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“Estás a apontar? Dispara!”

14 de Abril de 2018


Hoje é sexta-feira. Dia de Marcha pelo Direito ao Retorno, em Gaza.
Há um campo árido naquele longe constituído pela fronteira da faixa de Gaza. Percebem-se movimentações de figuras humanas. Do lado de cá, do lado de quem observa através de uma mira telescópica, ouvem-se vozes. Procuram a melhor oportunidade. O que se presume ser uma voz de comando, pergunta: “estás a apontar? Dispara!”. (Valdemar Cruz)

O tiro não sai de imediato. Aparece uma criança. Uns segundos depois, um só tiro, uma só bala na cabeça de um jovem desarmado e está mais um palestiniano morto na fronteira da Faixa de Gaza. Ouvem-se gritos de celebração dos soldados israelitas. Um dos francoatiradores grita: “Oh, que vídeo. Yess! Filho da puta”. Outra voz diz que estão a correr para evacuar a vítima. De novo uma voz: “Deu-lhe na cabeça. Que grande vídeo”.

Lembram-se das últimas palavras proferidas pelo coronel Kurtz no final de Apocalipse Now? “The horror. The horror”. Ali era o Vietname. Aqui é o eterno terror, o constante massacre consentido pela comunidade internacional. Israel goza de um estatuto único no mundo de absoluta impunidade.

Aquele vídeo está a desencadear ondas de choque. Terá sido feito em dezembro do ano passado, mas contém cenas que poderão repetir-se hoje, sexta-feira, mais um dia de Marcha pelo Direito ao Retorno, iniciada no passado dia 30 de março, por ser o Dia da Terra Palestiniana. A Marcha vai prolongar-se, com especial incidência às sextas-feiras, até 15 de maiodia que marca a expulsão das suas terras, em 1948, de centenas de milhares de palestinianos durante o conflito que desembocou na criação do estado de Israel. A data é denominada Nakba (catástrofe em árabe).

“Independentemente de o vídeo ter sido gravado há um mês ou há uma semana, todos os que servimos em territórios da Palestina sabemos que mais de 50 anos de ocupação conduziram a uma grande corrupção moral, ao ponto de se disparar contra civis desarmados”. As palavras são da ONG israelita Breaking the Silence(Quebrando o Silêncio), composta por antigos militares que se opõem á ocupação da Palestina.

O exército israelita já confirmou que o vídeo é autêntico, e anunciou que vai abrir um inquérito.

No vocabulário israelita, um palestiniano é um terrorista. Talvez por isso, o ministro da Defesa de Israel, Avigdor Lieberman afirmou, depois de ter visto as imagens, que “o francoatirador de Gaza merece ser condecorado, e o que fez as imagens despromovido”.

Num longo e bem documentado artigo, de leitura indispensável, publicado quarta-feira no Expresso Diário, intitulado “O Governo de Israel insulta a história dos judeus”, Daniel Oliveira sublinhava que as sociedades israelita e palestiniana estão doentes de tanta dor e tanta guerra.

Este texto e o seu conteúdo são chocantes? Infinitamente mais chocante é a continuada prática de crimes de guerra na faixa de Gaza ter entrado no banal quotidiano, perante a indiferença mediática e o silêncio cúmplice da comunidade internacional.

“Estás a apontar? Dispara!”.

Valdemar Cruz – “Expresso” Curto – 13 abril 2018

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