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Os media, a floresta e os incêndios

19 de Janeiro de 2017


Hoje, 5ª feira, 19 de Janeiro, com início às 18 horas, no Clube Militar Naval, em Lisboa (Av. Defensores de Chaves, 26), vai discutir-se um livro da maior importância mas que, apesar de já ter tido três edições, tem passado ao lado da generalidade dos media. O que, para quem sabe do que a casa gasta, é lamentavelmente normal. Esta sessão,  que será dirigida  pelo Almirante David e Silva – um prestigiado Homem da História e Engenheiro da Marinha – prossegue assim a abertura paulatina do tema à Sociedade não especializada nos temas florestais, condição necessária para a Floresta ganhar o peso que deve ter. (RC)

Dito isto: refiro-me ao livro ““A Floresta em Portugal – um apelo à inquietação cívica”. O autor chama-se Vítor Louro, é engenheiro silvicultor, fez carreira profissional na Administração Pública (Direcção-Geral das Florestas) e liderou o Plano de Acção Nacional de Combate à Desertificação. Em 1976 foi também secretário de Estado da Estruturação Agrária, e até 1980 foi deputado. Conduziu numerosos processos envolvendo agentes económicos e políticos e é autor de variados trabalhos publicados, de natureza técnica, e de artigos de opinião.

Em síntese: trata-se um cidadão de créditos firmados em termos técnicos, sociais e políticos, com uma mais valia rara em Portugal: em matéria de floresta ( e noutras…), sabe da poda como pouquíssimos compatriotas nossos.

Contudo, os media, deliberadamente ou por simples ignorância, esquecem-no ou desconhecem-no. O que me leva a perguntar: as agendas dos jornais não funcionam? Ou a responsabilidade é apenas das direcções e chefias que se estão marimbando para uma informação séria sobre tal matéria? Existem nas redacções profissionais especializados na matéria?

Por outro lado, pergunto: quantos ‘especialistas’ em futebol há nas redacções dos OCS portugueses? Ou em crimes? E quantos há em relação a matérias tão importantes para a nossa vida comum, como é o caso da floresta e de muitas ouras áreas? Que objectivos têm os jornais? Será que ler jornais é (ainda) saber mais? Ou será que ler jornais é confundir mais, é vender gato por lebre e outros que tais?

Alguns ‘pequenos’ pormenores

Este livro de que vos falo, que como já disse vai na 3ª edição sem qualquer apoio dos media, vem ao encontro das conversas que abundam no tempo dos incêndios – proporcionando muita e boa informação sobre a floresta e os fogos indispensável para que as pessoas, incluindo naturalmente jornalistas e governantes, tenham opinião informada sobre a realidade da floresta portuguesa.

Perguntarão alguns: mas isto é assim tão importante? Bem… a floresta ‘só’ ocupa 2/3 do território continental! E levanta mil questões: que fazer com as propriedades que muitos têm e estão abandonadas? Que fazer com a questão os eucaliptos? E as alterações climáticas? E…? Podemos esperar que os políticos decidam boas políticas públicas para a Floresta (como para o Mar), se a Sociedade não se interessar? Se somos Sociedade, e temos sentido Cívico, há que participar!

Relembro: quando há relativamente pouco tempo fui assistir ao lançamento da 1ª edição do livro “A Floresta em Portugal – um apelo à inquietação cívica”, nem uma TV, rádio ou jornal apareceu para divulgar a obra e as opiniões daquele reputado especialista. E ficaram a perder, pois, entre muitas outras áreas do seu livro, ele fala, com relevo, da questão dos fogos que, no Verão, todos os anos, nos OCS, com relevo para as televisões, são objecto de horas e horas de transmissão de labaredas ameaçando pessoas e bens e de explicações especulativas e repetidas, sempre iguais ano a ano e completamente desajustadas da realidade.

Permitam-me mais um pormenor: dois dias depois do lançamento público da 1ª edição, Vítor Louro apareceu pelas 23 h na TVI 24 para participar no programa “Olhos nos olhos”, em que o dr. Medina Carreira conversa sempre com um convidado na presença de um jornalista por norma a fazer figura de corpo presente.

Por uma vez o dr. Medina teve pontaria, telefonou a Vítor Louro para o convidar e, já em estúdio e no ar, confessou a sua ignorância em questões de floresta e deu a palavra a Vítor Louro, ouvindo-o com atenção e colocando algumas questões que qualquer cidadão atento e interessado colocaria, dando involuntaria e provavelmente sem disso ter noção, uma lição de humildade e jornalismo à jornalista em estúdio (no caso, Judite de Sousa – como poderia ter sido em relação à generalidade dos pivots televisivos). E confessou-se banzado ao saber muita coisa sobre floresta que desconhecia por completo: valor económico, cadastro territorial, formas de combater incêndios, os negócios da ‘indústria´do fogo e por aí fora, terminando de uma forma lapidar: “Depois de o ter ouvido saio deste programa com uma ideia completamente diferente da que tinha sobre esta realidade. O senhor deveria o ser o nosso ministro da agricultura e ou do ambiente” (não gravei o programa e cito de memória estas palavras de Medina Carreira. Garanto apenas que esse foi o sentido das suas palavras )

E para que a lição dada, calma, serena e amigavelmente, por Vítor Louro a Medina Carreira e, sobretudo, a Judite de Sousa, relembro o que ele disse à jornalista: no Verão, a floresta tem honras de primeira página nos jornais impressos e nos noticiários das rádios e da televisão – devido às imagens espectaculares e terríveis das labaredas. Durante dois meses, mais dia menos dia, todos os anos isto se repete. E as reportagens, explicações e perguntas são sempre do mesmo teor, chorando-se lágrimas de crocodilo. Mas depois há mais dez meses de trabalho, silencioso mas espectacular, de muitos trabalhadores e muitos técnicos, no seio da floresta e em muitos gabinetes. E nem uma notícia, nem uma imagem aparece nos OCS. É pena, pois relatar esse trabalho silencioso, mas permanente, podia ensinar-nos a ver a floresta, e as chamas, com outros olhos e outra sabedoria. Além de poder ajudar que a população em geral tivesse outro nível de conhecimento e… outro nível de inquietação cívica. Mas isso é o que, pelo menos à primeira vista, os chamados OCS não querem – outro conhecimento e, muito menos, outro nível de inquietação cívica.

Ribeiro Cardoso

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