O convite da TVI a Mário Machado para explicar aos portugueses se é ou não necessário um novo Salazar e a posterior defesa dessa iniciativa pelo director de informação suscitam algumas perguntas. É altamente improvável que a TVI e o seu director de informação se disponham a responder, mas as perguntas têm, pelo menos, a utilidade de fazer pensar os espectadores que não perceberam que lhes estavam a deitar para os olhos a poeira da liberdade de expressão. (JAG)
Como pode ter capacidade para convidar criminosos para entrevista em directo um obscuro colaborador não qualificado, sem qualquer supervisão? Como explica a TVI que tenha continuado a reconhecer-lhe essa capacidade, mesmo depois de dois ou três incidentes que estão agora a ser investigados pelo Ministério Público?
Além disso, com a conversa baseada na pergunta “precisamos de um Salazar”?
O que significa essa pergunta, quando é feita a propósito da segurança?
Subentende-se que Salazar evitaria a criminalidade com aulas de religião e moral nas escolas, ou está implícito que o novo Salazar traria consigo a PIDE e a repressão policial?
É isso que a TVI preconiza para garantir a redução da criminalidade?
E para encontrar a solução vai ouvir o conselho de um criminoso?
Se esse convite fosse justificável, porque carga de água o apresentador do programa, quando dele teve conhecimento, questionou o autor do convite e lhe pediu explicações?
Ainda assim, terá Salazar com os seus métodos conseguido reduzir a criminalidade?
Sabe o director de informação da TVI que os serviços de censura proibiram os media, nos últimos anos da ditadura, de noticiar acontecimentos relacionados com a criminalidade? Incluindo o simples roubo de uma carteira na rua?
Seria assim que um novo Salazar resolveria a questão da percepção de insegurança dos cidadãos?
Sendo Portugal considerado, por organismos internacionais, um dos países mais seguros da Europa, como justifica a TVI que se coloque a necessidade de um novo Salazar, a ponto de chamar um neofascista para fazer doutrina?
Invoca o director de informação da TVI o direito à liberdade de expressão do cadastrado MM. Conhece o director de informação alguma limitação desse direito a que esteja sujeito o cidadão MM?
Ou estará o director de informação da TVI a confundir direito à liberdade de expressão com um inexistente direito dos cidadãos a serem entrevistados na TV?
Quererá o DI da TVI invocar o direito de informação dos media? E se é disso que se trata considera o DI que cabe no direito de informar da TVI uma entrevista com um cadastrado neofascista sobre a conveniência de substituir uma democracia por um regime autoritário?
Admitindo, por redução ao absurdo, que isso fosse defensável, considera o DI que uma entrevista desse tipo fosse feita em directo, sem preparação adequada, para qualquer tipo de público?
Sabe o director de informação que nem os órgãos de propaganda de Salazar se atreveram a entrevistar praticantes de acções violentas contra cidadãos, como era o caso, por exemplo, dos membros da Força Automóvel de Choque da Legião Portuguesa, dignos percursores de Mário Machado e dos seus rapazes?
Este caso da entrevista a MM não deveria ser motivo de preocupação para o DI da TVI, em vez de oportunidade para meter os pés pelas mãos numa desajustada e trampolineira defesa da liberdade de expressão?
Não deverá o DI reflectir sobre a convergência propagandística que se regista na TVI, desde o psicólogo de reality shows racista e anti sindicalista ao autor de uma chamada “crónica” incluída no Jornal das 8 e que não passa de uma melíflua e grosseira manipulação contra “os políticos”, ” os deputados”, “os ministros”, com o resultado evidente de uma desvalorização global do regime democrático e da vida parlamentar?
Em determinado momento da sua desastrosa defesa da entrevista branqueadora de MM, o director de informação afirma que o ministro que comentou negativamente o caso não tem moral para se pronunciar porque pertence a um governo que não pediu à Web Summit que retirasse o convite a Marine Le Pen. Mas o que é isto? Sérgio Figueiredo pensa que somos todos parvos? Há alguma semelhança com os dois episódios? Se SF não percebe a diferença entre um caso e outro (e desde logo entre a francesa e MM), o que é que está a fazer à frente da DI da TVI?
Termino com um pedido. Por uma questão de ética e de higiene mental, que não se invoque a qualidade do trabalho de Ana Leal e de outros prossionais sérios para dar cobertura a disparates. Eles não merecem que alguém na TVI os enrede nestas teias vergonhosas.
João Alferes Gonçalves