental seguida nas três últimas décadas pela governação madeirense, nicles. Confrontar os governantes presentes com os avisos repetidamente feitos por especialistas na matéria e nunca tidos em conta por quem manda na região, népia. Análise sobre metodologias a seguir na reconstrução, tentando saber se os mesmos erros iriam ser repetidos ou se o caminho a seguir seria outro, só ao de leve..

Na verdade, o que ali aconteceu não foi um programa sério de televisão – foi uma piegas e monumental lavandaria a funcionar em pleno, com quilogramas de detergente tipo OMO, a ver quem lavava mais branco.

No final, como era óbvio, a governação madeirense saiu dali com o serviço todo feito a preceito: lavado, passado, engomado, a cheirar bem.

Independentemente das prováveis dificuldades encontradas por Fátima Campos Ferreira para levar ao programa as pessoas que eram a sua primeira escolha, não se compreende a composição final: as estrelas principais foram Cunha Silva, vice-presidente do governo; Miguel Albuquerque, presidente da Câmara Municipal do Funchal; Miguel Sousa, ex-vice-presidente do Governo e actual vice-presidente da Assembleia Legislativa Regional em acumulação com a presidência da Fábrica de Cerveja da Madeira; Santos Costa, secretário regional (membro do governo) com a tutela do Equipamento Social; e Luís Miguel de Sousa, primo do outro Sousa, e senhor de dois lucrativos monopólios regionais: o das viagens marítimas Funchal-Porto Santo, através da Porto Santo Line; e o das operações portuárias da capital madeirense, através de várias empresas.

Da oposição ao regime jardinista é que não havia nem cheiro. Diz-se que Fátima Campos Ferreira avisou logo mal chegou à Madeira: aquele não seria um programa político, logo não haveria convites a representantes partidários. E isso é o mais assustador de tudo: será que uma jornalista com tão grandes responsabilidades na estação pública de televisão não percebe que o modelo encontrado, além de uma fraude, foi um dos maiores fretes políticos alguma vez feitos a Jardim?

Este programa de “Prós e Prós” traz ainda outra interrogação: por que razão jornalistas experientes, e que em nada dependem de Jardim, não são capazes de enfrentar o tiranete do Funchal e seus seguidores? Será que desconhecem o que se passa há mais de três décadas naquela região autónoma?

Ribeiro Cardoso

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1 Comentário »

  • Rui Santos said:

    Não sei se fui o único a reparar durante a intervenção do Sr. António Henriques a meter água com o seu ar de coitado e choramingão, quando se falava de prejuízos nas empresas, afirmou que “ia receber umas coisinhas ali do sr.doutor (Sr.Cunha e Silva), uns subsídios como prometido”, após a qual, o Sr.Cunha e Silva descartou-se logo dessas responsabilidades, as quais não lhe estavam atribuídas. Ora, mudou-se logo de tema de conversa, o Santos Costa até pôs a mão à cara.

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