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Portugal, a liberdade de imprensa e a sombra de Angola

29 de Janeiro de 2012


Não é preciso qualquer takeover sobre os meios de comunicação social lusa para as críticas a Angola serem silenciadas. (Francisco Teixeira da Mota)

“A França continua num decepcionante 38.º lugar (numa lista de 179 países) mantendo-se as preocupações relativamente à protecção da confidencialidade das fontes e à capacidade de jornalistas de investigação para informarem sobre pessoas influentes próximas do governo. A Itália (61.º lugar), que ainda tem cerca de uma dúzia de jornalistas sob protecção policial, virou a página em vários anos de conflito de interesses com a saída do poder de Silvio Berlusconi”.

Este pequeno excerto do relatório da prestigiada organização sem fins lucrativos Repórteres Sem Fronteiras (RSF) fornece-nos alguns elementos sobre os aspectos que são tidos em conta, anualmente, na elaboração do Índice Mundial da Liberdade de Imprensa. A RSF recolhe por meio de um inquérito através dos diversos ramos nacionais, bem como dos seus correspondentes e do contacto com jornalistas, académicos e cidadãos ligados à defesa dos direitos humanos, os dados que lhe permitem elaborar este importante instrumento que, fatalmente com alguma subjectividade e relatividade, nos permite perceber o que se vai passando pelo mundo quanto à liberdade de imprensa.

Os países classificados nos últimos cinco lugares – do 175.º a 179.º – em termos da liberdade de imprensa são o Irão, a Síria, o Turquemenistão, a Coreia do Norte e a Eritreia e os colocados nos cinco primeiros lugares são a Finlândia, a Noruega, a Estónia, a Holanda e a Áustria. O nosso país está classificado em 33.º lugar, em melhor posição que a já referida França (38.º), a Espanha (39.º) e os Estados Unidos da América (47.º). Esta classificação dos EUA, por exemplo, é justificada com o facto de só em dois meses, na sequência dos movimentos de protesto dos “ocupas” ou dos “indignados”, mais de 25 jornalistas terem sido objecto de detenções e de agressões policiais e ainda de acusações de comportamentos ilícitos, perturbação da ordem pública e falta de credenciais. Em 2010, os EUA estavam classificados em 20.º lugar. Portugal estava colocado em 40.º lugar, tendo subido sete lugares neste ranking , o que é motivo de natural satisfação. Em 2011, a RSF refere dois casos marcantes relativamente ao nosso país: o famoso caso das listas dos contactos telefónicos do jornalista Nuno Simas, obtidas pelas polícias secretas ilegalmente e sobre o qual corre um processo judicial ainda sob a forma de inquérito em segredo de justiça e que veio levantar o véu sobre as promíscuas relações entre a espionagem, o mundo dos negócios, os partidos políticos e um ramo da maçonaria assaz suspeito, e o insólito caso da “apreensão” do gravador dos jornalistas da revista Sábado por parte do deputado Ricardo Rodrigues.

São, na verdade, dois casos que correm (por assim dizer…) nos nossos tribunais e em que a liberdade da imprensa foi posta em causa de uma forma directa e chocante, mas, como todos sabemos, há formas mais insidiosas e menos visíveis de a liberdade de imprensa ser violada que, convém também lembrar, não é uma liberdade para ou dos jornalistas, mas uma liberdade e uma garantia para todos nós. Infelizmente, há quem não compreenda isso e que a protecção do sigilo das fontes, isto é, a garantia de que os jornalistas não revelarão as suas fontes de informação, não visa proteger os jornalistas, mas sim assegurar-nos a todos que não deixarão de existir fontes e a informação não secará… Porque se é verdade que, por regra, as fontes de informação devem assumir-se publicamente como tal, também é verdade que em muitos casos tal não é possível ou exigível. Basta pensar nos condicionalismos económicos, hierárquicos ou outros que podem existir e que levarão uma pessoa normal a não prestar informações socialmente relevantes se houver o risco de se saber que foi ela que as forneceu ao jornalista.

Esta semana fomos confrontados com uma das questões mais insidiosas da erosão da liberdade de imprensa e que esperamos não escape à RSF no relatório sobre 2012. No passado dia 21, Pacheco Pereira na sua crónica semanal afirmava, a dado ponto: “Outra característica desta “área de negócios politizados” é a de estar cada vez mais ligada a capitais com origem em países onde a corrupção é uma forma de poder e os sistemas políticos são autoritários, como é o caso típico dos capitais angolanos que aí abundam. Esses capitais têm todos um pequeno problema, que pelos vistos não interessa a ninguém, que é o de serem milhares de milhões com origem em pessoas que legalmente ganham apenas umas centenas de dólares no seu cargo político. Aproveitem para ler isto hoje no PÚBLICO, porque a continuar o takeover angolano sobre os órgãos de informação portugueses, em breve isto não poderá ser dito em quase lado nenhum”.

Ora, pelo que até agora já se sabe sobre o fim do programa de opinião Este Tempo , da RDP, parece claro que não é preciso qualquer takeover sobre os meios de comunicação social lusa para as opiniões críticas sobre Angola serem silenciadas. Segundo o que até agora foi noticiado, terá sido uma crónica do jornalista Pedro Rosa Mendes com criticas sobre a emissão especial de Angola (classificada em 132.º lugar no Índice da RSF) do programa Prós e Contras da RTP, do passado dia 16 de Janeiro, que contou com a participação do inefável ministro Miguel Relvas – que tive o bom senso de nem sequer vislumbrar – que terá provocado o abrupto fim do programa. Segundo Pedro Rosa Mendes – que gosta das palavras e não tem medo de as usar – foi “um acto de censura pura e dura”. Parece que a ERC quer ouvir a RDP sobre o fim do programa. Se assim for, será a sua primeira prova de fogo…

Francisco Teixeira da Mota, Advogado – “Público” 27 Jan 2012

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1 Comentário »

  • O caso RDP | No Reino da Dinamarca said:

    […] e media. Com a significativa adenda, que vai desassossegando com muita razão Pacheco Pereira e Francisco Teixeira da Mota, de que nos últimos anos, e como tendência que prossegue no futuro próximo, são cada vez mais […]

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