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Na televisão, a direita vence a esquerda

Nos últimos três anos aumentou o número de comentadores políticos ligados ao PSD e ao CDS nos vários canais televisivos. 84% são homens. O PCP é o partido menos representado. (Paulo Pena)

Ao contrário do que acontece no Parlamento, onde o maior partido é o PSD mas a esquerda, junta, está em maioria, na TV não há nenhum efeito geringonça que prevaleça. Nos canais generalistas, de sinal aberto, só a SIC e a TVI têm programas de comentário político fixo. Em nenhum deles há um único comentador que se situe, publicamente, à esquerda. Aos domingos, Marques Mendes (SIC) compete com Paulo Portas (TVI) na análise da atualidade. Às segundas, Miguel Sousa Tavares, na TVI, tem como contraponto Manuela Moura Guedes, na SIC. Dos quatro, só há um – Sousa Tavares- que nunca foi deputado, ou dirigente, de um partido de direita.

O comentário na televisão mantém uma relação próxima com a atividade política – sendo pedido a deputados, dirigentes partidários, conselheiros – e menos a analistas externos, como Sousa Tavares. Essa é uma “singularidade portuguesa”, nota Gustavo Cardoso, professor universitário que, com Paulo Couraceiro e Ana Pinto Martinho, realizou um estudo do MediaLab do ISCTE, que analisou 18 programas televisivos, entre o dia 1 de Março e o dia 1 de Abril de 2019.

No total, há 29 comentadores de direita e apenas 25 de esquerda entre os que têm lugar fixo nas televisões.

No cabo, a tendência é a mesma. A CMTV parece ter uma linha editorial clara a este respeito: 71% dos seus comentadores são de direita. A estação, ligada ao Correio da Manhã, é também a única que escolhe ter uma líder partidária no ativo (Assunção Cristas, CDS) a fazer comentários. Este estudo, que se centrou nos programas de comentário político, não inclui um outro caso particular da CMTV, que tem entre os seus convidados fixos André Ventura, do Chega, mas num programa sobre futebol.

O relatório conclui assim: “A SIC Notícias, a TVI24 e o Canal Q são os três meios que assinalam igual número de espaços de comentário à esquerda e à direita. É na CMTV que a direita começa a ganhar terreno face à esquerda (71% vs. 29%), mas são a TVI e a SIC, dois canais generalistas em sinal aberto, que desequilibram de forma decisiva os números a favor da direita, uma vez que não têm comentadores políticos de esquerda em espaços de opinião fixos.”

Para os investigadores do ISCTE, há um dado que reforça esta conclusão sobre o predomínio da direita no comentário político televisivo em Portugal: a forma como as TV encaram a “pluralidade de opiniões” no debate político. Cerca de um terço dos comentadores participam num espaço de opinião pessoal. Ou seja, não há qualquer tipo de debate, apenas o comentário de um analista escolhido pelo critério editorial das estações.

Aí, mais uma vez, a diferença entre os espaços de esquerda e os de direita é substancial. Na CMTV, o único comentador de esquerda é o socialista Marcos Perestrello (embora o estudo inclua também na esquerda a ex-deputada Joana Amaral Dias, que foi candidata, pela última vez, pelo partido Nós Cidadãos, que não se situa nesse quadrante). Todos os restantes cinco comentadores do canal são de direita. Na SIC e na SIC Notícias, os espaços de análise política de “assinatura” são repartidos entre quatro de direita (Marques Mendes, Manuela Moura Guedes, José Miguel Júdice e Nuno Rogeiro) e dois de esquerda (Ana Gomes e Francisco Louçã). Na TVI e na TVI 24 comentam, sozinhos, Fernando Medina (esquerda), Manuela Ferreira Leite e Paulo Portas (direita). No total, contabiliza o estudo, a direita tem 69% deste tipo de comentários fixos individuais.

Por critério editorial, a RTP é o único canal que não tem espaços de análise política individuais, deste tipo. No canal aberto, aliás, a RTP 1 não tem um único programa político com comentadores fixos. Só no canal noticioso, a RTP 3, é que são transmitidos debates sobre política: O Outro Lado (dois comentadores de esquerda, um de direita); O Último Apaga a Luz (duas comentadoras de esquerda e um de direita); Tudo É Economia (um de cada) e os debates no noticiário da noite, 360º, sempre em registo de frente-a-frente.

