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“Os subsídios são a última e a melhor hipótese para o futuro do jornalismo”

13 de Janeiro de 2020


Vivemos num “ecossistema de desinformação”, assim lhe chama o académico Victor Pickard. Propaganda e fake news crescem ao mesmo tempo que a imprensa procura um modelo de negócio sustentável. Na era do Google e do Facebook, são problemas exacerbados pela tecnologia, mas com raízes nos mercados, defende o estudioso. (Teresa Abecasis)

Quando a Internet apareceu, muitos acreditaram que iria ser a ferramenta ideal para defender a democracia. Muitos escândalos de propaganda e manipulação depois, a narrativa mudou e tudo parece estar em causa, até a democracia. O problema não está na tecnologia em si, argumenta Victor Pickard, professor da Escola de Comunicação de Annenberg, na Universidade da Pensilvânia, mas antes numa crença cega nos mercados.

Pickard estuda há anos o papel do jornalismo nas sociedades democráticas e o seu mais recente livro – Democracy Without Journalism?: Confronting the Misinformation Society (“Democracia Sem Jornalismo?: Confrontar a Sociedade da Desinformação”, numa tradução livre) – liga todos estes conceitos: Internet, tecnologia, desinformação, jornalismo, democracia e mercado. Esteve em Portugal para participar na Lisbon Winter School for the Study of Communication, uma iniciativa da Universidade Católica, que teve como tema “Media e Incerteza”.

“Há um debate que está a acontecer sobre os efeitos da tecnologia no nosso comportamento, com argumentos razoáveis de ambos os lados”, conta Pickard em conversa com o PÚBLICO no Palácio de Xabregas, em Lisboa. “Algumas pessoas pensam, por exemplo, que a propaganda nas redes sociais está a corromper a política, e outras pessoas consideram que isso não é verdade e que estamos a exagerar. Do meu ponto de vista, é claro que estas ferramentas tornaram-se muito comerciais e estão a ser usadas de forma a aumentar o lucro de um pequeno número de empresas gigantescas e que essa é a origem de muitos problemas.”

O especialista argumenta que tem notado uma mudança de paradigma nos Estados Unidos, “onde há o princípio de que o mercado é inócuo e mesmo benevolente”. Seja no combate às alterações climáticas, na defesa do jornalismo ou na diminuição das desigualdades, aumentam as provas de que um sistema conduzido pelos mercados “é limitado”, defende.

“As pessoas estão a perceber que um sistema orientado para o mercado tem de ser regulado intensivamente para ser democrático e servir o interesse público em vez dos interesses comerciais. O que eu demonstro no meu trabalho é que a natureza comercial de grande parte deste sistema mediático está a alimentar um ecossistema de desinformação”, observa o académico.

Um “problema colectivo”

Pickard defende que para a democracia prosperar, precisa de jornalismo: “Um jornalismo que escrutine, de investigação. Este é um papel que está a desaparecer e é um dos falhanços do mercado.”

De acordo com o investigador, a imprensa procura há demasiado tempo um modelo de sustentabilidade económica, mas não poderá sobreviver sem ser subsidiada. A vertente comercial do jornalismo sempre o deixou “vulnerável”, e os avanços tecnológicos vieram expor esta realidade. “Agora que o modelo de receitas publicitárias acabou, o modelo óbvio a seguir é aquele em que os consumidores de notícias pagam pela informação. Acreditámos que as paywalls iriam salvar o jornalismo e resolver a crise, mas os dados mostram que isso não está a resultar para a maior parte dos meios.”

Para Pickard, a solução para a sustentabilidade dos meios de comunicação social tem de passar por subsídios públicos: “A meu ver, os subsídios são a última e a melhor hipótese para o futuro do jornalismo, mas têm de ser feitos de maneira a garantir que são verdadeiramente públicos e democráticos.”

Combater a desinformação, garantir um jornalismo livre, identificar a propaganda, são combates que têm de ser vistos como um “problema colectivo” para o qual a sociedade tem de encontrar uma “resposta colectiva, através de políticas públicas”, sublinha. “Há um limite para o que cada um pode fazer, mas como comunidade podemos fazer muita coisa”.

Nada disto é novo para Victor Pickard, que diz ter as mesmas conversas há dez anos. Mas, “estranhamente” (a palavra é dele), mantém o optimismo em relação ao futuro. No jornalismo, considera que “esta crise pode ser uma oportunidade para criar algo melhor” do que existia antes. “Não penso que o cenário seja completamente desastroso, penso que há lugar para um optimismo cauteloso.”

Teresa Abecasis – “Público” 13 janeiro 2020

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