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Isabel dos Santos explica como se compra o silêncio

23 de Junho de 2015


Enquanto espero por resultados da frente grega, decisivos para o futuro da Europa, vejo, sem espanto, que a crise na comunicação social, um pouco por todo o mundo, continua a fazer as suas vítimas. E que essa vítima acabará sempre por ser a verdade. Mesmo as mais evidentes de todas as verdades. Aquelas que todos sabemos mas poucos têm a coragem de repetir. (Daniel Oliveira)

No verão de 2013 a revista “Forbes”, conhecida pela publicação de listas de milionários, publicou uma reportagem sobre Isabel dos Santos. Contava-se a história da mulher a quem o seu pai, Presidente de Angola, garantiu uma extraordinária fortuna à custa de acesso facilitado a negócios com o Estado e aos recursos do país.

Não eram revelações bombásticas. Era mesmo a dizer que a rainha ia nua. Aquilo que toda a gente sabe mas, por um mistério fácil de deslindar, quase ninguém escreve: Isabel dos Santos nunca foi empresária. É apenas fiel depositária do pecúlio que resulta do assalto da elite político-militar aos recursos do seu próprio país. Não houve empreendedorismo, concorrência, risco. Nada. Apenas a vantagem de ser filha do chefe de Estado. Uma coisa que salta de tal forma à vista que
insulta a inteligência de todos observar como a senhora continua a ser tratada como se de facto o dinheiro com que compra metade de Portugal fosse dela. É dos angolanos. Aqueles que continuam a viver numa indesculpável pobreza.

O artigo, que contou com a participação do jornalista angolano Rafael Marques, resultou num dos maiores abalos à autoestima da herdeira de Angola. Muito mais do que qualquer trabalho publicado em Portugal ou em Angola. Isabel dos Santos está-se tão nas tintas para o que os portugueses ou os angolanos pensam dela como o seu pai. O artigo, ao ser publicado onde era, ao pô-la ao lado de mais uns tantos ditadores africanos corruptos, diminuiu a filha do Presidente perante aqueles que ela pensa serem os seus pares. Isso sim, preocupa-a. O enorme desconforto levou o responsável pela sua comunicação, Luís Paixão
Martins, a abandonar a discrição com que costuma defender os seus clientes e a usar a revista “Briefing”, que é propriedade sua, para lançar um violento ataque ao caráter de Rafael Marques e de todos os que ousaram divulgar a reportagem.

O cerco a Rafael Marques é antigo e teve mais um momento no julgamento em Angola. As denúncias mais do que documentadas sobre os crimes cometidos por generais angolanos e empresas internacionais nas zonas diamantíferas de Angola, no livro “Diamantes de Sangue”, não levaram a qualquer processo judicial contra criminosos. Foi quem os denunciou que se sentou no banco dos réus, para ser condenado a seis meses de prisão, com pena suspensa. E apenas se ficou pela condenação simbólica porque Rafael Marques tem projeção internacional, sobretudo nos Estados Unidos.

Infelizmente, não contou com nenhum movimento de solidariedade significativo dos seus camaradas portugueses. É mais fácil defender o “Charlie Hebdo”. Fica bem e não se correm grandes riscos. Isabel dos Santos é dona de meia comunicação social portuguesa e nunca se sabe se não virá a ser patroa de qualquer um de nós, que hoje escreve na imprensa nacional.

O receio não é idiota. A mão da família dos Santos vai bem mais longe do que se poderia imaginar. Logo em 2013, poucos meses depois de ter saído o trabalho que descrevia a forma como a senhora construiu a sua fortuna, a própria comprou os direitos de exploração da revista para uma segunda edição em língua portuguesa (já existe a brasileira). Ela chegará até ao final do ano às bancas, em Portugal, Angola e outros países africanos de língua oficial portuguesa. O orçamento será de 2,5 milhões de euros e, ao que se sabe, o projeto será dirigido pelo ex-diretor do “Diário Económico” António Costa. O jornalista é consultor do grupo de Isabel dos Santos para os conteúdos económicos da plataforma de televisão por satélite ZAP.

Esta compra, que talvez garanta a Isabel dos Santos um cauteloso silêncio da “Forbes” por alguns anos, deixa muitíssimo claro de onde vêm os verdadeiros riscos para a liberdade de imprensa. Por mais abjeto que seja o atentado de Paris ou por mais idiota que sejam os SMS do líder do PS, sempre foi e continua a ser o dinheiro, mais do que a violência ou os maus fígados, que mais eficazmente podem silenciar a comunicação social. Eu ainda posso escrever o óbvio sobre quem todos sabemos que é Isabel dos Santos e de onde vem uma fortuna que não devia ser sua. Mas quando Isabel dos Santos reage a um artigo desagradável na conceituada “Forbes” comprando a sua publicação em português e o seu provável silêncio, fica claro como se calam as vozes incómodas. Por cá, diga-se em abono da verdade, não tem sido difícil.

“Expresso Diário” 22 junho 2015

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