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Um dia nos bastidores do Jornal das 8 da TVI

16 de Dezembro de 2018


Miguel Sousa Tavares edita, todas as segundas-feiras, o Jornal das 8 da TVI. Escolhe as notícias e comenta-as. A jornalista do “Público” Maria Lopes foi espreitar e conta o que considera ser «uma segunda-feira típica» em Queluz de Baixo. Vale a pena ler. A reportagem e a entrevista que se lhe segue.

“Quem escolhe as notícias é o jornalista, não é o público das redes sociais”

 

“Jornal das 8 de segunda-feira. Apresentação de Pedro Pinto; edição e comentários de Miguel Sousa Tavares”, diz a voz off no início da emissão quando o relógio digital na régie marca 19h57m07s. As diferenças entre o noticiário principal da TVI de segunda-feira e das outras noites começam aqui: o nome do responsável pela escolha e alinhamento das notícias é anunciado, existe um comentador em estúdio para as notícias que ele também escolheu, há menos peças no noticiário e mais análise. É um jornal “de autor”, diz-se na direcção de Informação; é um jornal “editorializado”, prefere Miguel Sousa Tavares que há dois meses voltou a ser jornalista encartado para o poder editar, recuperando a carteira profissional que entregara há 18 anos, quando deixou a revista Grande Reportagem.

Na mesa do estúdio que parece um boomerang, separados da redacção por paredes de vidro, estão o jornalista Pedro Pinto ao centro, Miguel Sousa Tavares à sua esquerda e o antigo ministro Armando Vara, à direita. A partir do dia seguinte, Vara pode ser preso para cumprir a pena de cinco anos de prisão por crimes de tráfico de influência no Face Oculta. O tema é a aposta da TVI para bater a concorrência e vai colocar a entrevista em cima do comentário da “Procuradora” Manuela Moura Guedes no Jornal da Noite da SIC.

Depois de uma peça de resumo, Vara responde por 30 segundos à pergunta de Pedro Pinto se está preparado para ser preso. Um rebuçado para que os espectadores não fujam, mas só o voltarão a ver 50 minutos depois. O suficiente para que na SIC soem alarmes e haja conversa por SMS entre as chefias da Informação. De Carnaxide avisa-se que vão “picar” as declarações de Vara e elogia-se a “boa malha” do dia da TVI. Tão boa que depois de Vara atacar o juiz Carlos Alexandre, a entrevista é esticada para o 21ª Hora, na TVI24, contra a vontade de Sousa Tavares que no final haveria de sair do estúdio desagradado.

Mas até lá, na régie controlam-se os alinhamentos do Jornal de Noite (SIC) e do Telejornal (RTP1). Sousa Tavares alarga-se nos comentários sobre as greves e o pagamento antecipado ao FMI e a chefe de redacção faz contas às peças que vai apagando do alinhamento no ecrã do computador – Khashoggi e o cientista chinês que desapareceu, o digest de notícias do dia. É o seu jornal e Sousa Tavares não aprecia que o pressionem com o tempo, gosta de desenvolver o raciocínio, anotado em folhas brancas A4 escritas à mão. Na reunião da manhã abrira os olhos de susto aos 19 minutos da reportagem de Judite de Sousa sobre uma das famílias dos jovens mortos no Meco. Uma eternidade em televisão e, no estúdio, não resiste a roer as unhas durante a emissão da peça. Entretanto, a reportagem da SIC é muito mais curta e a “Procuradora” entra no Jornal da Noite. “Epá, vai ser o Vara em cima da Manela…”, ouve-se na régie. Isso não é grande problema, “qualquer coisa ganha à procuradora”, desvalorizara Sousa Tavares, várias vezes, na reunião da manhã.

É isto a guerra de audiências? Para o espectador será decerto, e para quem faz televisão também. O director de Informação da TVI Sérgio Figueiredo diz que Sousa Tavares “não gosta de perder nem a berlindes”, e este admite que lhe dá um gosto especial tomar o pequeno-almoço à terça-feira já a saber os números da noite anterior. E sobretudo que venceu à SIC, como voltou a acontecer nesta segunda-feira, dia 10. Do departamento de audimetria e estudos de mercado saem os dados ao minuto da véspera que a direcção de Informação da TVI analisa sabendo o que estava no ar. É isso que lhe permite saber que uma fatia dos espectadores tende a fugir da SIC quando Moura Guedes entra em cena e que têm que ter um conteúdo que agarre quem anda no zapping.

Voltemos aos números: em 11 semanas, desde que se estreou no horário nobre das segundas-feiras, o jornal de Miguel Sousa Tavares (MST) ganhou nove vezes à SIC. Este dia, a par do domingo, são os mais fortes em espectadores nos três canais generalistas. Há uma folha com gráficos amarelos que circula nas mesas da direcção e que compara o número de noticiários que cada canal já ganhou este ano por comparação com 2017. A TVI continua na frente com 286 até anteontem, e é já certo que não conseguirá os 322 do ano passado; seguida ao longe pela SIC com 47. O problema em Queluz é que a concorrente de Carnaxide está a ganhar mais desde Outubro – Novembro, por exemplo, fechou com 17 a 12 com vantagem da TVI. Carlos Barata, director de audimetria admite que o programa de acesso ao horário nobre da TVI – o concurso apresentado por Cristina Ferreira que já estava gravado – está “mais frágil”, numa hora a que a SIC coloca o reality show dos casamentos. Apostado na sazonalidade do maior consumo de Inverno, é até meados de Abril (assim a chuva deixe) que se vai ver quem ganha a batalha das 20h.

