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A privatização da RTP e o vírus da herpes

17 de Setembro de 2010


A ideia de acabar com o serviço público de rádio e de televisão é como o virus da herpes: fica adormecida durante largo tempo e de vez em quando tem uma erupção passageira.
O que não compreendo é como chegámos a 2010 e os defensores da extinção do serviço público continuam sem perceber o significado das palavras «serviço público» associadas à rádio e à televisão. Ou percebem muito bem e andam a enganar os crédulos.
A retórica pró-privatização tem um argumento (A RTP custa dinheiro ao Estado) e uma solução (encomenda-se o serviço público às estações privadas).

O argumento dos custos, só por si, é tonto — imaginemos alguém a defender a privatização da polícia porque a PSP custa dinheiro ao Estado. O que é necessário é saber onde se gasta o dinheiro, controlar os orçamentos e vigiar a sua execução. Que há custos excessivos ou desnecessários em parte do serviço público de rádio e televisão só pode ser novidade para os distraídos, mas a lição a extrair é a de que devem ser criados mecanismos de controlo mais eficazes.

A solução aventada é duplamente falaciosa. Admitindo, por redução ao absurdo, que se privatizaria a RTP, o Estado teria que continuar a dispender dinheiro com aquilo que se pensa que seria o «serviço público» encomendado às estações privadas. E nada garante que gastaria menos do que gasta agora, porque às despesas juntar-se-ia o inevitável lucro. Outra falácia – e bem anedótica – é dizer que se encomenda um serviço público de rádio e televisão a várias empresas privadas.

O nó do problema é que uma larga percentagem dos que falam em serviço público de rádio e de televisão confundem o serviço global que o Estado assegura com serviço ao público (os conteúdos distribuídos pelo serviço público). Alguns com má fé, mas a esmagadora maioria por ignorância.

Os CTT, cuja privatização parece ter já um calendário, são, agora, um serviço público e virão a ser, a curto prazo, um serviço privado. A privatização não altera, no essencial, a natureza do serviço ao público. As cartas continuarão a ser enviadas e recebidas e, se a privatização fosse operada secretamente de um dia para o outro, ninguém notaria a diferença.

O mesmo não acontece com o Serviço de Informações de Segurança, que é um serviço público e que presta um serviço ao público (indirecto, mas claramente um serviço aos cidadãos), mas não pode ser privatizado porque a sua actividade só tem razão de ser num quadro de serviço público.

Ou seja, há serviços públicos que podem ser privatizados e outros em que a privatização não faz sentido.

O que se passa com o serviço público de rádio e de televisão é que a razão da sua existência está na sua condição de serviço público (de propriedade do Estado, relembro) e não no facto de prestar, também, um serviço ao público.

Não vou, naturalmente, escalpelizar aqui todas as particularidades do serviço público de rádio e televisão. Fico pela informação, um dos pilares que justificam o serviço público, e o alvo oculto de quem defende a privatização.

Nas sociedades em que vivemos, os media privados pertencem a grupos económicos poderosos, com interesses repartidos por vários sectores de actividade e com ligações umbilicais a partidos e movimentos políticos de direita. As excepções contam-se pelos dedos de uma só mão.

É um facto que o conteúdo dos media reflecte, no que se refere às questões políticas e económicas estruturantes, o pensamento e os interesses dos grupos proprietários porque é assim a natureza das coisas. Isto significa que esses media dão, em determinadas circunstâncias, uma perspectiva enviesada ou parcial da realidade.

Embora com percursos diversos e em tempos diferentes, foram sendo desenvolvidos, na segunda metade do século XX, na Europa, no Canadá e no Japão, conceitos de grupos de media de propriedade pública que garantem aos cidadãos uma informação independente e pluralista. São os serviços públicos de rádio e de televisão.

Serviços públicos porque são propriedade pública e não porque difundam informação de utilidade pública, como a meteorologia ou as datas das vacinas da gripe. Esta visão redutora e anedótica do serviço público está, aliás, na origem da peregrina ideia de entregar os «conteúdos do serviço público» a empresas privadas.

Pergunto: se o conceito de serviço público é o de contrapor uma informação independente e pluralista à informação dos media privados, como se pode defender a extinção do serviço público e reduzir a produção de conteúdos informativos aos media privados?

Respondo: Não se pode. O objectivo é, mesmo, acabar com a informação independente e pluralista garantida pelo Estado.

