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Das razões para o “Diário de Notícias” fechar as portas

A crise da indústria da imprensa, impropriamente designada de crise do jornalismo, tem causas e dimensões diversas, que variam em função dos mercados. É um campo de análise interessante, mas não vejo em Portugal nenhum debate que incida sobre os factores específicos da “crise” nacional, Administrações e direcções editoriais brindam-nos com ladainhas sobre os efeitos da Internet, a atracção do público por novas plataformas, mas não soltam uma palavra sobre a sua responsabilidade directa na sangria permanente das vendas e na queda geral das tiragens dos diários para níveis catastróficos, sem paralelo na Europa. O “Diário de Notícias” é o exemplo mais recente de um comboio a caminho do desastre, com a sua cúpula administrativa e editorial a desempenhar o papel de orquestra do Titanic. (JAG)

O valor das vendas do “DN” baixou tanto que se tornou economicamente inviável a edição em papel. A administração tomou a medida mais fácil e eliminou o papel em seis dias da semana, mantendo, por uma questão de prestígio, a edição dominical e uma edição diária em linha. Olho para a estrutura produtiva do “DN” e pergunto-me se alguém pensa que é possível sustentá-la com base numa edição digital.

Os conteúdos evoluiram na direcção de um magazine digital, opção que não corresponde às necessidades do mercado português e que exige outro fôlego tanto da direcção como da redacção. Os constrangimentos associados ao investimento implicam uma orientação jornalística paralela, repartida entre o noticiário político e económico. A opinião, seguindo um historial de anos, continua a ser, nas questões estruturais, militantemente de direita, num mercado em que todos os concorrentes afinam pelo mesmo diapasão.

Faz-me lembrar o cenário da indústria do tomate em Portugal nos anos 60 do século XX, quando, perante o sucesso do negócio, mil fábricas floriram. Em breve se chegou a um tempo em que a capacidade industrial instalada era superior à da capacidade produtiva agrícola. Resultado: alguns tiveram que ficar pelo caminho. 

O mesmo acontece, inevitavelmente, num mercado de imprensa povoado, em exclusivo, por jornais de direita. Alguns têm que ficar pelo caminho. Com a agravante, espantosa, de isso acontecer num universo eleitoral que vota à esquerda.

Sem entrar nas razões concretas (algumas técnicas) que, tarde ou cedo, a manter-se a orientação do jornal, levarão o “DN” a fechar as portas, não posso deixar de chamar a atenção para uma razão que contribui em larga escala para esse desenlace.

Os leitores podem estar mais ou menos de acordo com opiniões publicadas nos jornais. É, mesmo, possível que continuem a comprar um jornal onde leiam opiniões de que discordam, se considerarem que são opiniões respeitáveis, informadas e inteligentes. Mas o que os leitores não suportam é ver, num jornal que compram para obter informação, opiniões desfasadas da realidade — quando não ao arrepio da realidade —, mentirosas e propagandísticas. Essa violação da ética profissional tem sempre um custo. Quando acumulado, esse custo tem sempre um resultado: o leitor não é parvo e desiste do jornal.

Na edição de hoje, uma directora-adjunta do “DN” que se tem distinguido, ao longo do tempo, por textos de opinião antisindicalistas e politicamente enviesados assina uma redacção intitulada “Das razões para a esquerda voltar à oposição” [1].  É difícil dizer o que é pior: a falsidade dos factos ou a pobreza da escrita. Mas do que não há dúvida é de que é mais um contributo para o “DN” fechar as portas. 

João Alferes Gonçalves

5 setembro 2018