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Na morte de Luís de Barros

21 de Novembro de 2019


Luís de Barros, jornalista, sindicalista, governante, faleceu ontem.  Companheiro de uma vida inteira de Maria Teresa Horta, nossa escritora maior e também jornalista, com ela partilhou uma intensa  história de vida e de amor. Quando, há dois anos, publiquei o livro “O 25 de Novembro e os Media Estatizados”, e dado que ele e Saramago eram respectivamente Director e Subdirector do Diário de Notícias e foram saneados, fui a sua casa ouvi-lo para dizer de sua justiça. (RC)

Sempre a encaracolar calmamente os cabelos (característica que manteve desde que o conheci…), Luís de Barros, a meu pedido, começou por contar a sua história profissional e o modo como chegou a Subsecretário de Estado Social em 1974 e, depois, a director do Diário de Notícias.

“Tenho que recuar a 1973” – começou Luís. “Nessa altura, trabalhava n’ “A Capital” e pedi a demissão em Agosto por uma razão muito simples e óbvia: tinha sido enviado a Londres para fazer a cobertura da visita que Marcelo Caetano lá ia fazer; fui uns dias antes de Marcelo lá chegar; quando o 1º ministro aterrou em Londres, o João Gomes, que tinha ido no mesmo avião, avisou-me que as crónicas que eu estava a enviar para o meu jornal não tinham saído; telefonei de imediato para o Beça Múrias, que estava a substituir o Iriarte, o director era o M. José Homem de Melo, e perguntei-lhe o que é que se passava com os textos que tinha enviado, ele ficou muito enfiado, Ó Luís tem havido umas alterações, entrou para cá um gajo muito esquisito que eles aqui meteram, os textos assinados por mim eram alterados, tivemos que aceitar, sabes como é… Quando cheguei apresentei a minha demissão, falei com o administrador Luís Fontoura, “Vamo-nos sentar para esclarecer a coisa”, dinheiro para cima da mesa para me comprar, eu tinha sido eleito Presidente do Sindicato dos Jornalistas, tínhamos conseguido muito recentemente aumentos salariais na ordem dos 100%, foi uma coisa espantosa, fomos melhorando muitas coisas, e Fontoura a jogar com dinheiro, “eu dou-lhe 15, 16, 17, chegando aos 20 contos por mês”. “Ó doutor, eu não me vendo. Não gostei do que fizeram. Não admito. Vou-me embora”. E vim. Entretanto Pinto Balsemão convidou-me para uma conversa e propôs-me que eu fosse para chefe de redacção de uma publicação de economia que ia sair tendo como director o Leonardo Ferraz de Carvalho. Era um quinzenário e ficava no mesmo prédio do Expresso, no 3º andar, a dois passos do Marquês do Pombal. Aceitei, fui e detestei. Morria de tédio. O que é certo é que na madrugada do 25 de Abril, eram duas da madrugada, eu e a Teresa fomos acordados pela Isabel Barreno, noctívaga militante, “há qualquer coisa que está a acontecer, se isto é o Kaulza estamos feitas” (decorria nessa altura o julgamento das três Marias, no qual, como sabes, a Teresa era uma das acusadas), ouvi os noticiários seguintes e às tantas percebeu-se que tudo estava OK, malta fixe. Levanto-me e vou para o Expresso. Cheguei ao mesmo tempo que Balsemão que me diz: “Vá já para o Rádio Clube Português e passa a subchefe do Expresso”. Assim mesmo, sem tirar nem pôr.

Confesso no entanto que no Expresso, com o avanço do 25 de Abril, também se passaram coisas de que não gostei. Foi com alegria, pois, que fui convidado pelo José Carlos de Vasconcelos para o DN como subchefe de redacção. Fiquei de entrar no dia 1 de Agosto, mas entretanto houve um convite do major Sanches Osório, que tinha substituído o ministro Raul Rego, para eu ir para Subsecretário de Estado da Comunicação Social. Abordou-me sustentando que era importante que o Presidente do Sindicato, cargo para o qual eu tinha sido eleito, segurasse e assegurasse esta área, tendo eu respondido que só aceitava se fosse para avançar com o projecto de Lei de Imprensa, pois já havia um anteprojecto do Sindicato dos Jornalistas, que fora utilizado por Pinto Balsemão e Francisco Sá Carneiro para o projecto apresentado na Assembleia Nacional, o qual foi chumbado passando o projecto de Marcelo Caetano.

