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Um presidente à antiga (Victor Bandarra)

8 de Abril de 2019


Renato sempre jurou nunca ter metido “cunhas”, nem aos de cima nem aos de baixo. Gabava-se também de nunca ter dado emprego a um único familiar na Junta de Freguesia de que era presidente. Morreu de repente, na década de 90, durante uma ceia bem regada. Renato, optimista encartado e senhor das suas graças, havia de rebolar-se de gozo com as recentes polémicas sobre a familiaridade de alguns membros do governo de Costa. Em ano de eleições, sibilinos aprendizes de Maquiavel ressuscitaram laços de parentesco observados há muito no conselho de ministros e em outras cadeiras. Neste ano de eleições, nem o impacto dos novos passes sociais nem os bons números do desemprego e da economia conseguem evitar que muitos portugueses suspeitem de que se andam a arranjar “tachos” para a prima da mulher do sogro do secretário de Estado e afins. É assim a vida, é assim Portugal.

Nepotismo, do latim, significa literalmente “neto” ou “descendente”. Há séculos que Maquiavel aconselhou os líderes políticos:“Aos amigos os favores, aos inimigos a Lei”. Há quem diga que um tal Óscar Benevides, presidente do Peru na década de 30, maquiavélico no tratamento dado aos inimigos, utilizava muito a mesma máxima. Por cá, o florentino político e brilhante jurista Almeida Santos não se livra da fama de ter burilado a ideia de Maquiavel: “Para os amigos tudo! Para os inimigos nada! Quanto aos restantes… cumpra-se a Lei!” Almeida Santos, genial conversador e observador, escrevia à mão, todos os anos, cerca de 1500 postais de Natal. Para os amigos, acrescentava um cartão pessoal. Quanto a “cunhas”, confessou um dia que sim senhor, metia por vezes uma “cunhazita”, apenas por “uma questão de humanidade”. Nas disputas eleitorais em que participou nunca os seus inimigos tiveram coragem para o acusar de nepotismo ou compadrio.

     Renato, político autodidacta e crónico vencedor de eleições, não leu Maquiavel mas era fã de Almeida Santos. Em certa campanha eleitoral, deu-lhe para acusar o rival (ex-presidente da Junta de Freguesia vizinha) de ser useiro e vezeiro em meter a família a trabalhar na junta e nos serviços públicos. Renato ganhou facilmente as eleições. E quando, na jantarada de comemoração, amigos lhe apontaram algum nepotismo na escolha da sua equipa, Renato abriu os braços de espanto. “Eu?! Não meti nem um familiar na Junta! Limitei-me a dar emprego à minha amante!”

Victor Bandarra – “Correio da Manhã” 07 abril 2019

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