Há um canal totalmente igualitário, nas contas finais: o Canal Q. Ali é transmitido, semanalmente, um programa, Sem Moderação, que tem dois intervenientes de esquerda e outros dois de direita.

Os programas deste tipo com mais audiências da TVI 24, a Circulatura do Quadrado (Pacheco Pereira, Lobo Xavier e Jorge Coelho) e o Governo Sombra (Ricardo Araújo Pereira, Pedro Mexia e João Miguel Tavares), repetem ambos a mesma aritmética: dois de direita, um de esquerda. Na SIC Notícias, o Eixo do Mal é mais igualitário: dois para cada lado.

Para os investigadores do ISCTE, este é um assunto relevante, no nosso debate público: “A televisão, em particular o espaço de comentário político, ajuda a formar opinião e influencia, pelo menos em parte, a perceção da opinião pública acerca da maior ou menor diferenciação entre os partidos políticos portugueses e respetivas famílias políticas, bem como a saliência dos vários temas na agenda mediática.”

Sobretudo num ano, como este, em que há três eleições importantes, “torna-se de particular interesse conhecer tanto a representatividade dos partidos políticos nacionais na televisão portuguesa como, para além dos partidos, a força das correntes políticas de esquerda e de direita no debate televisivo”, continua o relatório.

Ainda mais do que o predomínio de um dos lados do espectro político, cada vez mais polarizado, há um outro dado relevante detetado por este trabalho: “O primeiro elemento que caracteriza estes espaços de comentário televisivo ‘fixos’ é que são essencialmente masculinos, sendo 84% dos lugares preenchidos por homens.”

Os investigadores aconselham, no entanto, alguma cautela na leitura destes resultados. “Os comentários políticos à esquerda ou à direita não significam necessariamente um apelo ao voto em determinado partido nem tão-pouco um apoio partidário manifesto. Muito menos esta relação de forças significa, em dia de eleições, uma votação favorável aos partidos alinhados com o comentário político dominante, até porque existem diferenças entre canais.”

É também de assinalar que o posicionamento político dos comentadores não os “igualiza”. Da mesma forma que Pacheco Pereira e João Miguel Tavares não partilham o mesmo quadro de análise política, também do outro lado do espectro não convém aproximar as visões do mundo que têm Jorge Coelho ou Raquel Varela, por exemplo.

Se, em vez de agruparmos os comentadores por eixos (esquerda vs. direita), olharmos para eles por outro critério, o da militância política, os resultados são, também, interessantes. O PSD é o partido que tem mais comentadores (12), seguido pelo PS (8) e pelo CDS (6), o BE (3) e o PCP apenas com dois.

Dois partidos sem representação parlamentar tiveram, também eles, um lugar fixo nos comentários na RTP 3, que suspenderam durante a campanha eleitoras para as europeias – Rui Tavares, do Livre, e Ricardo Arroja, da Iniciativa Liberal.

Porém, realça o relatório do ISCTE, há dois partidos representados no Parlamento que não têm um único comentador com espaço fixo na televisão: o PEV e o PAN.

O estudo analisou, de forma diferente, os debates que não têm comentadores fixos, e cujo mote é o debate entre representantes de partidos políticos. O programa da SIC Notícias, Esquerda-Direita, e dois programas semanais da RTP 3 – Parlamento Eurodeputados.

Nesses programas, em concreto, a esquerda tem a maioria (55%) e a clivagem de género é menor (34% dos intervenientes são mulheres).

Se os canais de TV aplicassem sempre como regra um critério de “aritmética parlamentar” – como há nestes programas que acabámos de descrever -, aponta o estudo do ISCTE, os resultados seriam bastante diferentes. O PSD continuaria a ser o partido com mais comentadores, mas em igualdade com o PS, que teria de “ganhar” quatro novos analistas nas grelhas. “Por outro lado, é no CDS que encontramos a maior distorção por comparação com o peso parlamentar do partido, e por isso perderia metade dos lugares (três) que reserva no comentário político. Se a televisão fosse um espelho da Assembleia da República teríamos ainda de engrossar o protagonismo do PCP, que substituiria o espaço de opinião ocupado pelo Livre, igualando a presença do BE e do CDS com três espaços de comentário fixos.”.

