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ERC regista como “informativo” site de desinformação e propaganda

27 de Janeiro de 2020


Em novembro, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social registou como “publicação de informação geral” um site que se apresenta como “jornal diário online“, sem qualquer jornalista responsável e que está na lista de “vigilância” do ISCTE para sites de desinformação. Solicitada a esclarecer, a ERC não respondeu. (Fernanda Câncio)

Um dos 47 sites sob vigilância no projeto Monitorização de propaganda e desinformação nas redes sociais do Medialab do ISCTE/Instituto Universitário de Lisboa, e que o sociólogo Gustavo Cardoso, coordenador do Medialab, descreve como “um site de propaganda”, foi registado em novembro pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social como “publicação periódica de informação geral”.

Apesar de não ter qualquer jornalista entre os seus responsáveis assumidos, o site em causa, intitulado Notícias Viriato (NV) e lançado em junho de 2019, apresenta-se como “um jornal diário online” e “um projeto de informação e comunicação” e, desde novembro, também como “um órgão de comunicação social registado na ERC”, ostentando assim o registo efetuado pelo regulador como um selo de credibilidade e legitimidade.

site foi aliás, como reconhece a análise da equipa do Medialab, que a 15 de janeiro, a pedido do DN, se debruçou sobre o NV, “estruturado como um órgão de comunicação social online, tradicional”. Os conteúdos, porém, são “propagandísticos”, afirma Gustavo Cardoso, o coordenador do Medialab, que é taxativo: “O site partilha uma visão ideológica que o afasta de poder ser um órgão de comunicação social tal como é entendido pela maioria dos profissionais jornalistas, académicos e público em geral.”

Conteúdos do NV foram já por mais de uma vez alvo de fact-checking pelo site especializado Polígrafo e pela secção de combate às fake news do jornal digital Observador ; o Medialab já se tinha anteriormente debruçado também sobre doisconteúdos do NV, ambos relativos a membros da família Mortágua – num caso, Mariana, a deputada do BE, no outro Camilo, pai desta e da irmã e também deputada do BE Joana – considerando que em ambos se tratava de “factos imprecisos”, colocando um na categoria “misleading content” (conteúdo enganador) e outro de “acusações não fundamentadas”, categorizando-o como “false context” (contexto falso) além de “misleading content”.

Estas análises do Medialab, públicas, precederam o registo definitivo do site pela ERC como “publicação periódica de informação geral”.

“O último bastião contra a desinformação”

Mas antes de nos debruçarmos sobre o que define, do ponto de vista da lei e dos regulamentos, uma “publicação de informação geral”, e que critérios permitem um registo nesses termos, uma pergunta: a partir do momento em que um site está registado na ERC com essa classificação, pode afirmar-se como “um jornal diário online” e “um órgão de comunicação social”?

Leonete Botelho, presidente da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, órgão independente de direito público que certifica os jornalistas e partilha com a ERC a fiscalização da observância dos respetivos direitos e deveres, vertidos na Lei do Estatuto de Jornalista, não hesita: “Não. No nosso entendimento não se pode considerar um jornal, porque desde logo tem de ter jornalistas e praticar jornalismo. O mesmo vale para o termo ‘órgão de comunicação social’.”

Mas esta jornalista do Público, primeira profissional do setor a presidir à CCPJ desde a sua criação, em 1995 (anteriores presidentes eram juízes), admite que “a lei e as regulamentações são completamente confusas e há uma grande desadequação aos dias de hoje. A legislação não responde ao panorama da comunicação social dos nossos tempos e torna muito difícil a atuação dos reguladores. A questão dos registos das publicações e a sua classificação é algo que nos preocupa desde o primeiro momento do nosso mandato [iniciado em janeiro de 2019], e já nos reunimos com a ERC para discutir este assunto. A grande ambição da comissão é que a lei faça a distinção entre publicação noticiosa e de informação”.

Mas ainda que a definição de uma publicação como “de informação geral” não implique, no entendimento da CCPJ, que se possa apresentar como um produto jornalístico, o que não se espera de certeza é que se trate de um projeto de desinformação e propaganda, frisa Gustavo Cardoso, que considera a confusão perigosa. “Se eu disser que sou informativo e tenho um determinado conjunto de características que são associadas a um produto informativo, as pessoas ficam a pensar que sou um produto de informação. Isto é um problema porque pretendo fazer-me passar por uma coisa que não sou.”

