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Juntos continuamos

15 de Fevereiro de 2015


Estivemos juntos, no Passos Manuel, no fim dos anos 50, no 6º e 7º anos de então, onde criámos o nosso primeiro jornal, o “Initia”, que era mesmo um coisinha de iniciados mas foi um sinal que prenunciava caminhos futuros. Seguíamos atenta e veneradamente as aulas do Joel Serrão e baldávamo-nos sempre que possível a muitas outras, aproveitando para discutir política ou, no terreno meio escondido lá do alto, disputar rijas jogatanas com bola (de trapos, pois claro!), aproveitando a benevolência do contínuo, cujo nome não interessa, que viemos depois a saber ser informador da pide, mas que pelos vistos – honra lhe seja feita – dava menos importância ao salazarismo do que à sua função de “olheiro” do Benfica. Levou-nos aos dois a um treino ao velho pelado do Campo Grande, mas não brilhámos o suficiente para lá poder voltar. Ficaram-nos na memória, que tu gostavas de evocar, as sólidas e sábias instruções táctico-estratégicas do treinador Valdivieso, suponho que espanhol: “dáles porrada, ninho, dáles porrada!”

Juntos subimos, em 61, a alameda da universidade, mas lá em cima viraste para um lado e eu para o outro. Entretanto, como típico gajo invejoso de Direito não perdias uma oportunidade para atravessar o largo e ires a Letras ver as miúdas. Foi lá que a Mané te caçou, e a Julieta a mim, e formámos um quarteto que pouco tempo depois se traduziu em resultados oficiosos: nós fomos teu padrinho de casamento, vocês padrinhos do nosso primeiro filho.

Juntos activamente participámos nas lutas académicas desses difíceis, saudosos e profícuos anos: acima de tudo, criámos e consolidámos convicções e amizades – umas e outras, quase todas, para sempre. E juntos também tertuliámos, com outros (não estás aqui para me ajudar e não citarei nomes, há sempre alguém que escapa e isso é muito chato). Principalmente no Nova Iorque, ao fundo da Av. dos Estados Unidos; com a bica ou a imperial à frente, mas sempre com o olho alerta para o fulano sentado na mesa ao lado com o jornal aberto a tapar o focinho.

Juntos conseguimos, com outros, fazer aos microfones de uma improvável Rádio Renascença um improvável programa chamado Nova Vaga, onde, recorrendo fartamente à metáfora, se falava de livros, de filmes, de desporto, da juventude e dos seus problemas – isto no início dos anos 60! Durou alguns meses, até que os senhores padres de então entenderam que, sendo bonito dar voz aos jovens, decerto seria aconselhável arranjar outros.

Juntos fomos, ao longo dos anos, discutindo jornais e jornalismo, e construindo o projecto de que era isso que queríamos fazer. Fui para o Popular em 66 e tu para A Capital. Mas o jornalismo, na altura – aliás como hoje, em circunstâncias diferentes – não vive à margem da sociedade. Com muita outra malta antifascista “conquistámos” o Sindicato e lutámos contra a censura; participámos nas “campanhas eleitorais” no âmbito da CDE. E depois do tal “dia inicial, inteiro e limpo” de que fala Sofia, juntos continuámos, com mais ou menos assiduidade – no Sindicato, no Clube, na Casa da Imprensa e tu, com perseverança e muito sacrifício pessoal, na Comissão da Carteira Profissional.

Juntos interessámo-nos pelo acompanhamento dos mais novos, demos aulas e discutimos programas e estratégias pedagógicas. No teu trabalho de apoio, encaminhamento e correcção dos jovens que te iam passando pelas mãos foste inexcedível, como largamente o comprovam os testemunhos dos próprios. Escreveste um manual magnifico que todos utilizamos.

Agora, de repente, cavaste daqui, como gostavas de dizer. Mas a gente qualquer dia vê-se – e isto é uma provocação, só para te dar oportunidade para recalcitrar: “ó seu sacana, agente é o da polícia”. Coisas de amigos e camaradas de mais de meio século. E a verdade é que, mesmo sem nos vermos, juntos continuamos.

Fernando Correia

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