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Uma linguagem perversa e embrutecedora a que é preciso resistir

17 de Dezembro de 2015


Os manuais de jornalismo já não servem para nada,
empacotem a deontologia.
Nasceu uma novilíngua noticiosa em Portugal.
É preciso desenrascar, é preciso fazer o que se pode.

Giras, leves, curtas e, como não podiam deixar de ser, sexys. Estes são alguns dos adjetivos utilizados hoje para descrever o que é uma boa notícia, dentro de muitas, para não dizer todas, as redações. A reportagem é falada como uma espécie em vias de extinção: os outros fazem, os outros podem, alguém copia, ninguém lê.

Nada disto é por acaso.

Esta linguagem neoliberal, perversa, embrutece qualquer país.

Quando o mérito é medido com base no números de cliques por peça, a plastificação das notícias é só o primeiro passo. Aos jornalistas, pede-se humildade, dedicação.

É difícil não aderir ao porreirismo, modo inato de sobrevivência português. Questionar é pecado, por em causa é um ato de presunção.

Não, não, não. Nunca foi tão importante para um jornalista em início de carreira ter a coragem de dizer não. Não às listas inúteis, aos gatos e aos anúncios natalícios sentimentais.

Não a mediocrizar esta profissão.

A precariedade assusta, mete medo. O desemprego ganha contornos de fobia. Estarei a ser dramático? Vim hoje aqui receber um prémio, que muito agradeço, cujo último vencedor que conseguiu ficar a trabalhar a tempo inteiro, em Portugal, foi o de 2008.

Desculpem-me por não partilhar o otimismo do Garcia Marquez sobre o jornalismo ser a melhor profissão do mundo.

Muito pelo contrário: acho que o jornalismo é uma das profissões mais perigosas, e não só pelas razões óbvias.

Deixamos de ser o Fábio, o Pedro, a Catarina, para ser o/a Jornalista. É esta a identidade que por vezes morre, quando se é despedido.

O desespero de não poder continuar a escrever, filmar ou fotografar, é gigante. E pode levar a situações limite, como bem sabemos.

É por isso que muitos fazem cedências, que passam a encarar os seus postos de trabalho como um privilégio, em vez de um direito. Principalmente os jovens, como eu. A utopia do grande jornalismo foi deixada para os idealistas, cuja sanidade mental é sempre posta em causa, por aqueles que se adaptam.

É imperativo ter a coragem de dizer não. Essa é a minha única esperança. Porque há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não. Os que resistem, os que dizem não, os que estão aqui presentes, esses são os jornalistas.

Fábio Monteiro
16 dezembro 2015
Na cerimónia de entrega dos Prémios Gazeta 2014

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2 Comentários »

  • Irene Ferreira said:

    Caro Jornalista, Fábio Monteiro:
    -Em 1º lugar felicito-o pelo prémio Gazeta 2014, que será certamente merecido, como podemos confirmar pela frontalidade e assertividade do seu discurso e opinião neste artigo.
    -Em 2º lugar queria também aproveitar para dizer que os constrangimentos que se colocam à profissão das ciências da comunicação, portanto, à classe d@s jornalistas, classificam-se de lamentáveis, no mínimo, num Estado democrático;
    -Em 3º lugar queria aproveitar, ainda, para dizer que a situação de “desregulamentação”, “instrumentalização”, de “afronta”, de “precariedade”, desemprego, de “injustiça” num Estado de direito, infelizmente, poderemos identificá-la em muitas outras profissões e, aqui, concretamente, no meu caso, enquanto lic. em Serviço Social/Assistente Social constato essa (lamentável realidade) quotidianamente.
    Por isso solidarizo-me com a sua narrativa (“o seu grito de revolta”),aqui exposta, em prol da mudança.
    IF
    Lic. Serviço Social (e, presentemente doutoranda na área das ciências da comunicação).

  • #14 última aula – Jornalismo Multimédia 2022/23 said:

    […] O discurso da resistência […]

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