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O “Polígrafo” é ilegal?

20 de Junho de 2019


Um membro de um partido é um bandido?… Bem, isso era o que o fascismo pensava e, por isso mesmo, só havia, nesse tempo, um partido em Portugal… Não entendo, por isso, que modelo de “democracia liberal” o “Polígrafo” acha que defende. (Pedro Tadeu)

O “Polígrafo” é ilegal?

O site “Polígrafo” procura fazer a verificação de factos de notícias, de declarações de políticos, de possíveis boatos que correm pelas redes sociais, Ocasionalmente replica a ideia numa rubrica de TV que passa na SIC. É interessante.

O site “Polígrafo” é um site de informação jornalística. A lei em Portugal obriga os sites de informação jornalística a entregarem na Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) um estatuto editorial que tem de ser disponibilizado ao público.

Um estatuto editorial é uma carta de princípios que explica ao leitor, ao ouvinte, ao espectador, as intenções, objetivos e regras do projeto jornalístico que o adota. É um guia para uso interno e um manifesto para comunicação externa.

estatuto editorial do site “Polígrafo” diz, a dada altura, o seguinte:” “O POLÍGRAFO não possui uma agenda político-ideológica. Os jornalistas que colaboram com o POLÍGRAFO não são militantes de qualquer partido político. Aqueles que, estando dentro da organização, decidam fazê-lo, serão imediatamente afastados das suas funções.”

O cidadão Pedro Tadeu, que escreve estas linhas, jornalista desde 1983, militante do PCP, acha o “Polígrafo” interessante e acha também, por causa deste estatuto editorial, que o “Polígrafo” é estúpido.

Em primeiro lugar, o “Polígrafo” diz que não tem agenda político-ideológica mas também afirma, noutro parágrafo desse texto, ser “um defensor das virtualidades da democracia liberal”, o que significa que, afinal, sempre tem uma agenda politico-ideológica. Isto é, repito, estúpido.

Em segundo lugar, o “Polígrafo” defende a independência e a liberdade dos seus jornalistas ameaçando-os com o despedimento. Isto é, realmente, muito estúpido!

Porque é que o “Polígrafo” advoga que, para garantir a independência jornalística, tem de proibir a filiação partidária aos seus jornalistas? Ter um cartão de partido e quotas em dia define o pensamento, a ética, o raciocínio, a independência de espírito, a honestidade e a lealdade de um jornalista para com o leitor? Desde quando?

Quantos jornalistas sem partido são profissionalmente desonestos? E quantos dos que declaram publicamente a sua filiação partidária são profissionais corretos? Aposto que a conta é eticamente favorável aos segundos – desafio o “Polígrafo”, aliás, a fazer o fact-check desta afirmação.

Eu acredito mais num jornalista que, de forma transparente, me diga o que politicamente pensa do que aquele que grita aos quatro ventos não ter partido. Porquê? Porque todo o jornalista tem opções políticas, vota, abstém-se, declara acordo ou discordância com posições políticas de partidos; porque, de uma forma ou de outra, a vida política-partidária, mais a sua dinâmica e a sua pressão, influenciam a forma como um jornalista analisa a realidade e influenciam a forma como o jornalista escreve. Mesmo para fazer uma verificação de factos, a ideologia conta.

Por outro lado, um jornalista que abdica de direitos de cidadania para si próprio por imposição do patrão, como o “Polígrafo” quer, é um jornalista civicamente débil e não está, consequentemente, em condições de defender os direitos de cidadania dos leitores.

Um jornalista que abdica de direitos de cidadania para si próprio por imposição do patrão está a ceder aos interesses corporativos da organização que lhe dá o bem escasso de um emprego e isso, custa-me dizê-lo, é uma forma de corrupção.

Imaginemos que estava em debate uma revisão da lei do aborto e que há um dirigente partidário que toma uma posição polémica sobre o tema. O leitor acredita mais no texto de um jornalista que declara publicamente a sua filiação partidária (e que, por isso, sabe que a sua isenção está permanentemente a ser posta em causa, está sempre a ser julgada pelos leitores) ou acredita mais num jornalista que esconde o que pensa?

Não é mais duvidoso para a imparcialidade jornalística, por exemplo, os jornalistas serem acionistas ou donos de empresas? E sócios de clubes de futebol? E membros de uma igreja? E tantas outras coisas?…

O diretor do “Polígrafo”, por acaso, é também acionista da empresa proprietária do “Polígrafo”. Quantas vezes as decisões do Fernando Esteves, diretor do “Polígrafo”, podem entrar em conflito com os interesses do Fernando Esteves, patrão do “Polígrafo”? Quantas vezes o jornalismo do “Polígrafo” cede ao negócio?… Nunca?… Então, se o Fernando Esteves, jornalista, me faz acreditar que é independente do Fernando Esteves, patrão, e, por isso, posso confiar nele como jornalista, porque é que Fernando Esteves, patrão, não acredita que um jornalista com partido não lhe dá boas garantias profissionais?

Um membro de um partido é um bandido?… Bem, isso era o que o fascismo pensava e, por isso mesmo, só havia, nesse tempo, um partido em Portugal… Não entendo, por isso, que modelo de “democracia liberal” o “Polígrafo” acha que defende.

“Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.” É bonito, o artigo 13 da nossa Constituição que acabo de citar, não é? Mas, pelos vistos, é só tinta num papel porque, se fosse mesmo Lei Fundamental, o “Polígrafo” estava ilegal.

Pedro Tadeu – “Diário de Notícias”, 19 junho 2019

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