Em desespero de causa, os defensores portugueses da extinção do serviço público argumentam com a interferência governamental no processo informativo da RTP. É um argumento fraco, porque essa interferência pode ser eliminada através da adopção de procedimentos e modos de organização do serviço público que estão em vigor noutros países.

Uma nota final: É interessante verificar que estas iniciativas desconchavadas contra a RTP coincidem com a pacífica consolidação dos serviços públicos de rádio e televisão nos países mais avançados da Europa e, até — pasme-se! — com a defesa, nos EUA, de soluções para os media que passam pela criação de entidades de natureza pública.

João Alferes Gonçalves

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4 Comentários »

  • lidia sousa said:

    já comentei e volto a repetir. Vou investigar melhor a ligação deste clube de Jornalistas à corporação RTP. Depois comento. Quanto À Rádio tambem serviço publico:. Só posso dizer que há dias surgiu-me um anuncio de “todos à chapada” Pensei tratar-de de um Parlamento do 3º Mundo e mudei. Voltei a ver tal nojeira e verifiquei tratar-se de 1 anuncio da antena 3- Fui ao Google ver o numero do telefone de tal rádio e liguei para o numero. Atendeu-me um homem que disse ninguem atender, mas que poderia ligar para as relações publicas da RTP. FIZ A MINHA RECLAMAÇÃO DIZENDO: COMO É POSSIVEL UMA RÁDIO PAGA PELOS CONTRIBUINTES TER FEITO UM TAL ANUNCIO EM QUE PESSOAS DÃO CHAPADAS COMO ALARVES UMAS NAS OUTRAS? DISSERAM-ME QUE IRIAM TRANSMITIR A MINHA QUEIXA. No dia seguinte resolvi saber o que era a antena 3 e quando vi que o Provedor era o Adelino Gomes, não tive coragem para telefonar mais, pois adoro aquele jornalista e lamento que ele seja provedor de tal coisa. Não me refiro à Rádio em si porque nunca ouvi, mas sim aos despesismo de fazer um tal anuncio que não sei a quem serve. Nem sei a quem serve tal serviço Publico- A mim não porque só vejo ocasionalmente o Telejornal, mas fico sempre mal disposta. Até o Director José Alberto de CARVALHO HÁ UM TEMPO ATRÁS TERMINOU O TELEJORNAL RELATANDO UMA POSSIVEL AMANTE DO SARKOZI E DO POSSIVEL AMANTE DA CARLA BRUNI. NEM ERA UMA NOTICIA ERA UMA ESPÉCIE DE NOTICIA QUE NÃO SERVIA UM TABELOIDE. Escrevi um mail à secretária, pois sua excelencia não recebe mails. Não obtive resposta. Depois disso várias noticias cor de rosa são ditas no Telejornal Estou agora a ver o Telejornal que até agora foi uma repetição da hora do almoço. Não me qualifiquem como fizeram acima, pois há muito que luto pela privatização de parte da RTP, pois o Canal 2 chegava muito bem para esse fim. Podem ver como foi feito em França o CHAINE 1, e vejam a programaçao de um efectivo serviço publico que informa as pessoas dos seus direitos,coisa que aqui o Publico em Geral não tem- No meu Bairro quem tem de ensinar as pessoas como,podem tratar dos seus assuntos sou eu, pois as juntas de freguesia são iguais à RTP, é só receber o ordenado ao fim do mês pois quem paga são sempre os contribuintes. Quanto ás estações de rádio, podem vende-las ao genro do Cavaco que assim pode aumentar o seu império. Se quiseram posso ir ao vosso clube para verem que não pertenço a nenhum poder oculto. Sou apenas uma cidadã que não concorda com esta enorme bola de neve que é a RTP e seus derivados. que custa milhões aos contribuintes. Até o Balsemão JÁ NÃO QUER A PRIVATIZAÇÃO AO CONTRÁRIO DO QUE ANDOU ANOS A PEDIR, POIS TEME QUE A FATIA DE PUBLICIDADE SE ENTREGUE A OUTRO PRIVADO QUALQUER VAI AFECTAR A QUOTA QUE TEM AGORA. Depois de investigar quem é o CLUBE DE JORNALISTAS, pois não tenho cá estado voltarei a comentar. Desculpem se fui injusta nalguma coisa, mas os Senhores tambem são injustos, pois milhares de pessoas com quem eu privo, não gostam dos conteudos da RTP E NÃO GOSTAM DE PAGAR A TAXA NA FACTURA DA EDP, POIS MUITOS PESSOAS QUE EU CONHEÇO TÊM CASAS DE FÉRIA, PAGAM A TAXA E NÃO TÊM TELEVISÃO.

