Home » Opinião

Cabeleireiras gregas e cabeças portuguesas

26 de Janeiro de 2015


Se algum director quisesse fazer uma cobertura negativa das eleições gregas, escolhia um jornalista mal informado, com uma visão teatral da realidade, tendencialmente disposto a seguir a corrente do pensamento dominante e convicto de que é uma mistura de monge bizantino e Lone Ranger. Ao enviado da RTP, José Rodrigues dos Santos, este perfil assenta que nem uma luva.
Os relatos de JRS tocaram muitas vezes as linhas da campanha europeia anti Syrisa. O enviesamento do discurso atingiu um momento cómico quando o enviado da RTP manifestou a esperança de que um fenómeno de última hora (quiçá um milagre) iluminasse os transtornados cérebros gregos e os impedisse de votar num partido «não de esquerda, mas de extrema esquerda». Note-se que não tenho registo de que haja manifestado preocupação semelhante quanto ao voto no partido fascista que ficou em terceiro lugar.
Mas há mais. (JAG)

José Manuel Pureza, que integrava, na noite das eleições, nos estúdios da RTP, um painel de comentadores , sentiu-se na obrigação de não deixar passar em claro o péssimo trabalho do enviado da RTP (ver aqui).

Como podem ver, a moderadora, Cristina Esteves, tentou justificar com veemência o sentido das intervenções de JRS, não fazendo mais que repetir os lugares comuns da propaganda antigrega. Mencionou a economia paralela e a fuga aos impostos, lançando un anátema sobre o povo grego — um bando de irresponsáveis e preguiçosos, infere-se. Em seu socorro trouxe o exemplo das cabeleireiras (assim, no plural e no geral) cujas aleivosias foram um dos factores que estiveram na origem da dívida grega.

E assim a RTP, serviço público, arrumou a questão da Grécia num dia histórico para a Europa, incluindo Portugal. Segundo o seu enviado e uma moderadora, a dívida da Grécia foi provocada por cabeleireiras, falsos paralíticos e donos de piscinas domésticas. Governos corruptos, financeiros gananciosos e especuladores, leis iníquas e permissivas? Qual quê! Os gregos, preguiçosos, não querem fazer nada e exigem que “a Europa” lhes pague as contas. (ver aqui).

Perante a veemência com que Cristina Esteves interpelou José Manuel Pureza, fui ver se isso fazia parte do seu estilo. À primeira cavadela no arquivo da RTP encontrei um programa em que ela contracena com Marco António Costa, porta-voz do PSD (ver aqui). Deixo ao cuidado de cada um a apreciação sobre o papel da moderadora neste programa. Em especial naquela parte em que Marco António nega, com descaramento, que haja desinvestimento no sector da saúde.

A comentadora desorientada

A comentadora frequente do “Público” para assuntos internacionais, Teresa de Sousa, confessa que não esperava, há seis meses, que o Syriza chegasse ao poder nestas eleições. Deve andar a ler as informações  erradas. Vaticinou que o Syriza se aliaria, preferencialmente, com o novo partido de esquerda O Rio, mas o Syriza só precisou de uma dúzia de horas para se aliar aos Gregos Independentes, de direita.

Surpresa? Não. O que se passa é que a lógica das relações políticas na Grécia mudou substancialmente. As concessões que o Syriza venha a fazer não alteram a sua estratégia. Por isso Teresa de Sousa se equivocou quanto às alianças. Ao contrário do que pensou, o Syriza fica menos condicionado pela aliança com os Gregos Independentes do que com O Rio.

A eventual saída do euro não é uma determinante estratégica para o Syriza. Continuará no euro se isso for favorável aos gregos, mas entre o euro e o povo a sua prioridade é o povo. O estado de confusão da comentadora é visível nestas linhas que escreveu, a propósito da eventual saída do euro:

(presente) vários cenários possíveis em cima da mesa. Que a saída será (futuro) uma catástrofe para a Grécia e para a Europa; que a saída seria (condicional) gerivel pelas duas partes. Há (presente) contas feitas (passado) para as duas possibilidades. Na verdade, ninguém sabe (presente) ao certo o que aconteceria (condicional). Nem ninguém pode (presente) apostar na reacção dos mercados. Os próximos dias serão (futuro) cruciais.

Alguém percebe o que isso significa? A única conclusão possível é a de que tudo pode acontecer (em geral, conclusão de quem não tem a menor ideia do que vai acontecer). Para dizer isso, não era necessário usar tantas palavras nem tantos tempos verbais desencontrados. Podia ter ficado assim:

Há duas hipóteses, para uma saída do euro: uma catástrofe para a Grécia e para a Europa; ou uma saída gerível pelas duas partes. Há contas feitas para as duas possibilidades, mas ninguém sabe ao certo o que acontecerá, nem pode apostar na reacção dos mercados.

Mais simples, não é?

Eliminei, também, os dias cruciais. Não serão dias, serão meses.

João Alferes Gonçalves

2015 janeiro 26

Imprima esta página Imprima esta página

2 Comentários »

  • Cabeleireiras gregas e cabeças portuguesas said:

    […] Continua… […]

  • isabel carvalho said:

    Não sei o que é mais lamentável. Se o histerismo de JRS, o primarismo argumentativo de C. Esteves ou a língua de trapos de T. de Sousa
    Estas tristes figurinhas (figurões) não são mais do que acéfalas vozes do dono, sem dignidade nem espinha dorsal.

Comente esta notícia.

Escreva o seu comentário, ou linque para a notícia do seu site. Pode também subscrever os comentários subscrever comentários via RSS.

Agradecemos que o seu comentário esteja em consonância com o tema. Os comentários serão filtrados, antes de serem aprovados, apenas para evitar problemas relacionados com SPAM.