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Sobre o ruído de fundo

30 de Janeiro de 2010


Entrei no JN quando as máquinas de escrever falavam. Na altura, também os jornalistas falavam. Além disso, conversavam, discutiam, contavam anedotas. Quase sempre em voz alta. As direcções e as chefias participavam no frenesim do nascimento diário do jornal. Os colaboradores, os tipógrafos, os funcionários administrativos, os contínuos também integravam o coro. A Redacção era um campo aberto. Comecei a aprender que era essencial ter voz para escrever.

Descobri que falar era pensar alto e redundava num compromisso público. Com a Empresa, a Sociedade, a Língua. Consequentemente, prenúncio de acção. Mas o matraqueado da máquina de escrever ficou como marcador ambiental. A Redacção assemelhava-se, a certas horas de ponta, a um pavilhão fabril e febril, a um concerto de teclados. Não é que tenha saudades das velhas máquinas. Digo-vos. Tenho saudades do ruído de fundo.

Ouvi dizer que o silêncio se impôs, pouco a pouco, de Sul para Norte. Os computadores não falam, já se sabia. Os jornalistas pouco falam ou falam de nada, foi duro de saber. Dizem-me que pensar é o que está dito, que agir é interdito. Também consta que os leitores dão mostras de impaciência com a quietude das redacções. A voz da rua não se reconhece. Já ninguém diz o meu jornal, o nosso jornal, a não ser algum accionista, governante ou banqueiro.

Convidaram-me a visitar uma plataforma logística multimédia. Perguntei se era algum armazém de sucata CO2. Juraram-me que era uma antiga redacção. Já sabia que os computadores trabalhavam pela calada. Preveniram-me que os jornalistas tapavam a boca por causa da gripe que afecta a classe, desde que o poder das redacções foi esvaziado na Lei de Imprensa; desde que privatizaram o Sector de Comunicação Social do Estado; desde que iniciaram a limpeza da geração das conquistas democráticas; desde que as entidades patronais deixaram cair o princípio de negociação; desde que se concedeu Carteira Profissional a todos os que assinavam o nome; desde que encerraram a Caixa de Previdência, mandando os beneficiários e os seus descontos para as filas de espera.

Mas hoje sinto a falta de ruído. A última máquina foi uma Messa. Se a interrogarem, fará saltar a tecla C: este tipo é Camarada. Se fizeram a mesma pergunta a um computador, é capaz também de fazer saltar a tecla C: este tipo é um Chip. É certo que sempre houve de tudo. É certo que também hoje há profissionais competentes e leais. Mas que tal a convocatória de um plenário contra o silêncio? A partir de 2010, nem que seja para comemorar o Centenário da República.

César Príncipe

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