  • João Alferes Gonçalves (author) said:

    Os comentários de Lídia Sousa referem-se a questões de que o «post» não trata. Limitei-me a sintetizar o conceito de serviço público, independentemente dos conteúdos emitidos pela RTP e do juizo que faço do serviço público de rádio e televisão em Portugal. A opinião expressa no «post» resume-se a dois pontos:

    1 – O serviço público de rádio e televisão é insubstituível. Pode ser eliminado, mas não é substituível por privados

    2 – As más práticas imputáveis à RTP não são argumento para criticar o serviço público porque podem e devem ser corrigidas

    Finalmente, um contributo para a investigação de Lídia Sousa sobre a «ligação» do Clube de Jornalistas à RTP: Em Dezembro de 2009 a RTP decidiu unilateralmente acabar com o programa quinzenal que o Clube de Jornalistas tinha na RTP2.

  • Serviço público. « O meu terceiro ano said:

    […] João Alferes Gonçalves, A privatização da RTP e o vírus da herpes […]

  • Joaquim Reis said:

    A todos, cordiais saudações.

    Antes de mais , uma pública declaração de interesses…
    …sou jornalista e, trabalho no serviço público de rádiodifusão.-Isto é , faço parte dos quadros da RTP, mais concretamente da rádio, antiga RDP, faz já vinte e três anos.
    Posto isto…
    …devo afirmar que sempre acreditei e, continuo a acreditar no Serviço Público. Seja este de Saúde,
    Justiça, Educação, Segurança Social, Defesa, Policia, Proteção Civil, etc, etc.. – Óbviamente, também de Rádio e Televisão.
    Em abono dos que possam estar a iniciar um processo de intenção, desde já informo não ter qualquer filiação ou simpatia partidária. -Sou isso sim, um antigo/eterno estudante de Coimbra, ferrenho da Académica (-Não faço informação desportiva!), escuteiro e ,tenente miliciano de infantaria na reserva.

    Informação, comunicação social, midia, são termos que todos utilizamos como sinónimos, mas que
    a bom rigor, o não são!- Hoje em dia com agências de comunicação e similares , com o predomínio dos grupos económicos sobre os midia, nem toda a comunicação social visa a informação , nem esta, bastas vezes cumpre o interesse público, no sentido mais nobre do que é , de facto informar.

    A necessidade de meios independentes dos interesses ( quaisquer que eles sejam) , é um principio obrigatório, um verdadeiro “não poder deixar de ser”! – Assim como são as Forças de Segurança, que devem ser o garante da nossa tranquilidade ( -e não uma qualquer companhia privada), também o mesmo acontece no campo da informação/comunicação social. -Sobretudo num meio capaz de influenciar decisivamente a propria sociedade, como o audiovisual.

    Longe de mim, pretender que só um meio público é capaz de isenção ou rigor…não, tal não seria verdadeiro.-Mas é precisamente porque ele existe que , serve de referencial , de estímulo aos restantes.

    Assim é e, se deve entender a existência do serviço público de rádio e televisão. -Assim se entende que em todas as sociedades democráticas exista este serviço, mesmo nos Estados Unidos, onde as grandes corporações privadas , numa perspectiva de negócio, se substituem à “coisa pública”.-Nas sociedades totalitárias o serviço público não serve de exemplo, pois não é aquí ,mais do que uma agência de propaganda às ordens do regime que serve e, não do superior “interesse público”.

    Por tudo isto , melhor andaria a discussão se, em vêz de privatização se falasse de desgovernamentalização da RTP… se não fosse o governo a nomear o conselho de administração, mas sim este a ser eleito por um conselho geral integrado pelas instituições da sociedade civil (sindicatos, partidos politicos, universidades, federações desportivas, etc.)…se os cargos directivos e chefias fossem cooptados internamente através de concurso+exame /público, presidido por júri independente e, com a opinião/aprovação dos conselhos respectivos(redacção, programas,etc.).

    Para quem ache que não passo de um utópico, devo informar que, se de algo posso ser acusado, é de falta de originalidade!-É que o modelo já existe…dá pelo nome de BBC!(basta copiar…assim haja coragem).

    Cumprimentos

    Joaquim Reis

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