Um problema que se agudiza, evidentemente, quando o próprio regulador parece legitimar o logro. Ironia tanto maior, sublinha o sociólogo, quando o NV, que ostenta como mote a frase “resistência à tirania” e inclui uma secção intitulada “censura”, se apresenta como “o último bastião contra a desinformação”, apresentação que o sociólogo diz ser comum aos “sites que tentam propagandear uma determinada visão”.

“A desinformação é uma ferramenta da propaganda”

E o que entende Cardoso por propaganda? “É um modo específico sistemático de persuadir visando influenciar com fins ideológicos e políticos as emoções, atitudes, opiniões ou ações do público-alvo, cujo uso primário advém de contexto político, referindo-se geralmente aos esforços de persuasão patrocinados por governos e partidos políticos.”

Quanto à desinformação, prossegue, “é uma ferramenta da propaganda: a utilização das técnicas de comunicação e informação para induzir em erro ou dar uma falsa imagem da realidade, mediante a supressão ou a ocultação de informações, minimização da sua importância ou modificação do seu sentido”.

Há, assim, explica, “sites/páginas/grupos de propaganda que podem conter desinformação. E há grupos e páginas que não sendo de propaganda acumulam várias fontes e origens de posts que contêm propaganda sob a forma de desinformação, fake news ou outras formas de apresentação”.

Propaganda e desinformação, talvez seja preciso repetir, são antónimos de informação – e mais ainda de jornalismo – este implica verificação, confronto de versões, ouvir as partes atendíveis, separar factos de opiniões e atribuir estas, não fazer acusações sem provas, etc. A confusão entre estes conceitos e práticas é uma preocupação cada vez maior nos últimos tempos, sendo vista como um perigo para a democracia. No combate ao fenómeno é suposto estarem, na primeira linha, as instituições que regulam os media, como a ERC.

Esta publicou em abril de 2019 um estudo/relatório intitulado “A desinformação – contexto europeu e nacional”, no qual se lê: “O desenvolvimento do ambiente digital propiciou a proliferação de sítios online e contas em plataformas digitais que apresentam conteúdos confundíveis com informação noticiosa.”

Grande parte destes sítios, diz o relatório, “apresenta-se como se de órgãos de comunicação social se tratasse, começando pelo nome sugestivo. Muitos destes nomes destinam-se a iludir os seus seguidores de que os conteúdos que partilham consistem em informação noticiosa”.

Por norma, descreve a ERC, esses sites “alimentam as suas páginas através da partilha de textos de verdadeiros órgãos de comunicação social, angariam visitas e partilhas, muitas vezes superiores ao autor original, gerando elevado tráfego nas suas páginas que reverte em pagamento em publicidade pelo Google e um alcance nas redes sociais que é medido pelos milhares de partilhas e reações que colhem e que os tornam cada vez mais visíveis, ganhando primazia no algoritmo do Facebook e assim atingindo ainda mais utilizadores (…). Em conjunto com informação partilhada a partir de outros sítios, alguns deles de órgãos de comunicação social, difundem conteúdos manipulados”.

Uma realidade, conclui a ERC, que “pode levar os cidadãos a atribuir credibilidade a entidades que se afastam do valor social inerente à produção de informação jornalística, cabendo ao regulador dos media proteger os cidadãos destes conteúdos que, aparentando ser notícias, não o sejam”.

Site indicou “ciganos” como responsáveis pela morte de Luís Giovani

O Notícias Viriato parece caber como uma luva na descrição. Desde logo, pelo título, que inclui a palavra “notícias”; assim como pela forma como se apresenta e estrutura, já referidas. Mas não só.

A maioria esmagadora dos conteúdos – à exceção de entrevistas de produção própria, todas a figuras conotadas com a direita, sobretudo a mais conservadora e nacionalista e mesmo com a extrema-direita (o primeiro entrevistado foi o líder do movimento Nova Portugalidade; o líder do Chega, André Ventura, o do PNR, José Pinto Coelho, assim como o do Partido Pró-Vida, e o padre Portocarrero de Almada, conhecido pelas suas posições extremamente conservadoras, são outros dos escolhidos nos pouco mais de seis meses de existência do site) – são, lê-se na análise do Medialab, “traduções/adaptações de artigos de outras fontes, por vezes órgãos de comunicação social reconhecidos, outras vezes websites com pendor nacionalista e/ou de extrema direita”.