Tentar fazer diferente

Na segunda-feira passada, quando o PÚBLICO acompanhou o dia de Sousa Tavares, este voltou a ganhar por 50 mil espectadores, uma diferença pequena quando se trata de uma fasquia superior a um milhão de pessoas (1,084). “Sabe o que me dá mais gozo nestes dois meses? Que o jornal da SIC esteja muito melhor…” Sobre Moura Guedes, não se sente seu “concorrente”.

O que o fez então sair da sua zona de conforto? “Uma tentativa de fazer diferente, embora já nada haja por inventar”, diz ao PÚBLICO, sobre o novo desafio com um contrato de dois anos. “Pelo menos tentar fazer um jornal que eu gostasse de ver enquanto espectador, com os meios, os espectadores e as notícias que temos.”

A ideia de um jornal editorializado foi apresentada à SIC há anos, mas ficou sem resposta, conta Sousa Tavares. “A grande aposta é que o editor do noticiário, quem escolhe as notícias, é o jornalista, não é o público. E sobretudo não é o público das redes sociais. No dia em que isso acontecer definitivamente – e já está a acontecer em grande parte – o jornalista demitiu-se e o jornalismo está morto. Deixou de haver intermediário.” Irrita-o a referência de que algo “se tornou viral nas redes sociais”. “São elas como fonte de informação, quando devia ser ao contrário.”

“Nós não vamos dar as notícias que o público quer, mas o que entendemos que lhe devemos dar”, insiste. Para logo a seguir admitir que bateu de frente na parede no dia da derrocada em Borba: deu apenas sete minutos ao tema, um curto directo enquanto a SIC esteve em directo 35 minutos. “Foi o primeiro jornal que me ganhou. No dia seguinte a SIC abriu com 49 minutos, com directos repetitivos, sem notícia. Eu não quero fazer isso.” Mas não ficou provado que é isso que o público quer? Os directos são uma forma barata de fazer TV, “mas isso não é fazer jornalismo, é ter o ecrã ocupado”, argumenta. “É puro voyeurismo, é como quando vêem programas com pessoas fechadas numa casa.”

Sérgio Figueiredo diz que MST “ajuda a ver o outro lado da notícia” e as experiências de segunda-feira “servem de inspiração para tentar mudar a estrutura dos outros jornais da TVI”, que vem do tempo em que não havia alertas de última hora nos telefones e onlines tão activos nos jornais em papel.

A rotina para o noticiário de Sousa Tavares começa a meio da semana anterior: há que pensar em reportagens ou abordagens diferentes de assuntos que previsivelmente vão estar na actualidade no início da semana. Na segunda-feira, o jornalista chega à TVI pelas 10h, reúne com a equipa uma hora depois – na sala com mesas dispostas em quadrado estão Sérgio Figueiredo e António Prata (director e director-adjunto de Informação), Pedro Pinto, Constança Cunha e Sá, a chefe de redacção Maria João Figueiredo, os editores de Política e Economia Paula Costa Simões e Vasco Rosendo, o responsável pelo grafismo David Pinto e a jornalista de Desporto Cláudia Lopes. Os directores e Sousa Tavares estão de costas para os quatro ecrãs que emitem a TVI24, a SIC Notícias e a TVI.

“Quero os números da greve; quero saber o que está em causa”, pede Sousa Tavares sobre a catadupa de paralisações; diz que quer também uma peça a explicar as diferenças entre bombeiros voluntários e sapadores – “quando oiço o Marta Soares dizer que quer autonomia orçamental eu saco logo da pistola”, diz o jornalista, para justificar o comentário que quer fazer no alinhamento sobre o braço-de-ferro entre os bombeiros e o Governo.

Na lista segue-se uma discussão sobre o que dizer de novo sobre os carros da Autoeuropa que não podem embarcar por causa do boqueio em Setúbal. Depois, Armando Vara. É preciso dar Macron, que fala às 19h, e não se pode falhar May e o Brexit, a “bomba da semana”. E a conferência de Mário Centeno sobre o FMI, “vamos lá”, decide MST. E para fechar? A final da Taça dos Libertadores, no dia anterior, em Madrid. Que vale pena pela confusão: “Temos cenas de pancadaria? São boas? Podemos pôr um tango por cima?”, quer saber o editor.

Falta o principal: “Vamos abrir com quê?” Sousa Tavares insiste em Vara. Isso é uma falsa abertura, dizem-lhe – ou seja, não é com uma notícia. “É o símbolo da corrupção e da vigarice, está o país a dizer, vai para a cadeia amanhã e não vale uma abertura???” Valeu a abertura e a batalha das audiências nesse dia.