Sanches Osório esteve de acordo e só por isso aceitei o simpático convite. Mas acrescentei ainda outra ideia que queria ver concretizada: a constituição de uma comissão paritária de jornalistas e patrões, incluindo ainda uma representação dos três principais partidos (PCP, PS e PPD), para a redacção do projecto da Lei de Imprensa. Isso foi aprovado em Conselho de Ministros em Fevereiro de 75.

Entretanto caiu o III Governo e voltei para o DN, para onde José Carlos de Vasconcelos, que na altura era aí director-adjunto, me tinha convidado em Julho de 74 para subchefe de redacção.

Entrei no DN aí pelo dia 1 ou 2 de Março de 75, já a Lei de Imprensa estava aprovada – ainda lá se encontrava o Zé Carlos de Vasconcelos. Com o 11 de Março foi nomeada outra administração que substituiu também a direcção existente, sendo eu nomeado director. Fiquei assustado – percebi logo que ia entrar num grande buraco.

Mas isso é outra história. Comecei por propor para director adjunto o Joaquim Letria, que foi chumbado pela administração, que era composta pelo coronel Marcelino Marques (Presidente); pelo Correia da Fonseca (crítico de TV) e pelo arquitecto Solano de Almeida. A nova administração propôs-me José Saramago para director-adjunto – e eu aceitei.

Devo contudo dizer que no DN o Zé Saramago se revelou arrogante e desagradável – mas em todo o caso impecável no trabalho, ficávamos lá até ao fecho das edições, mas a acção que ele teve no processo dos 24 não foi a mais correcta, estava muito ligado à área militar radical, nomeadamente com o Varela Gomes, muito crítico pela aliança PCP-FUR, que só durou três dias, ou por aí.

O Mário de Carvalho era o responsável pelo sector de informação da DORL – Direcção da Organização Regional de Lisboa do PCP. A certa altura telefonou-me, fomos almoçar, depois da Assembleia de Tancos que destituiu o Vasco Gonçalves. Disse-me o Mário de Carvalho: o partido via com interesse uma entrevista com Melo Antunes, deixou de ter ligações connosco, era importante que o ouvíssemos. Cheguei ao jornal e disse isso ao Saramago: a direcção do partido vê a questão com bons olhos, também me parece que o devemos ouvir, vou marcar na agenda, quem faz a entrevista é o Mário Ventura. Fui perguntando mas havia sempre uma razão a justificar o ainda não ter sido feita. E chegou o 25 de Novembro.

Entretanto foi decretado o estado de emergência e logo a seguir sai em Diário do Governo um decreto de Costa Gomes dissolvendo as administrações e as direcções de todos os OCS públicos da Região Militar de Lisboa. Portanto, fui dissolvido enquanto director do DN. O resto já tu sabes: fui para o Diário imediatamente antes de sair o 1º número, como subchefe de redacção. Fui cobrir a Constituinte e depois a AR, fazendo diariamente uma crónica. Mais tarde passei para o Poder Local, a que o jornal dava grande atenção e era da maior importância. Eis, em súmula, a resposta às tuas questões”.

Foi então o momento em que pedi a Luís de Barros para me falar sobre o ambiente que se vivia na redacção do “Diário de Notícias” enquanto ele desempenhou as funções de Director. Sem qualquer hesitação, a resposta surgiu curta e incisiva:

“Era um ambiente normal, tendo em conta que esse período foi extraordinariamente ‘quente’ em termos da situação política. Na redacção havia jornalistas ligados a vários partidos políticos, e seria estranho se assim não fosse, havia um grande empenho em estar em cima do acontecimento, em obter ‘cachas’, em bater a concorrência, havia muito nervo e frenesim, publicámos excelentes reportagens e entrevistas, nunca falhámos notícias relevantes, as tiragens e as vendas eram excelentes, tínhamos grande aceitação pública, mas também havia sectores que nos atacavam. O trivial, portanto. Contudo, o que acaba por ficar na memória pública, como de resto os seus autores pretendiam, foi aquele episódio do documento que contestava a orientação do jornal, que veio cá para fora antes de ser discutido lá dentro… Tudo isso tem que ser entendido à luz do ambiente que se vivia no país nesse período”.

Luís de Barros, ‘velho’ camarada e amigo. 

Ribeiro Cardoso

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