Além de não efetuar uma distinção clara, no seu layout ou desenho, entre os textos que pretendem ser “notícias” e os que assumem ser “opinião” (para encontrar essa distinção é preciso chegar ao final dos textos, onde se encontra em letras minúsculas); o Medialab reparou que “a data muito raramente pode ser vista antes da entrada na publicação, o que, por exemplo, pode trazer problemas de compreensão do espetro temporal quando publicados nas redes sociais” – e permite que haja conteúdos referentes a textos publicados noutros locais, sobretudo estrangeiros, com anos, que aparecem como se fossem atuais. Tudo características que o afastam das de um site de informação/noticioso e que propiciam a tal “angariação de visitas e partilhas” que gera “tráfego”, indicada no diagnóstico da ERC.

E resulta: a página de Facebook do NV é de entre as 47 monitorizadas pelo Medialab “a quinta com mais interações (likes, comentários e partilhas)” e tinha sido aquela que mais crescera nos sete dias anteriores à data de publicação da análise.

Esse pico de atenção, que o Medialab registou como respondendo a um crescimento de 81,2% nos likes na semana de 8 a 15 de janeiro, deveu-se a duas publicações.

A primeira é de 9 de janeiro e trata-se de um texto que acusa “rapazes ciganos” de responsabilidade na morte do jovem cabo-verdiano Luís Giovani em Bragança (sem qualquer consubstanciação para tal a não ser a citação de um post num blogue, que por sua vez não cita qualquer fonte).

A segunda, e que mais interações granjeou, é a partilha de um vídeo no qual quem se apresenta como proprietário e diretor do NV, um jovem de 20 anos de nome António Pedro Cláudio Abreu, surge na marcha de homenagem a Giovani em Lisboa, ocorrida a 11 de janeiro, em alegada “reportagem”, durante a qual repete essa acusação genérica, interpelando duas pessoas – o dirigente do SOS Racismo Mamadou Ba e um jornalista da RTP -, às quais pergunta “porque é que quando soube que foram ciganos não noticiou? Porque é que quando eram brancos andavam aí a reportar, e quando são ciganos já não reportam? Não acha que isso é racismo contra brancos?”

“A comunicação social dominante oculta a identidade de criminosos”

Como é sabido, no momento em que estas afirmações/acusações foram feitas ainda não tinham sido identificados quaisquer suspeitos pela morte de Luís Giovani; a situação mudou entretanto, com o anúncio da detenção, a 17 de janeiro, de cinco homens, indiciados por homicídio qualificado, e com a afirmação, pela Polícia Judiciária, de que “não se trata de um grupo de ciganos”.

Ainda assim, a entrada no NV que imputa a responsabilidade pela morte de Giovani a “rapazes ciganos” continuou online, sem qualquer retificação ou nota, até 22 de janeiro, quando foi publicado um texto intitulado “Correção e pedido de desculpas sobre a notícia dos responsáveis pelo homicídio de Luís Giovani”.

Insistindo assim em apelidar de “notícia” o que não era mais do que a cópia de um texto de um blogue, a “correção” volta a tomar como referência um texto no mesmo sentido publicado nesse dia no referido blogue, que descreve como “conhecido e reputado blogue informativo, uma referência maior a nível nacional”.

Daí que, argumenta-se, “o Notícias Viriato partilhou as suas informações e alegações, em nome da confiança depositada no seu autor e no rigor dos factos que dispunha e conhecia na altura, e nada mais”. Que rigor e que factos não identifica, mas assegura: “Nunca foi a nossa intenção publicar informação errada e, por isso, lamentamos a perturbação gerada e pedimos as mais profundas desculpas aos visados e aos leitores. (…) O Notícias Viriato tem sete meses de vida e esta foi a nossa primeira partilha de informação errada, e, como tal, fazemos a devida retratação e pedido de desculpas, como iremos fazer sempre que falharmos.”

No post no Facebook em que partilha o vídeo da “reportagem” na marcha de Giovani e no qual repete a imputação a “ciganos”, porém, não existe qualquer nota, correção ou pedido de desculpas. Tão-pouco há alguma nota ou pedido de desculpas no texto de 15 de janeiro publicado no NV, e também partilhado no Facebook, no qual reage à polémica criada nas redes sociais pelo referido vídeo, polémica essa suscitada não só pela imputação do crime a “ciganos” mas também pela forma como abordou Mamadou Ba e o jornalista da RTP e por se apresentar como “repórter”.

