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E se o “Diário de Notícias” fosse um jornal sério?

25 de Novembro de 2010


O “Diário de Notícias” deu hoje à luz um texto com o qual diz querer fazer «um exercício de história contrafactual», que é, só por si, um conceito abstruso — fazer a história do que não aconteceu e talvez pudesse, eventualmente, ter acontecido se…
O «exercício» consiste em responder à pergunta «25 de Novembro: E se tivesse sido ao contrário?». Os pressupostos de que parte mostram que não se trata de um «exercício de história contrafactual», mas sim de uma pura e dura «contrafacção histórica». (JAG)

O autor do texto omite qualquer referência a um golpe de Estado e considera que havia duas facções militares em confronto: uma a que chama «os moderados», outra a que chama «a Esquerda Radical» (com direito a maiúsculas, para dar a ideia de que era uma coisa institucionalizada).

Tento imaginar o então major Jaime Neves e mais umas dúzias de bem conhecidos capitães, coronéis e generais no papel de «moderados» e só consigo rir às gargalhadas.

O mesmo acontece quando leio na peça do “DN” que «a Esquerda Radical» era afecta ao PCP. Terá o autor do texto alguma ideia, mesmo aproximada, da influência das diversas forças políticas nas Forças Armadas entre o 25 de Abril e o 25 de Novembro?

Idêntica pergunta para a taxativa afirmação de que o MRPP era «uma das excepções na extrema-esquerda, ou seja, a extrema-esquerda desalinhada com o PCP». Quererá o autor da contrafacção histórica identificar qual era a extrema-esquerda alinhada com o PCP? Em especial, no contexto do 25 de Novembro. Também seria útil identificar com quem estava o MRPP alinhado.

E que é feito, nesta história, do PRP? E da LUAR? E da UDP?

Uma contradição insanável do texto é começar por dizer que a «esquerda radical» militar era «afecta ao PCP» (um disparate monumental) para, dois parágrafos a seguir, afirmar que «a chamada “esquerda radical” rodeava no Copcon o respectivo chefe, Otelo Saraiva de Carvalho». O que equivale a dizer que Otelo era afecto ao PCP. Sem comentários.

O facto de o único confronto armado ter ocorrido quando os comandos de Jaime Neves cercaram o quartel da Polícia Militar de Mário Tomé não faz agitar nenhum neurónio?

É sabido que o PCP não tinha qualquer tipo de controlo sobre as unidades militares que estiveram envolvidas directamente no 25 de Novembro. É, igualmente, sabido que o PCP deu instruções a todas as suas organizações para não se envolverem em iniciativas disparatadas.
Apesar disso, o “DN” tem tido, sobre o 25 de Novembro, uma prática de revisionismo histórico com base em relatos fantasiosos mais do que enviesados.

Desta vez não se contenta em inventar o 25 de Novembro — vai mais longe e faz um «exercício» de invenção sobre a invenção.

Para a contrafacção ser completa, o “DN” não inclui qualquer depoimento de um dirigente do PCP, apesar de o textozinho não ser sobre o 25 de Novembro e sim sobre o que outros dizem que os malandros dos comunistas poderiam fazer, se…

Para mim, que sei o que se passou há 35 anos e vivo em 2011, há outros what ifs mais interessantes. Por exemplo: e se o “Diário de Notícias” fosse um jornal sério?

João Alferes Gonçalves

Texto do “Diário de Notícias”:

25 de Novembro: E se tivesse sido ao contrário?

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4 Comentários »

  • Carlos Filipe said:

    Benovelencia a mais, para com esta conspurcação da história.
    Só o fizeram, o 25Nov, porque primeiro conseguiram destruir a RR.

  • Miguel Marujo said:

    Afirmar como faz o autor que o “PCP não tinha qualquer tipo de controlo sobre as unidades militares que estiveram envolvidas” é de uma factualidade histórica já rebatida. Mas ficamos sempre a aprender: o Clube de Jornalistas pelos vistos acolhe no seu seio apenas uma verdade histórica, que passa por nunca questionar a verdade de um partido que tem sérias dificuldades com a verdade e com a História – o PCP. Já agora: valia a pena ao autor destas linhas não enviesar quem o lê, informando que aquele texto era acompanhado de outros que faziam a história do dia, e onde se dava conta do papel do PCP.

  • João Alferes Gonçalves (author) said:

    1 – A frase do autor não é aquela que coloca entre aspas. Falta-lhe o advérbio «directamente», que teve o cuidado de podar. Quanto aos rebatimentos, é a sua opinião.

    2 – Congratulo-me por lhe dar a oportunidade de aprender mais uma coisa: O Clube de Jornalistas não tem por missão questionar seja que partido for, seja sobre o que for. O «site» do Clube de Jornalistas é um espaço onde se discute jornalismo e acolhe todas as opiniões, como, aliás, é fácil de comprovar consultando o arquivo do «site». Opiniões que — fica a saber mais uma coisa — apenas vinculam os seus autores e não o Clube de Jornalistas.

    3 – O autor inseriu um «link» para o artigo que comentou. Como os leitores não são estúpidos, tiveram, certamente, oportunidade de ler todas as peças que entenderam, as quais, aliás, não invalidam nada do que foi escrito no comentário. Pelo contrário. Além disso, os opinadores não enviesam os leitores, como sugere, mas sim os factos, quando os enviesam.

    JAG

  • Diamantino Carvalho said:

    Estou de acordo grosso modo como artigo publicado pelo JAG.

    É por demais sabido que por esse período já a CIA actuava em força, criando e alimentando estratégias que pusessem em causa as forças progressistas, que nesse momento faziam esforços de unidade nacional para que a Revolução de 25 Abril não recuasse para o 24 de Abril.

    A prova é que depois do 25 de Novembro, todos nós, povo, temos vindo a perder, a maioria das conquistas obtidas com a revolução.
    Instalou-se novamente o medo nos empregos, o trabalho deixou de ser um direito, o desemprego, está na ordem do dia, porque já não há empresários, mas sim accionistas que querem ver lucros rapidamente do dinheiro que investem.
    A liberdade de imprensa continua a não existir. Os jornais são de quem detém o poder económico e este não admite que mexam com ele, muito menos sendo eles a pagar. Como dizia, um jornalista da América Latina, falando sobre o terrorismo mediático…agora na Europa os jornalistas não são censurados, auto censuram-se, porque sabem está em causa o seu posto de trabalho. Veja-se o que se passou nas Honduras, um golpe de estado com apoio americano, quase não é noticiado nos jornais portugueses, mesmo quando morrem jornalistas e populares na defesa da sua liberdade, e se mantém uma greve nacional por quase três meses. Onde estão os jornalistas que acusaram o Chavez, de estar contra a liberdade de imprensa, só porque pôs a Globovisão a transmitir por cabo, porque aquela há não pagavam os direitos de antena ao estado venezuelano. Diferentes modos de ver a liberdade de imprensa?

    Por isso não me admiro nada desse artigo do DN, já faz parte do Portugal actual.
    O poder económico manda no país, e por consequência no governo e em todos nós, mas será sempre enquanto “nós povo” quisermos, porque as armas da produção, e da riqueza deste país, como em todos os outros por esse mundo fora, está na maioria que trabalha diariamente.

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