Maria Lopes – “Público” 16 dezembro 2018

https://www.publico.pt/2018/12/16/politica/noticia/escolhe-noticias-jornalista-nao-publico-redes-sociais-1854895

 

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“Somos pagos para ter opinião. Andar à roda é uma cobardia”

 

Contesta as redes sociais, mas elas não são o melhor meio de chegar aos mais novos?
Todos os anos, as televisões generalistas perdem 200 a 300 mil espectadores para as redes sociais. A nova geração não vê TV. Temos que pensar como podemos ir buscá-la, como podemos segurá-la, se é que algum dia vamos conseguir. Ao mesmo tempo, tenho que ter respeito por aqueles que se foram embora e perceber que tipo de informação precisam; não o que gostam, mas do que precisam.

Explicando o porquê das notícias?
Sim, porque aconteceu e as consequências. Tentar dar-lhes uma visão mais vasta do mundo. Não basta cada um fechar-se no seu casulo, ter as aplicações no telemóvel, ser informado apenas pelas redes sociais, e estar convencido que está informado – porque não está.

Dar cultura geral informativa?
Exacto. Nunca tantos souberam tão pouco sobre tantas coisas. Os miúdos estão sempre com os telemóveis a apitar com alertas de notícias e eles só vêem os títulos do que lhes interessa, não lêem um artigo desenvolvido sobre qualquer assunto.

O primado das redes sociais e as fake news não são também culpa da comunicação social?
É dificil dizer que a comunicação social esteja a contribuir para isso. Julgo é que as fake news e o populismo são uma consequência directa da informação se ter deslocado para as redes sociais, que é uma fonte de informação sem escrutínio, irresponsabilizável, um campo aberto para se publicar o que se quiser, incluindo mentiras. No Brasil, 70% da informação vem das redes sociais, e o que me espantou foi saber que hoje 65% dos portugueses também têm informação a partir das redes sociais. Isso é que é brutal!

Há um excesso de políticos a comentar na TV em detrimento da sociedade civil?
Com certeza que há. Uma coisa é o espaço de debate político bem marcado, que deve existir. Outra são os políticos comentaristas, que me parece uma cena portuguesa, um exagero: há na TV políticos no activo, outros na reserva e outros ainda à espera de dar o salto. Faz falta mais espaço civil, encontrar pessoas diferentes, do mundo empresarial, por exemplo.

Um bom comentador é aquele que dá a sua opinião mas também apresenta as várias versões e faz o público pensar?
Não, isso era o que fazia o Marcelo, que fugia a ter opinião. ‘Este pensa isto, este pensa aquilo, este pensa aqueloutro; pode ser por aqui, por ali, por além.’ O bom comentador é aquele que explica os factos e o contexto e vinca a sua opinião, mas também deixa margem para que os outros o contestem. Um bom articulista e comentador tem que ter a sua opinião. Nós somos pagos para ter opinião. Andar à roda e no fim fugir, por muito controversa que possa ser a opinião sobre um assunto, é uma cobardia, uma hipocrisia mesmo.

Marcelo passou de comentador a Presidente. É a prova do poder que a TV ainda tem?
É difícil dizer. Acho que ele chegou lá por mérito próprio, embora precisasse de uma tribuna que revelasse os seus atributos e a TV foi uma boa para isso. Há três anos, a TV ainda servia para eleger, amanhã não chegaria, tinha que ser uma rede social. Marcelo teria que estar no Facebook ou no Twitter como Trump. Bolsonaro não é eleito pela TV, é o primeiro Presidente brasileiro que despreza as televisões por completo e é eleito através das redes sociais.

A comunicação social tem ajudado a dinamitar o PSD como diz Rui Rio?
Não, de todo. Conheço muito mal Rui Rio mas um dia fiz uma conferência com ele sobre jornalismo e política. Ouvi-o falar e fiquei siderado. Percebi é um defensor da censura. Deixem-no à solta e é um censor. Ele não entende o que é a liberdade de imprensa e por isso vai ter sempre um conflito com a imprensa.

Isso prejudica um partido do arco da governação.
É péssimo. É um caminho suicidário. E até acho que a imprensa é muito branda com ele porque percebe que ele nunca chegará ao poder. Se quisesse exterminá-lo já o teria feito. 

Também é branda com António Costa?
Acho que a imprensa lhe acha alguma graça. Como eu acho: é um notável malabarista da política. António Costa herdou coisas complicadas e a de Sócrates é a mais complicada de todas: suceder a um líder que está na prisão é uma coisa difícil.

A imprensa lidou bem com o processo Sócrates?
Na fase da investigação, a imprensa lidou muito mal. Independentemente de ele ser culpado ou inocente, atropelaram-se todas as regras da investigação, aceitaram-se como normais as sistemáticas violações do segredo de justiça.

Maria Lopes – “Público” 16 dezembro 2018

https://www.publico.pt/2018/12/16/politica/noticia/pagos-opiniao-andar-roda-cobardia-1854900

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