Nessa reação, o NV afirma: “A comunicação social dominante não pode nem deve ocultar informação de acordo com agendas ideológicas. Os jornais, televisões e rádio, cumprindo as recomendações da Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação Racial, com o objetivo de ‘diminuir o racismo’ ocultando as identidades de criminosos, apenas estão a criar mais conflito e divisão racial. O Notícias Viriato recusa ignorar a verdade e não participa nesta fraude jornalística.”

No início do texto, lê-se: “O Notícias Viriato é um jornal online registado na Entidade Reguladora da Comunicação Social com o número 127352.”

Sublinhe-se que no relatório citado, publicado em abril, o regulador defende “a consagração de norma específica que adote (…) uma definição de desinformação e que preveja a sua ilicitude quando relacionada com a violação de princípios e valores essenciais (dignidade da pessoa humana, igualdade, não discriminação, segurança e ordem públicas, saúde pública, entre outros)”. Sugere-se ainda que possam ser criadas “listas de sites ou páginas comprovadamente de notícias falsas, suscetíveis de serem confundidos com órgãos de comunicação social”, e que se crie um “selo identificativo” a atribuir aos “novos media” para que o público os possa “identificar como uma fonte de conhecimento diferenciada”

Exigir deveres jornalísticos a publicações sem jornalistas?

Naturalmente, o DN tentou saber junto da ERC quais os critérios que usa para atribuir o registo de “publicação de informação geral” e de que forma se assegura de que não está a legitimar os mesmíssimos sites de desinformação que quer combater, questionando também o regulador sobre se recebera queixas relativas ao NV. O primeiro pedido, consistindo numa série de perguntas (enviadas por escrito a pedido do regulador), data de 15 de janeiro; o segundo, também por escrito, de 21. Não houve qualquer resposta até ao fecho deste texto.

Olhemos então para o enquadramento legal, o qual, como já vimos, a presidente da Comissão da Carteira reputa de “confuso e desadequado à atualidade”.

A lei (de Imprensa) estabelece a existência de “empresas noticiosas” – “as que têm por objeto principal a recolha e a distribuição de notícias, comentários ou imagens”- e de “publicações doutrinárias e informativas”. No primeiro caso, trata-se daquelas que, “pelo conteúdo ou perspetiva de abordagem, visem predominantemente divulgar qualquer ideologia ou credo religioso”. As segundas são “as que visem predominantemente a difusão de informações ou notícias”. Nestas, distingue entre as “de informação geral”, que “tenham por objeto predominante a divulgação de notícias ou informações de caráter não especializado”, e as especializadas.

Não há mais nada que permita distinguir entre publicações de informação geral e publicações noticiosas. Pelo contrário até, já que para o registo de publicação de informação geral se exige, além do pagamento de emolumentos e da referência do nome, morada, NIF, telefone e e-mail de um indivíduo ou empresa, a existência de um estatuto editorial que “defina claramente a sua [da publicação] orientação e os seus objetivos e inclua o compromisso de assegurar o respeito pelos princípios deontológicos e pela ética profissional dos jornalistas, assim como pela boa-fé dos leitores”.

Esta exigência parece implicar não só que é suposto haver jornalistas responsáveis pela publicação “de informação geral” como que está em causa a produção de informação jornalística – ou seja, de acordo com as regras que regem a profissão, e que estão vertidas na lei do Estatuto de Jornalista. De outro modo não faria sentido exigir “o respeito pelos princípios deontológicos e pela ética profissional dos jornalistas”.

“Não podemos negar carteira por violações deontológicas antes da concessão da mesma”

No que respeita ao caso concreto do Notícias Viriato, a existência desta exigência deveria, à partida, impossibilitar o registo, já que não há jornalistas responsáveis pela publicação – como se deixa claro na apresentação do site, a 10 de junho de 2019: “Somos jovens portugueses sem formação em jornalismo, mas conscientes e conhecedores dos seus princípios, mecanismos, técnicas e regras básicas fundamentais, empenhados em desenvolver e aperfeiçoar todas estas dimensões, no sentido de oferecer gradualmente a melhor qualidade que nos for possivel a todas as áreas deste projecto.”

Mas, como sabemos, o registo não foi recusado. Na verdade, o que se passou foi o inverso: a partir do momento em que o site obteve o registo, tal deu legitimidade ao seu diretor/autor para requerer, invocando a sua condição de “diretor”, o título de “equiparado a jornalista” à Comissão da Carteira Profissional de Jornalista.

