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As fake news não são de esquerda nem de direita

Nesta democracia direta – não é bem assim, mas já lá iremos -, quem tem objetivos de desinformação adapta o discurso a quem o vai ouvir: encontra o elo mais fraco e pressiona-o até que ceda. Isto é mais fácil nas redes sociais e com a conivência dos seus algoritmos, que ajudam a encontrar não quem pode desconfiar, mas quem está predisposto a aceitar as fakenews. Foi o que aconteceu com o Brexit, no Brasil que elegeu Bolsonaro, na América que votou em Trump e, se tudo correr como previsto, com a Europa que irá fortalecer os partidos extremistas e populistas no Parlamento Europeu. (Catarina Carvalho)

As fake news não são de esquerda nem de direita

Ao contrário do que parecem achar alguns deputados [1], as fake news não são de esquerda ou de direita. São do que for preciso. E, na maior parte dos casos, serão do que for melhor ouvido do ponto de vista de quem as recebe. Talvez isto não seja fácil de perceber, mas é assim que funciona a internet 2.0, onde a interatividade é a medida de todas as coisas e as redes sociais permitem, ao milésimo, perceber comportamentos e escolhas dos que nelas intervêm.

Nesta democracia direta – não é bem assim, mas já lá iremos -, quem tem objetivos de desinformação adapta o discurso a quem o vai ouvir: encontra o elo mais fraco e pressiona-o até que ceda. Isto é mais fácil nas redes sociais e com a conivência dos seus algoritmos, que ajudam a encontrar não quem pode desconfiar, mas quem está predisposto a aceitar as fakenews. Foi o que aconteceu com o Brexit, no Brasil que elegeu Bolsonaro, na América que votou em Trump e, se tudo correr como previsto, com a Europa que irá fortalecer os partidos extremistas e populistas no Parlamento Europeu.

A política tradicional tem um papel bastante reduzido na desinformação de que se fala – é por isso que os deputados de Bruxelas, a Comissão, o Parlamento Britânico, Macron, Merkel, entre outros, estão preocupados. É por isso que está toda a gente preocupada, aliás. Exceto alguns deputados portugueses – sobretudo do PSD. Mas deviam. Especialmente eles. Em todos esses países onde as fake news funcionaram ao serviço de forças populistas [2] foram os partidos da direita moderada, ou centrista, que mais reduziram as suas bases de apoio – como mostra o estudo da Universidade de Oxford (The Computational Propaganda Research Project [3]).

Em tudo isto, é preciso admiti-lo, o jornalismo tem papel reduzido [4]. As notícias falseadas não passam pelos circuitos normais de informação – usam redes sociais, grupos secretos, apps de mensagens. Se não fosse assim, não havia notícias falsas – desmontá-las antes de chegarem ao público é o papel do jornalismo que tem no seu modelo de negócio o rigor. É por isso que em linguagem jornalística não há fake news, há mentiras. Não há factos alternativos, há falsidades. E à verificação de factos chamamos simplesmente jornalismo.

Infelizmente para o jornalismo e para a política, o circuito da desinformação contorna-os. Passa-se em redes sociais controladas, sim, mas por anónimos e obscuros algoritmos, dirigidas por geeks ou mavericks da tecnologia, com poucos valores. Daí que o caso da Cambridge Analytica seja tão exemplar – o Facebook vendeu informação de utilização que permitia encontrar as pessoas mais fáceis de atingir.

Tudo isto tem, no entanto, uma base ideológica e consequências políticas. Os ingleses que acreditaram no que lhes disseram sobre o Brexit estão agora a braços com o caos [5]. É por isso que a desinformação e as fake news não deviam ter sido debatidas no Parlamento como foram, no campo da chicana [6]. A proposta que o motivou era moderna – pretendia transpor para Portugal as diretivas europeias nesta matéria. O debate pareceu saído dos anos 2000, com os deputados a atirarem armas de arremesso como blogues, propaganda e afins.

Apesar de tudo, acabou por passar a recomendação – com os votos contra do PCP e a abstenção do PSD. Mas o que podia ter sido uma ótima oportunidade de debate foi desperdiçada. Num mundo balcanizado, onde as redes sociais criaram bolhas em que as pessoas só ouvem o que lhes agrada, em que o debate foi minimizado e o ódio se espalha fácil, era importante que quem nos representa politicamente desse exemplo de diálogo e cooperação.

Por isso, das duas, uma: ou os políticos não percebem patavina do que está em causa, ou não querem perceber. Ambas as conclusões são graves. Para eles e para nós. Se há matéria em que precisamos de políticos que sejam escrutinadores, reguladores, é esta. Imaginem quem assobia para o lado na desinformação, o que fará quando se discutir a inteligência artificial? Se há um novo mundo que está a mudar as nossas vidas, daqui para o futuro, convinha que os políticos não se deixassem ficar no passado. Sob pena de obsolescência.

Catarina Carvalho – “Diário de Notícias” 11 março 2019