Se a mesma contabilização “proporcional” fosse feita com o resultado das europeias de 26 de maio, “teríamos uma reordenação dos dois primeiros lugares e a entrada de um novo ator político. O PS seria o principal partido a marcar a agenda com 14 comentadores, seguido do PSD que se quedaria por um único dígito (nove). Neste cenário o CDS apenas disporia de dois comentadores, tantos quanto o PAN, que entrava nesta contagem. Por sua vez, BE e PC ficavam com três espaços de comentário fixo cada”, prevê o relatório.

Este exercício de proporcionalidade é, para os investigadores, apenas uma forma de expor a complexidade do assunto. Até porque, salientam, “se o equilíbrio eleitoral entre as forças partidárias fosse copiado para a televisão, através de um sistema de quotas” poderíamos sofrer consequências negativas. Como, por exemplo, “reduzir o comentário televisivo a um veículo de propaganda”, ou “diminuir a liberdade de imprensa e o direito à pluralidade da informação, alimentando aqueles que já têm voz no Parlamento, sem dar oportunidade para novas visões”.

O que este exercício mostra, claramente, é que não há uma relação entre as escolhas eleitorais dos portugueses e as decisões editoriais das TV sobre comentário político. Há uma diferença, que se acentuou nos últimos anos.

Quando analisaram os comentários políticos televisivos há três anos, em 2016, notaram que havia “quase um empate técnico” entre as vozes de esquerda e de direita [1]. Nos últimos três anos, os comentadores de direita conquistaram mais espaço televisivo.

Metodologia

“O estudo conduzido pelo MediaLAB do ISCTE-IUL procurou verificar a presença das diferentes correntes político-partidárias nacionais nos programas de comentário e debate político no panorama televisivo português. A análise foi efetuada com base em duas observações com lapso temporal próprio, uma semanal e outra mensal, que originaram registos paralelos, e que captam conceções diferentes do comentário político em televisão, sendo por isso dividida em duas partes. A primeira parte – e foco principal da análise – remete para os espaços de comentário político ‘fixos’, considerando todos os comentadores que, numa base regular e semanal, são convidados pelas televisões portuguesas para comentar a atualidade política nacional e internacional. Foram analisados 55 espaços de comentário ‘fixos’, em 18 programas televisivos, em sete canais de televisão. Numa tentativa de conseguir uma análise mais robusta, que garantisse a comparabilidade entre programas, foram apenas incluídos aqueles que contam com os chamados ‘comentadores residentes’. Ou seja, os comentadores que semanalmente estão sempre presentes nas televisões, no seu espaço próprio ou partilhado com outros analistas, excluindo assim programas e segmentos de debate como Prós e ContrasAs Palavras e os Atos ou Expresso da Meia-Noite, por não reunirem estas condições. Excluíram-se ainda canais de âmbito regional, como a RTP Açores ou o Porto Canal. A segunda parte da análise é constituída por três programas que se apresentam como a melhor aproximação a um modelo que implicasse a existência de ‘quotas’ partidárias nos espaços de comentário e debate televisivo; e resulta do seu acompanhamento ao longo de quatro semanas. Os programas Esquerda-Direita, da SIC N, e Parlamento e Eurodeputados, da RTP 3, foram considerados os mais relevantes no panorama televisivo português, dado que, por um lado, pressupõem critérios alternativos e diferenciados de representatividade política e, por outro, a estabilidade dos critérios aplicados torna o painel de comentadores menos contingente das temáticas abordadas em cada edição. Nos casos dos espaços de comentário ‘fixos’ ocupados por analistas sem militância partidária, a sua categorização foi realizada tendo em conta a sua atividade e intervenção pública, fora do espaço televisivo, bem como o conteúdo da sua análise política. Estes comentadores foram classificados segundo as categorias: Direita ou Esquerda. Foram ainda incluídos na categoria de Indefinidos os analistas cujas posições oscilam temporalmente entre a crítica ou o apoio a medidas e dirigentes de ambos os lados do espectro político. O trabalho de análise foi realizado pelos investigadores Paulo Couraceiro, Gustavo Cardoso e Ana Pinto Martinho e decorreu entre 1 de março e 1 de abril de 2019.”

Paulo Pena – “Diário de Notícias”, 8 junho 2019

https://www.dn.pt/edicao-do-dia/08-jun-2019/interior/na-televisao-a-direita-vence-a-esquerda-10984689.html?target=conteudo_fechado [2]