Os princípios deontológicos e a ética profissional dos jornalistas obrigam não só a “informar com rigor e isenção, rejeitando o sensacionalismo e demarcando claramente os factos da opinião”, como a “abster-se de formular acusações sem provas e respeitar a presunção de inocência”. O jornalista deve também “proceder à retificação das incorreções ou imprecisões que lhes sejam imputáveis”.

Não é difícil concluir que os conteúdos produzidos pelo NV violam todas estas regras. Por outro lado, se é crime de usurpação de funções alguém apresentar-se e trabalhar como jornalista sem estar munido da carteira profissional, a existência de um pedido pendente na CCPJ – é o caso, como confirma ao DN a respetiva presidente – permite que se possa fazê-lo. Mais uma pescadinha de rabo na boca, como a do registo que exige obrigações jornalísticas a quem não as pode exigir permitindo no entanto que passe a tê-las ao pedir a carteira.

Como se descalçam botas destas? Leonete Botelho garante que a CCPJ “já recusou carteiras porque consideramos que as publicações a que se referem não são jornalísticas. Tentamos verificar em concreto o tipo de publicação e as funções da pessoa”.

Não podendo falar do caso específico, explica que o procedimento passará por “fazer perguntas de maneira a que possamos ter uma decisão de acordo com a lei. O que não podemos fazer, porque não está previsto em lado nenhum, é negar carteiras profissionais por violação de deveres deontológicos antes da concessão da carteira”.

Morada de site é apartamento vazio

E a ERC pode “desregistar” um site se chegar à conclusão de que ele infringiu as normas e se insere no grupo dos que descreve no seu relatório sobre desinformação? Exigindo a lei que as publicações estejam registadas para poderem existir, significaria tal que o site teria de fechar, ou bastaria mudar de nome e deixar de se apresentar com um título que remeta para a ideia de informação? É que existe uma série de sites de propaganda e desinformação com conteúdos semelhantes e não consta que a ERC lhes tenha dado ordem de encerramento – ou, como foi o caso com o NV, os tenha contactado para os convidar a registarem-se.

Na verdade, do que o DN conseguiu perceber, o registo é sobretudo um ato burocrático, que assumirá como verdadeiras as informações prestadas por quem o requer e não passa por uma verdadeira análise de conteúdos – não havendo após a concessão qualquer cuidado em verificar se a publicação observa o tal “respeito pela boa-fé dos leitores” e pelas normas éticas do jornalismo que se exige à partida. Todo o processo fiscalizador passará sobretudo por participações ou queixas.

Apesar de a ERC não ter respondido à pergunta do DN sobre a existência ou não de participações em relação ao NV, oficiosamente o jornal soube que elas existiram; houve por exemplo quem tivesse contactado o departamento de transparência dos media por não ter encontrado o NV na respetiva base de dados, e onde é suposto encontrar a identificação da estrutura acionista das publicações, que tem de ser comunicada ao regulador.

lei especifica ainda em termos de transparência que tem de ser “comunicada à ERC a informação relativa aos principais fluxos financeiros para a gestão das entidades abrangidas”.

Porém, “esta obrigação é apenas aplicável às entidades que estejam obrigadas a ter contabilidade organizada de acordo com o normativo contabilístico aplicável ou por força de outras disposições legais em vigor”, e só a partir de fluxos financeiros superiores a 200 mil euros a declaração é obrigatória.

Como o site NV, cujo domínio, noticiasviriato.pt , foi criado a 28 de Janeiro de 2019 às 11 horas e quatro minutos na plataforma Wix, está registado em nome de uma pessoa singular – o já referido António Pedro Cláudio Abreu, um estudante universitário de 20 anos – não está obrigado a contabilidade organizada. No caso não há pois transparência. Aliás a sua falta é tal que a morada apresentada no site como sendo a respetiva sede – Rua António Batalha Reis, n.º 5, 1.º esquerdo, em Torres Vedras – corresponde a um apartamento que se encontra vazio e à venda.

Há, de acordo com a página da ERC, mais de duas mil publicações registadas (2466 no fecho de 2019). Destas, 1725 como publicações periódicas, a maioria das quais como “de informação”. Quantas estarão na mesma situação que o NV?

Fernanda Câncio – “Diário de Notícias” 26 janeiro 2020

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