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A administração pública e a comunicação social

15 de Outubro de 2014


«Com o fim do GMCS, perder-se-ia o conhecimento de vários quadros de grande conhecimento técnico e também um espólio documental precioso para a definição das políticas públicas do setor» (Alberto Arons de Carvalho)

A administração pública e a comunicação social

O Governo anunciou a intenção de dar às cinco CCDR – comissões coordenadoras do Desenvolvimento Regional e aos governos regionais dos Açores e da Madeira a competência pela atribuição dos incentivos à comunicação social regional. Ao mesmo tempo, anunciou a transferência para a ERC da responsabilidade pela fiscalização da publicidade estatal. Sem ter, desde o início, a frontalidade de o assumir publicamente, o Governo prepara-se assim para extinguir o Gabinete para os Meios de Comunicação Social (GMCS), departamento da administração pública responsável pelo acompanhamento e execução das políticas públicas para a comunicação social.

Este departamento tem tido uma evolução que importa assinalar. Depois de, durante o regime deposto em 1974, ter assumido uma vocação propagandística, ele teria várias designações, que refletiram afinal, em grande medida, a evolução das suas atribuições e competências. A transferência de várias delas (registos, fiscalização, licenciamento, etc.) para a entidade reguladora do setor obrigou a um progressivo emagrecimento da sua máquina burocrática – já trabalharam neste departamento administrativo mais de 300 funcionários, mas hoje apenas lá estão 32…

A importância das competências do GMCS não deve todavia ser desvalorizada: a participação na definição, na concretização das políticas públicas, nomeadamente através da política de incentivos do Estado ao setor; o apoio à representação externa do Estado no setor dos media e na definição da posição portuguesa nas políticas públicas europeias e na lusofonia; e outras iniciativas, nomeadamente, no domínio das acessibilidade dos cidadãos com deficiência e da literacia para os media.

Para justificar esta extinção têm sido invocados motivos como a intenção de desgovernamentalizar a atribuição desses incentivos, a ambição de reduzir o peso da administração pública e o facto de ser reduzida a presença do Estado como proprietário dos media. Esta argumentação não colhe. Não existe qualquer registo de crítica feita, pelo menos nos últimos 20 anos, a uma eventual governamentalização ou manipulação dos incentivos estatais. Aliás, o governo nomeia tanto os presidentes do GMCS como das CCDR…. Isto sem falar das competências sobre os apoios concedidas aos governos regionais… Recorde-se, aliás, que, de acordo com os órgãos de comunicação social regional, as pressões que sobre eles são exercidas provêm de órgãos do poder local (ver a este respeito o esclarecedor relatório das reuniões que a ERC promoveu em 2010 com a imprensa regional). Reduzir o peso da administração pública? O GMCS é já um organismo magro e não será certamente mantendo os atuais quadros de funcionários que as CCDR iriam acolher o volume de candidaturas da imprensa regional e das rádios locais ao sistema de incentivos… Não existe já, excluindo a RTP e a Lusa, media do Estado? A questão não é essa: continuará ou não uma política de incentivos à comunicação social? O Governo diz que sim… E, sobretudo, com os desafios da era digital, continuará a desempenhar um papel decisivo uma estrutura na administração pública que proceda ao estudo e à projeção das estratégias e das políticas públicas para o setor!

Em contrapartida, esta extinção tem graves inconvenientes. Perdem-se totalmente a experiência e o conhecimento específico dos quadros do GMCS não apenas na atribuição de cada incentivo, mas na sua conceção e na própria avaliação da sua utilidade. Desaparece um organismo fundamental no apoio à representação externa do Estado nas instâncias europeias e na avaliação e transmissão de toda a problemática relativa a essa participação – os governos passam, mas a administração pública fica… Corre-se o risco de tornar absolutamente incoerentes os critérios de atribuição dos incentivos, que passariam para a competência de diversas estruturas espalhadas pelo país e de funcionários sem qualquer conhecimento do setor, nem capacidade para responder às solicitações das centenas de órgãos de comunicação social interessados, muitos dos quais procurando apoios para parcerias com jornais ou rádios de outras regiões do país… Com o fim do GMCS, perder-se-ia o conhecimento de vários quadros de grande conhecimento técnico e também um espólio documental precioso para a definição das políticas públicas do setor.

Trata-se de uma medida insólita. Quando os congéneres europeus são considerados fundamentais no quadro de profunda transformação dos media de natureza tecnológica, económica e social, na sua articulação com as indústrias culturais – veja-se o exemplo francês… –, em Portugal, a estratégia é a extinção…

Alberto Arons de Carvalho, Professor universitário e vice-presidente da ERC

“Público” 14 outubro 2014

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