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Madeira: uma pedrada no charco

8 de Novembro de 2014


Desta vez, o Supremo Tribunal de Justiça, num extenso e notável acórdão do passado dia 21 de Outubro, veio consagrar a liberdade de expressão em termos verdadeiramente democráticos na Madeira, revogando infelizes decisões dos tribunais da 1.ª instância e da Relação de Lisboa. (Francisco Teixeira da Mota)

Madeira: uma pedrada no charco

A Madeira, como todos sabemos, é uma região autónoma. É também, como todos sabemos, uma república das bananas com um regime político personalizado na pessoa do presidente regional e onde as relações entre o poder político e os negócios são um território pouco saudável.

Uma das características deste regime insular é o terrorismo em termos de liberdade de expressão: o líder diz tudo quanto quer, ao mesmo tempo que se queixa judicialmente de tudo quanto dele dizem. A sua escola comunicacional/judicial é seguida por diversos personagens insulares e, muitas vezes, com sucesso, intimidando e castigando os madeirenses que se atrevem a pôr em causa o poder político e económico da região.

Ao mesmo tempo, a impunidade do poder político/económico madeirense é quase total. O recente arquivamento do processo das facturas ocultas – de que confesso desconhecer os pormenores – não deixa de ser surpreendente. Lembro-me de há uns anos, quando me deslocava à Madeira, ouvir falar desse segredo de Polichinelo: as empresas só conseguiam os contratos das obras públicas desde que não apresentassem as respectivas facturas, criando a famosa – e,afinal, inócua – dívida oculta. É o que chamava um amigo meu “navegar à bolina entre o direito comercial e o direito penal”. Parece que resulta…

Mas desde que o Presidente da República se viu obrigado a receber os líderes da oposição madeirense num hotel, numa quase clandestinidade, lembrando ditaduras sul-americanas, nada nos surpreende no regime político madeirense. A talhe de foice, convém sempre lembrar que os deputados do governo regional costumam levantam a imunidade parlamentar dos deputados da oposição para serem julgados por aquilo que afirmam e que não agrada ao governo! Têm-se a si mesmos e à sua função em alta consideração, como se depreende.

Mas, desta vez, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), num extenso e notável acórdão do passado dia 21 de Outubro (http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/5dd9ef4e1d17b9da80257d78004be572?OpenDocument), veio consagrar a liberdade de expressão em termos verdadeiramente democráticos na Madeira, revogando infelizes decisões dos tribunais da 1.ª instância e da Relação de Lisboa.

O caso tinha-se iniciado com uma notícia, da autoria da jornalista Graça Rosendo, publicada no semanário Sol de 8 de Dezembro de 2006, no qual se referia a pendência de uma investigação criminal à gestão do porto do Funchal.

A notícia em causa revelava a existência de vários arguidos, entre os quais David Pedra, o autor na acção judicial agora decidida pelo STJ, a sua filha Cristina Pedra e Luís Miguel de Sousa, entre outros, e nela se afirmava que, “segundo soube o Sol, a investigação criminal, que abrangeu um período de cerca de três anos a partir de 2001, concluiu que foram criadas 20 empresas, apenas para prestar serviços fictícios à Empresa de Trabalho Portuário – ETP, emitir facturas por esses serviços e receber o respectivo pagamento. Isto com o objectivo de, alegadamente, desviar parte dos lucros da referida empresa. No total, os investigadores apuraram um valor da ordem dos 15 milhões de euros pagos a estas “empresas-fantasma”.

Um dos principais visados na investigação é o antigo sindicalista David Pedra – representante dos sindicatos na administração da ETP e que, entretanto, se descobriu ser sócio da OPM (a empresa de Luís Miguel de Sousa). Na investigação, Pedra é considerado um dos elementos-chave do alegado esquema, uma vez que se descobriu que o ex-sindicalista tinha uma participação em quase todas as empresas que prestaram os falsos serviços”.

Estas e outras afirmações levaram o referido antigo sindicalista a pedir uma indemnização pelos danos por si sofridos na sua honra e consideração. Os tribunais de 1.ª instância e o Tribunal da Relação de Lisboa deram razão ao queixoso, até porque o processo-crime noticiado pelo Sol tinha sido arquivado e ninguém tinha sido acusado, além de que havia diversos erros factuais nas notícias. Não olharam para as notícias na sua dimensão de exercícios do direito da liberdade de expressão e de informação sobre matérias de relevante interesse público, antes preferiram procurar descobrir, ao pormenor, se tudo o que constava nas notícias correspondia à exacta verdade dos factos. Dir-se-ia que, mais do que juízes a administrarem Justiça, seriam burocratas a pesar verdades formais, esquecendo as realidades factuais. E condenaram a jornalista a pagar 25.000 euros ao ofendido David Pedra.

Mas os juízes-conselheiros do STJ Gregório Silva Jesus, Martins de Sousa e Gabriel Catarino não hesitarem em repor o prato da balança da Justiça no seu exacto lugar: a verdade jornalística não pode ser uma verdade laboratorial e a importância de informar, de boa-fé, sobre matérias de interesse público não pode ser tolhida pelo invocado bom nome ou honra dos visados. Faz parte do jogo democrático.

Francisco Teixeira da Mota – “Público” 07 outubro 2014

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